ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

OPERAÇÃO SHYLOCK É um romance de Philip Roth lançado nos anos 1990. Comprei meu exemplar num sebo em 2001 e o li na ocasião. (Emprestei-o para uma quase namorada, judia sefaradita, em 2006, e a moça não me devolveu.) O personagem principal de Operação Shylock é um sósia perfeito de Philip Roth que, fazendo se passar por Roth, andava pregando em Israel o diasporismo, a volta dos judeus para a Europa. Numa cena particularmente hilária, o falso Roth diz para o verdadeiro que os poloneses iriam chorar de alegria quando os judeus começassem a chegar de trem à Polônia. Ajoelhados na plataforma da estação, bradariam eufóricos, “os nossos judeus voltaram!”. Outro personagem curioso é um judeu ortodoxo, obeso e sórdido como um Nero de Cecil B. de Mille, que trabalhava como advogado em Ramallah para palestinos acusados de crimes contra a segurança do estado israelense. Ao questionar o porquê daquela situação inusitada, Roth fica sabendo que os palestinos só confiavam em advogados judeus, sujeitos que, se quisessem, foderiam de vez com a vida deles. Etc., etc.

O CEMITÉRIO DE PRAGA É um romance de Umberto Eco, acho que o último dele, que conta a história (ficcional) do falsário que forjou Os protocolos dos sábios do Sião. Os protocolos etc. é a suposta ata de uma reunião de rabinos feita na calada da noite no Cemitério Judaico de Praga em que se decidiu o modo como os judeus dominariam o mundo, as finanças, etc. Serviu para botar lenha na fornalha do antissemitismo no século XX, apesar de ser comprovadamente falso. (Tem uma história mais curiosa sobre rabinos reunidos à noite em cemitérios. Em 2005 foi noticiado que um grupo de rabinos havia se reunido à noite num cemitério no norte de Israel para praticar um ritual de magia negra chamado pulsa denura, pedindo a morte do então primeiro-ministro Ariel Sharon, que havia decidido pela retirada israelense de Gaza. Yo no creo en brujas, pero pouco tempo depois Sharon teve um AVC e ficou em estado vegetativo por oito anos, até que morreu, em 2014.)

É ISTO UM HOMEM? Primo Levi dividindo a cama com um sujeito em Auschwitz, o sujeito vai fazer as necessidades, volta com os pés sujos de fezes, se deita na cama, Levi tem de dormir com os pés do sujeito perto de sua cara, etc. 

AS LOUCAS AVENTURAS DE RABBI JACOB É uma comédia francesa de 1973 protagonizada por Louis de Funès. Funès faz um francês meio esquentado, meio xenófobo, meio antissemita, que numa peripécia maluca típica de certas comédias acaba tendo de empreender uma fuga disfarçado de rabino. (Para os nervosinhos lacradores de plantão já adianto que o filme tem até black face, numa cena em que Funès mostra-se indignado ao ver um casamento inter-racial e o escapamento de um carro joga um monte de fuligem no rosto dele.) O que é delicioso nesse filme é que tudo – judeus, árabes, negros, franceses xenófobos,  etc. – se acomoda num grande, irônico e espetacular rito de integração final.

ISAAC BABEL Antes de ter um caso com uma mulher casada com um figurão da NKVD e acabar sendo expurgado-fuzilado a mando de Stalin, Isaac Babel escreveu um monte contos extraordinários, boa parte deles descrevendo a vida dos judeus no semigueto que então era Odessa. Destaque para o fantástico Benya Krik, espécie de Don Corleone asquenazi, herói e anti-herói, ambíguo e cheio de gradações de cinza, porque preto-ou-branco é coisa de Greta Thunberg, que pelo jeito vai ganhar o Prêmio Wandinha Adams de azedume pelo décimo ano consecutivo.

SAUL BELLOW Inesquecível o velho Arthur Sammler, sobrevivente do holocausto, etc.,  estalqueando um dândi afroamericano – casaco de couro de camelo, óculos redondos Christian Dior com lentes violeta, etc. – que batia carteiras num ônibus no Brooklyn, Nova York. O dândi, quando percebe, segue Art, o encurrala num beco, abaixa as calças e lhe mostra algo digno de concorrer com John Holmes e Long Dong Silver. Vita brevis, ars longa.  

Etc., etc.

 

16/11/2023