ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

MEIA-NOITE E VINTE E QUATRO, DIA 16 DE NOVEMBRO DE 1978 Na sala de estar de uma casa na Rua Vitorino Carmilo, Barra Funda. (Ou na Rua Carla, Itaim-Bibi.) Estou deitado no sofá, abraçado a uma almofada, ainda vestido (jeans US Top), meus tênis Adidas Viena no chão, ao alcance da perscrutadora ponta de meu pé direito. A mesa de centro da sala tem alguns números de Manchete, sob os quais deixei uma Status (Lívia Mund, etc.). Há um cinzeiro vazio, de plástico, perto do qual há um maço de Luiz XV com quatro cigarros e um isqueiro Cricket. Ao lado do cinzeiro há um carnê a ser pago no Banco Geral do Comércio e cinco notas de cem cruzeiros (Floriano Peixoto) presas com um clipe. A TV está na Globo, canal cinco, e mostra agora a vinheta da Coruja Colorida, a música de John Cacavas (pastiche de romantismo tardio), estrelas girando, meia lua, etc. Sei que há na garagem aqui de casa um Opala Especial 1973, amarelo. (Ou um Fiat 147, azul, parado na rua, porque essa casa, na Rua Carla, Itaim-Bibi, não tem garagem.) Sei que daqui a pouco vou ouvir o apito do vigia noturno, o Paraná (ou Múmia Paralítica). E mais tarde, se eu ainda estiver acordado, a Kombi da entrega de jornais.

PERCURSOS Corro pela Nove de Julho do Itaim até o Joelma (seis quilômetros e uns quebrados) num pace de mais ou menos sete. Entro na Rua Santo Antônio (v. “Bichos saem dos lixos”, Titãs) e atravesso-a inteira. Sigo pela Almirante Marques de Leão e chego à Alameda Ribeirão Preto, depois Joaquim Eugênio de Lima, Paulista e Brigadeiro Luiz Antônio.

CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVIAM TER EXISTIDO Kathy Valentine, em agosto de 1984. Kathy era/é a baixista das Go-Go’s (v. Vai-Vai, a escola de samba do Robby Krieger). As Go-Go’s eram todas umas graças, mas bonita mesmo ali só a Kathy. (Pesquiso e vejo que a Belinda Carlisle, cantora da banda, foi a capa da Playboy em julho de 2001.)

O SOFÁ DO SÍLVIO SANTOS E aí, a comunidade já liberou o acesso ao túmulo do Senor Abravanel? O povão deve estar na maior fissura pra ir lá fazer pedidos, botar bilhetinhos e colar plaquinhas, “Agradeço ao Sílvio Santos pela graça alcançada”, etc. (Na Mad que parodiou Tubarão aparecia na parte de trás de um biquíni a frase sou fã do Sílvio Santos. Como eu ainda não lia direito, 1977, acabei lendo sofá do Sílvio Santos. Ri muito, aos seis anos, imaginando o Sílvio sentando no traseiro da moça, etc.)

AGAMENON Descubro, com mais de um ano de atraso, que a Crusoé parou de publicar a coluna do Agamenon Mendes Pedreira. Que agora deve estar curtindo sua aposentadoria a bordo do Monza 88 enferrujado estacionado na Rua da Amargura. (Talvez o Agamenon esteja fazendo Airbnb com o banco de trás do Monza, onde talvez esteja agora hospedado o Voltaire de Souza.)

 

(Descubro que Voltaire de Souza está sendo publicado em Poder 360. Não sei quem está escrevendo, mas os textos andam bem ruins. Como já dizia o tio Rolf, tudo no comunismo vira uma bosta, etc.)

TITÃS Preparo arroz, feijão e acém moído para a Olívia ouvindo o Tudo ao mesmo tempo agora, álbum dos Titãs de 1991. Gosto muito desse álbum. O empresário Manoel Poladian disse numa entrevista razoavelmente recente que os Titãs faliram quando arriscaram uma autogestão acompanhada de discos pouco comerciais como esse e Titanomaquia, de 1994. Diz também o Poladian que foi o Marcelo Fromer quem fez os Titãs voltarem a ser uma empresa lucrativa, quando convenceu os colegas de banda a deixarem de lado a radicalidade artística e virarem fazedores de musiquinhas de palestra motivacional, é preciso saber viver, devia ter amado mais, etc. (Diz ele que o Fromer costumava dizer, talvez meio de gozação, que ele não gostava de tocar, mas de ganhar dinheiro).

 

Etc., etc. 

 

12/03/2025