ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

AUDITÓRIO Piano piece 1952, Morton Feldman.

VOMITÓRIO Aos oito anos descobri essa palavra no dicionário. Não li suas definições e, fazendo uma analogia indevida com auditório/áudio, lugar onde as pessoas ouvem, imaginei um lugar aonde as pessoas iam chamar o Hugo, etc.

UTARIA IPIRANGA Ando pela Rua Tabapuã e olho de relance a fachada de um lugar, utaria Ipiranga, completo imaginativamente, Putaria Ipiranga, não é, é claro, é frutaria. Distraio-me imaginando se as coisas fossem chamadas por seus nomes verdadeiros, putaria, clínica de aborto, etc.

X. XXXXXX FOI TORTURADA NO MIJÔNCIO DE DOUTOR PHIBES X. Xxxxxx era uma servente do Gracinha, Escola Nossa Senhora das Graças, Rua Tabapuã, 303. A origem do nome? Um dia um colega nosso queria comprar alguma coisa na cantina da escola, estava sem dinheiro e decidiu pedir emprestado para uma das serventes lá. A servente, é óbvio, disse que não tinha e o colega nosso, todo contrariadinho, retrucou, vai regular essa mixaria, X. Xxxxxx? (Esse colega veio a ser uma figura destacada no PC do B. Comunista não presta desde pequeno, etc., etc.) 

ITAIM-BIBI, O BAIRRO QUE, SEGUNDO AQUELA CORRETORA DE IMÓVEIS GOSTOSINHA PARECIDA COM A LALA DEHEINZELIN, É PRO PESSOAL QUE “ESTÁ VOANDO” Acho ultra Eudes (“os colega da firrrma”) esse papo 2025 de que o Itaim-Bibi é um bairro só de carrões e de Faria Limers e de apartamentões absurdamente caros e de mulheres absurdamente bonitas (porque rico não casa com bagulho, etc.). Deem uma chegada no botequim do Bahia (Tabapuã entre Clodomiro e Iguatemi) qualquer hora dessas e vejam o Itaim-Bibi trash, pinguços, sujeitos barrigudos fumando Chesterfield (v. “Pega bem fumar Dallas”), mulheres feias pra danar, etc.

OZZY OSBOURNE MORDE IVAN LINS E aí, o que foi feito com o cadáver do Ozzy? Enterraram? Cremaram? Mumificaram como o Lênin? Tem essa coisa hoje em dia, essa coisa meio cuzona de que a família não informou a causa da morte, nem se divulga onde o sujeito foi comer capim pela raiz. Tem alguma motivação jurídica nisso? A propósito, onde foi enterrado o Francisco Cuoco? Deviam divulgar, pô, pras velhas noveleiras irem lá no túmulo deixar bilhetinhos com pedidos, quero uma dentadura e uma cadeira de rodas, e depois irem lá colar aquelas plaquinhas, agradeço o Francisco Cuoco pela graça alcançada.

RUBEM FONSECA A escolha, o conto que abre o livro Pequenas criaturas, lançado pelo Rubem em 2002, é a escolha que um sujeito tem de fazer entre uma dentadura e uma cadeira de rodas. O conto é soberbo. Acho-o tão absolutamente perfeito que cheguei a decorá-lo, inteirinho.

MIJÔNCIO Mijôncio é aquela privada de parede que fez o artista plástico mijão Marcel Duchamp ficar mundialmente famoso. (E que deitou jurisprudência para que qualquer picareta que não sabe desenhar nem aquele desenho de criança, casinha e solzinho sorridente no canto da folha, fique mundialmente famoso como artista plástico.)

COSTINHA, O PERÚ (SIC) DA FESTA OU: PIADAS DO SÉCULO PASSADO Aquela lá que um sujeito diz que vai dar mil fodas num picadeiro, consegue dar só novecentas e noventa e nove, é chamado de bicha pela plateia e, tentando se explicar para o enfurecido dono do circo, diz não saber o que aconteceu, já que no ensaio foi tudo tão bem, etc., etc.

