ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

9 DE FEVEREIRO DE 1985 É meu aniversário de catorze anos. Estou usando temporariamente o quarto que é da minha avó Maria, que está em Santos. Trouxe para cá minha guitarra, discos e aparelho de som. Vejo em sequência, na TV Cultura, Fábrica do Som e Som Pop (v. Tadeu Jungle e Paulinho Heavy). Recebo três amigos – o Tom, que me dá de presente o Born again, do Black Sabbath, o Alexandre e o Boi, que é meu primo. Alexandre e Boi dizem para o Tom que ele se parece com o baterista dos Titãs, o André Jung. Tia Gylka e a mãe do Alexandre, a Cláudia, ficam na sala conversando com minha mãe. Tia Gylka fuma Galaxy Slims e Cláudia fuma Hollywood. Sábado, 9 de fevereiro de 1985. É a primeira vez que não faço festa de aniversário desde que comecei a fazer festas de aniversário.

9 DE FEVEREIRO DE 1984 Estou no salão de festas do prédio. A festa é para comemorar meus treze anos. Uns amigos acabam de chegar – Romano, Terezinha, Cristiane e Evandro. (Romano fuma Pall Mall, Astolfo fuma Arizona, vó Ida fuma Charm, etc.) Evandro me estende uma embalagem da Sandiz. É um disco, o Undercover, dos Rolling Stones. A Tereza, mãe do Elton, vê a imagem da contracapa, uma mulher nua, fotografada de costas, com o dorso inclinado, e faz um comentário engraçado, com alto teor sexual.   

9 DE FEVEREIRO DE 1983 É a primeira vez que comemoro meu aniversário no apartamento, não no salão do prédio. Eu e uns amigos estamos no quarto fazendo gravações supostamente engraçadas. O Eduardo Gordinho (v. Yoplait) canta o que ele diz ser Cruel, cruel, esquizofrenético blues, da Blitz. Não sei como ele teve acesso a esse material, também não posso ter certeza se isso que ele está cantando é mesmo a música censurada da Blitz. Na sala, as pessoas estão falando sobre a Karen Carpenter, que morreu hoje, de anorexia.

9 DE FEVEREIRO DE 1986 Num lugar chamado Mil Milhas, em Interlagos, à beira da represa. A toalha da mesa está suja, o que gera constrangimento e mal-estar. (V. A toalha da mesa estar suja como metáfora, etc.) 

9 DE FEVEREIRO DE 1987 Estou fazendo uns sons no teclado Korg Poly 800 do Maurício Tartá. Frederico me deu de presente o Magical mystery tour, dos Beatles. Coloco I am the walrus e digo, é essa faixa, ouça. Frederico ouve e diz que não achou nada demais. (À tarde fui trocar um vale-disco numa Hi-Fi do Iguatemi. Peguei o Drama, do Yes.)

9 DE FEVEREIRO DE 1992 Espero mais de duas horas um amigo que disse que viria em casa. Como ele não aparece, vou ao aniversário do meu primo Christian (fazemos aniversário no mesmo dia, etc.). Estou usando uma camiseta polo verde garrafa e uma calça de sarja cinza, meio que imitando o que suponho ser o jeito de se vestir do Stewart Copeland, o baterista do The Police. 

9 DE FEVEREIRO DE 1996 Num bar na Rua Tabapuã chamado Anjo Lelahel, evento feito de improviso, convites enviados de última hora. Apesar disso, um monte de gente aparece.

9 DE FEVEREIRO DE 2018 No Madame Satã, na varandinha onde projetam filmes: eu, Roberto Bicelli, Miguel de Almeida, Luciene Lamano, Magali Bragado e um cara que parece o tio Chico da Família Adams, que não sei quem é. 

9 DE FEVEREIRO DE 1982 O síndico do prédio, seu Martinelli, entra no salão dando ordens, gritando, dizendo que está na hora de encerrar a festa (v. Por que coronéis reformados do exército tendem a virar síndicos em prédios na Tijuca?). A família toda (Mirandas, Cerveiras, Pasquinellis, Haaks, etc.) vai pra cima do sujeito. Até eu, que estou completando onze anos, participo do quase linchamento. Uma grande, uma gigante catarse de palavrões, termos chulos, copinhos de plástico arremessados. Meu primo Duto, com a palma da mão voltada contra o rosto acuado do síndico, fica repetindo o xingamento seu bosta. O ano de 1982 é um ano muscle car, Opala 4x100, míssil antinavio Exocet, chiclete Bazooka argentino, chão quadriculado de Congonhas, Mário Fofoca.

Etc., etc.

09/02/2025