TOCANDO PIANO E BAIXANDO O SANTO Ouço pela primeira vez o álbum Dark intervals, do Keith Jarrett, 1988. Vou conferi-lo por causa da faixa Parallels, que ouvi numa postagem do Rick Beato e que, assim, de orelhada, me pareceu razoavelmente promissora. Contudo, como em tudo que o Keith Jarrett faz, Parallels também fracassa. A coisa começa interessante, vibrante até, Keith explorando algum território modal, fazendo contrapontos com jeitão de J. S. Bach. Mas a música não se desenvolve. Começa a acumular entulho sonoro até que desaba. Música que não se desenvolve não é demérito quando o não desenvolvimento é uma estética assumida e conscientizada, como no caso do minimalismo. Mas Jarrett não é minimalista, é apenas um maximalista repetitivo que se repete por não saber pra onde ir. Não tem intimidade com o universo eminentemente sonoro (altura, duração, timbre, intensidade), como compositores não desenvolvimentistas como Morton Feldman e, vá lá, John Cage, demonstram ter. É mais um fenômeno sociológico do que musical. Suas performances tocando piano e baixando o santo, seus gemidos orgásticos, sua liberdade de expressão (v. Menudo, “não se reprima, mate sua prima, com estricnina”) parecem ir ao encontro dos anseios estéticos e existenciais daquelas pessoas, hum, como é que eu poderia dizer?, ah, sei lá, aquelas pessoas, jornalistas, publicitários, maconheiros, tomadores de ayahuasca, eleitores do PT e do PSOL, praticantes relapsos de ioga, frequentadores de mostras de cinema, etc., etc.
DESCEU À MANSÃO DOS MORTOS, ETC., ETC. Revejo Filme demência, Carlos Reichenbach, 1986. O mergulho na madrugada empreendido pelo personagem do Ênio Gonçalves, dono de uma fábrica de cigarros que faliu, é análogo às incursões pela madrugada de Tom Cruise em Eyes wide shut e de Griffin Dunne em After hours, incursões que remetem ao arquétipo de descida aos infernos. As mulheres no filme, exceto uma menina lá que é uma alegoria de elevação espiritual, são todas umas harpias ninfomaníacas (v. Agosto, Rubem Fonseca), umas piores, outras menos piores – Imara Reis (gostosíssima, aliás), a esposa que pede o divórcio quando o cara quebra, Alvamar Taddei, a piranha profissional mancomunada com achacadores, umas outras lá, uma ex-amante e uma garota para quem ele dá carona, essas depravadas sem maiores ambições, senão a de manter a vida e suas substâncias no nível mais pedestre possível. Sou apaixonado por esse filme e nunca vou me cansar de revê-lo.
EXU CADEIRA E AS POLTRONAS AMESTRADAS O único cara de banda realmente gente fina com quem tive oportunidade de conversar foi o Falcão, dos Excomungados. Lá por 1990 ele dava aula de História no Colégio Avanço, na Rua Santa Justina (equivalente paulistano do Pinheirão, Hilário de Gouveia, Copacabana). Falcão era uma figura realmente punk, meio parecido com o Didi Mocó, com vários dentes faltando, falando de marxismo de maneira muito séria, sem qualquer traço da histeria lacradora que poucos anos depois, sabe-se lá por que, dominou a militância de esquerda. Gostei dele. Passo décadas sem me lembrar do Falcão até que ontem me lembro. Vou procurar no YouTube a música dos Excomungados que fala do acidente da Union Carbide em Bhopal, Índia, 1984, Union Carbide dá amostra grátis pra dois mil na Índia. Vejo que a banda lançou um disco em 1990 e que lá estão todos seus greatest hits, Union Carbide, Vida de operário, Louco é você que tá querendo me internar, etc., etc. São bem engraçadas as letras. E Falcão canta com aquela voz de Exu sendo exorcizado pelo missionário Davi Miranda, que é a mesma voz do cara do Olho Seco, você devia de proibir a migração do povão (ops!), que pelo jeito é o jeito paulistano punk de cantar, Ed Sullivan e Massadas apresenta, Exu Cadeira e as Poltronas Amestradas.
PIADAS DO SÉCULO PASSADO Aquela lá que o Costinha conta do português da quitanda que diz pras duas bichinhas que ele só vende três bananas, etc., etc.
12/12/2025