29/07/2025


ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

SACANAGENS E HUMILHAÇÕES NA TV DO SÍLVIO SANTOS Era o subtítulo do livro da Adelaide Carraro O passado ainda dói. Li umas páginas, procurando as sacanagens e humilhações. Não tinha nada. Adelaide fazia uma vaga denúncia de uma besteira qualquer lá seguida de um falatório interminável puxando o saco do Sílvio.

ALUCINAÇÃO É o nome de um disco do Belchior Geezer Butler, o baixista autista da banda Black Rio Sabbath. A música mais legal do disco é aquela lá, Boi com medo de avião. Etc., etc. Alucinação também é percepção sem objeto. Uma vez eu estava no Guarujá, janeiro de 1981, e vi um gordão (v. Hey gordão, Joelho de Porco) fumando o que me pareceu ser um grosso toco de carvão. Não sei como, entre aspas, soube que o tal toco de carvão fumável se chamava brota. Anos depois pesquisei se existia isso. Google, ChatGPT e Belchior me garantiram que não. Sei lá. Deve ter sido alucinação minha.

O TÚMULO QUE CHORA É outro livro da Adelaide Exame de Escarro. Esse eu não folheei. Talvez tenha comprado em 2002, 2003, todos livros da Adelaide eram vendidos a preço de banana naquele saldão que existia na Rua Augusta. A propósito de túmulos, finalmente algum mané fotografou e postou uma foto do túmulo do Sílvio Santos. Nada de bilhetinhos pedindo coisas pro SS (Shutzstaffel) nem plaquinhas dizendo agradeço o Sílvio Santos pela graça alcançada.

PERDA DE TEMPO Soube de uma banda chamada Sophia Ursinho Blau-Blau e uma Enorme Perda de Tempo. Perda de Tempo era o nome da banda que o hoje jornalista musical José Norberto Flesch teve nos anos 1980-90. O Perda do Beto Flesch inclusive abriu os dois shows que o Die Toten Hosen fez aqui em São Paulo em 1992.

JOHNNY AND THE MOONDOGS Nunca ouvi ninguém dizer isso, mas é só olhar para as capas de Rubber soul e Revolver que você vê que o Klaus Voormann fez os desenhos dos rostos de John, Paul, etc., para o Revolver a partir da foto do Rubber soul

1992 Estou parado no trânsito, na Rua Machado de Assis, Aclimação. Vim pegar meu carro numa oficina. O trânsito está assim porque a Paulista está bloqueada, os caras-pintadas estão lá, brincando de Anos rebeldes, inclusive o carro de som está tocando ininterruptamente Alergia, Alergia

Etc., etc.

CAPAS DE PLAYBOY QUE ABSURDAMENTE NÃO EXISTIRAM Betty Lago, em setembro de 1992. Toda mulher bonita tem um apogeu enquanto mulher e enquanto bonita. Sem dúvida que o de Betty foi na série Anos rebeldes, absurdamente linda dirigindo um lindo Karmann-Ghia e botando um lindo par de chifres no José Wilker com o Kadu Moliterno, o professor barbudinho-comunista de sua filha até que gostosinha, etc., etc.

HO CHI MINH, AMANHÃ VOCHÊ Julinho Safardana me manda um cartão postal de Ho Chi Minh City, no Vietnã. Diz que está levantando um grana gorda por lá (v. Wilza Carla na propaganda do Banco Safra, 1977), jogando roleta russa com o Christopher Walken e com um japa que fica gritando mao! e lhe dando bofetadas na cara o tempo todo. Eventualmente uma bala lhe atravessa o crânio, o que o obriga a ter de comprar um cérebro novo, pagar para algum neurologista meio picareta instalá-lo, etc. Diz o Safardana que lá por setembro chove? ele deve estar de volta. Sentemos e aguardemos.

(Duas figuras do Itaim-Bibi dos velhos tempos. A Maria do Lenço, vendedora ambulante de bilhetes da Loteria Federal, parecidíssima com a escultura Queenie II, do Duane Hanson. A Cacilda, vendedora ambulante de Yakult. Sim, sou do tempo em que Yakult não tinha no mercado, era vendido de porta em porta.)

