ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

MOB RULES “Pó e putaria, coisas que dão muito dinheiro nesse país esfuziante”, assim diz José Zakkai, vulgo Nariz de Ferro, futuro CEO do Escritório Central, holding congregadora de um blend de negócios lícitos (de fachada) e ilícitos (pó, putaria, etc.), isso tudo no romance A grande arte, Rubem Fonseca, 1983. Walter Salles fez um filme medíocre, homônimo, baseado no livro. O filme é de 1991. Nele, o Mauricinho Lírico, herdeiro do banco que nem parece banco (v. Marcelo Camisola), atenua o “tá tudo dominado”, os negócios dos antigos bacanas do eixo Rio traço São Paulo, então descapitalizados e decadentes, sendo irrigados por “pó e putaria”. Transforma Peter Mandrake, Édipo trágico de outra maneira, porque no livro ele revela que certas esfinges são mesmo indecifráveis, num fotógrafo (clichê ultrabatido) gringo deslumbrado com o suposto exotismo do Rio, fotógrafo esse interpretado por Peter Coyote. (Coyote está a cara do Iggy Pop no filme. Giulia Gam, hum, digamos que está até que gostosinha desfilando com uma minissaia preta de couro, apesar da cara de nhoque ao sugo.) Em relativa defesa de Walter Salles posso dizer que ele não foi o único que leu muito mal o livro do Rubem Fonseca. A quem tivesse olhos para ver, todo nosso futuro já estava ali, nesse livro, numa síntese imaginativa soberba. Seria tão difícil assim ler A grande arte, olhar o mundo ao redor e constatar que um universo todo havia sido descortinado? Bem, talvez fosse impossível. Lembro-me bem do que era o imaginário, as crenças e as superstições do brasileiro médio (ou mesmo do supostamente superior) de 1983. Era uma mistura de espiritismo (“Leia Kardec”), Programa Flávio Cavalcanti e algum disco de piadas do Ari Toledo. (Há outras possibilidades de mistura, igualmente péssimas.) A divisa do Brasil, em vez de ordem e progresso, deveria ser mob rules ou o ruim predomina ou tudo que é bom estraga e tudo que é podre prospera nessa merda de país. (Olavo de Carvalho diz uma imensa bobagem quando afirma que os últimos livros de literatura ficcional que captaram de modo abrangente o que era o Brasil foram Quarup, de Antônio Callado, e Pessach: a travessia, de Carlos Heitor Cony. Comparados ao livro de Rubem Fonseca, esses não passam de dois livrecos provincianos e ingênuos.)

BOTA UM PONTA, TELÊ Admito que, aos onze anos, fui um espectador apaixonado da Copa de 82. Hoje, revendo gols no YouTube, até acho os lances bonitos (o gol do Sócrates contra a Itália), mas o tom histérico da narração do Luciano do Valle, aquela gritaria toda, a musiquinha ufanista herdada da Copa de 70, noventa milhões em ações ao portador, etc., me dão uma sensação de pesadelo revivido. (Em episódios recentes, Arthur Moreira Lima foi homenageado na sede do Fluminense F. C. e Marcos Valle fez um vídeo cantando e tocando com a camisa do Botafogo F. R. Em algum momento o futebol deixou de ser o ópio do povo e vestir a camisa, literal e metaforicamente, se tornou quase que uma obrigação, um indicador de sensibilidade social, Lula corintiano, etc. A meu favor posso dizer que faz mais de quarenta anos que torço para que o futebol acabe.)

CAPAS DA PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Márcia Bulcão, em dezembro de 1984. Márcia era uma das vocalistas da Blitz, ao lado da Fernanda Abreu. As duas eram lindas, mas Márcia fazia bem mais o meu tipo. Certamente elas receberam na época propostas para serem fotografadas, e se não rolou deve ter sido por alguma cláusula contratual da Blitz. (A propósito, estava me lembrando outro dia que o Evandro Mesquita foi garoto propaganda dos cigarros L&M nos anos 1990, “te encontro na sessenta e seis”. E que o Ricardo Petraglia, Dick Petra, fez propaganda eleitoral para o Paulo Maluf, também nos 1990s.)

11/01/2025