 

Etc., etc.

 

20/07/1992


ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

FALOU E DISSE Nós, tão cansados da opacidade de nossas vidas e sem mais nenhuma palavra furiosa para dizer, podemos simplesmente pegar um carro e sair dirigindo por aí, Steppin’out, Joe Jackson, 1982. 

OUÇO Palais de Mari, Morton Feldman, 1986.

OLAVO TEM RAZÃO, ETC. Um daqueles momentos extraordinários que redimem as coisas estúpidas que Olavo disse a partir do True outspeak (redimem se você não é um idiota que se acha muito esperto por causa de história de terra plana e adoçante de Pepsi feito com fetos humanos abortados). No vídeo Olavo discorre sobre a origem gnóstica do traço fundamental da cultura contemporânea (século XIX para cá, digamos) que é ignorar a liberdade humana como força determinante de eventos históricos. 

https://youtu.be/4oqrLyGUfU8?feature=shared

FELIZ ANO VELHO, ETC. Virou ópera do Tim Rescala o livro do Paiva. Tim Rescala? Tim Rescala é jogo duro, mermão. Quando eu era um jovem ingênuo que, hum, de certa forma até me deixava levar por estereótipos de gênios malucos (Einstein mostrando a língua, etc.), isso lá por 1988, vi um disco do Tim, achei que ele era um gênio maluco (careca de óculos, ar de nerd, etc.) e comprei o disco. O disco era uma merda. (Fui procurar o disco, na minha memória a capa mostrava o Tim com um daqueles capacetes de peão de obra, não achei. Ué, será que estou confundindo com outro?)

(Achei o disco. É a trilha de um filme chamado Por incrível que pareça, 1985, em que Rescala foi ator. A trilha não é dele. Esse b.o., portanto, não é do Tim. O filme, de qualquer forma, é péssimo.) 

VÁ SE FODER, ETC. Creio que chegamos a um nível irreversível de estupidez quando Albert Einstein, com aquela cara de cachorro que ele tinha, virou a imagem, o signo visual da genialidade. Aliás, o tremendo sucesso da cara do Einstein, sua transformação em ícone, ocorreu não porque ela sugira inteligência, vivacidade, wit, mas porque sugere um cachorro babão.

PAPAI NOEL INADIMPLENTE, NÃO ME INTERESSA, EU QUERO MEU PRESENTE Acho que fiquei bronqueado com essa coisa de Albert Einstein porque, aquelas coisas, ia mal em matemática – ir mal em matemática era um clichê de classe média dos anos 1980, como maconha, psicanálise, a cura do câncer, leia Kardec, etc. –,  um puta clima de merda em casa por causa disso, aí toca fazer aula particular, um imenso investimento de energia para tentar evitar que o Chá-Chá-Chá ficasse nervoso, etc., aí umas cogitações do tipo, ah, se eu fosse o Albert Einstein não ia ter essa encheção, ia tirar dez na prova, ia poder ir ao Mappin agora comprar a merda da guitarra Retson, porque só ganha presente de Natal se passar de ano, se repetir vai pro colégio do estado e vai trabalhar porque eu não sustento vagabundo, etc., aí, putz, ser Einstein,  bolar o e=mc ao quadrado, etc., etc., só pra passar de ano direto e comprar a tal da guitarra Retson? Não há uma, hum, tremenda desproporção nisso tudo?

É DOS CARECAS QUE ELAS GOSTAM MAIS, SOBRETUDO SE FOR UM CARECA MONTADO NA BUFUNFA, ETC. Michel Foucault estava montado na razão quando dizia que em 99% das vezes o Eudes e a Rose não falam, mas são falados pela linguagem, pelo automatismo cretino da geração de frases, etc.

Etc., etc.

16/07/2025


ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

MORTOS EPPUR SI MUOVE Vou a uma festa no mezanino do Conjunto Zarvos, o lugar onde o Gabriele Tinti dispensa a namorada mala em Noite vazia. Vejo um cartão postal de propaganda que está largado sobre o balcão do bar, 1984: o grande irmão está de olho é na botique dela. Perto do balcão está uma mulher jovem, trinta anos presumidos, com quem eu acho que tive algum contato no Orkut quando estávamos vivos (eu morri em 2007, etc.). Num dos conjuntos comerciais anexos ao mezanino Alexandre Von Baumgarten e Newton Cruz autografam o livro Yellow cake (Newton prefaciou, etc., etc.). Chego à mulher, vou perguntar se foi ela que uma vez me levou pra casa dela, na Rua Vitorino Carmilo, etc., dou uma batida em seu ombro, ela se vira e olha para mim e eu começo a falar. 

https://apartamentoseduardohaak.blogspot.com/2018/07/manha.html

 

ZEIBAR’S E METROPOLIS Fui uma vez em cada. Ficavam um ao lado do outro, no final da Paulista. Diziam que eram lugares bons pra pegar mulher. E lá fui eu, no furor dos meus trinta e três anos, 2004, pegar mulher. O Zeibar’s estava vazio, exceto por um sujeito parecido com o Márcio Canuto, o repórter da Globo, que dançava com duas mulheres com pinta de pilantronas. Etc., etc. Fui para o Metropolis. Bar grande com música ao vivo. Música ao vivo sempre é um péssimo prenúncio. (Dizem que o inferno está cheio de músicos amadores. E eu acrescento que está repleto de músicos profissionais que tocam em bar.) (v. David Goodis, Atire no pianista, etc., etc.) (Uma vez só a tal da música ao vivo me impressionou bem, uma banda acústica tocando Alice in Chains no O’Malley’s, em 2008.) Encostei numa parede do Metropolis e fiquei ali, avaliando a mercadoria. O.k., tinha mulher. Quantitativamente até que o.k., qualitativamente a mesma média de sempre, num grupo de cem, duas bonitas. E a banda castigando U2 e Rolling Stones, e um gordão meio parecido com o Stepan Nercessian encharcado de suor (cocaína, etc.) que insistia em ficar dançando e esbarrando numa mesa com dois casais cafonas, até que um dos sujeitos cafonas enquadrou o Stepan doidão e o Stepan, depois de rosnar e latir um pouco, colocou o galho dentro.

EDU LOBO Tento ouvir algumas coisas do Edu Lobo enquanto faço musculação. (Pull over é um exercício para latíssimo do dorso ou para peito? O Tiozão do Fitness diz que o peitoral fica em isometria no pull over. Etc., etc.) Deixo tocar uma playlist. Sei lá, bróder. Ponteio é vibrante. Vento bravo idem. E só. Alguma coisa na maior parte das músicas de Edu Lobo não me vai. Parecem músicas do Tom Jobim que não deram certo. Arrastam-se. Depois de ouvir você não consegue se lembrar do que ouviu. (Lembro-me do episódio em que Edu Lobo e Eleazar de Carvalho se atritaram, porque o Edu Lobo queria que os músicos da orquestra que o Eleazar regia se vestissem de índios para tocar uma peça dele. Etc., etc.) 

(Pra mim o placar nesse jogo foi Eleazar um, Edu Lobo zero.) 

CORRE, COTIA Corro pela Faria Lima até a Pedroso de Morais, depois Rua Natingui, depois a escadaria da Travessa Tim Maia, depois Rua Paulistânia, depois Avenida Pompeia, depois Alfonso Bovero, depois Doutor Arnaldo, depois Oscar Freire, depois Artur de Azevedo, depois Joaquim Antunes, depois Groenlândia, depois Nove de Julho, depois São Gabriel, depois Tabapuã.

CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Imara Reis, em outubro de 1986. Imara era aquele tipo de mulher discretamente atraente que acaba desencadeando incêndios descontrolados em nossa libido. Duvidam? Vejam a cena em que Ênio Gonçalves corta sua camisola com uma gilete enquanto ela dorme em Filme demência, direção de Carlos Reichenbach, 1986. 

03/07/2025