Isso foi quando? Eu diria que anos 1990, no máximo início dos 2000. Uma crônica do Marcelo Rubens Paiva em que ele dizia se sentir um zé-ninguém perto dos Titãs. Em outras palavras, que o que ele mais queria na vida era ter tido a sorte de ter vindo a ser um titã. Que, vá lá, naquela altura dos fatos ele, Paiva, filho de Rubens e Eunice, se daria por contente de ir bater um pandeirinho com Paulo Miklos, Branco Mello e tutti quanti, ainda que com o rosto coberto por uma máscara (sim, pode ser a máscara carnavalesca da Fernandinha Bochechas Eróticas). Descontados os exageros e as hipérboles comuns em textos ficcionais (crônica não deixa de ser ficção), acredito que a inveja de Paiva era real. Os Titãs, para a minha geração, eram como aqueles primos que se dão absurdamente bem na vida enquanto você, bem, você vai levando, de mediocridade em mediocridade (diploma de administração da FMU, inglês intermediário, apartamento financiado em vinte e cinco anos, etc.). É isso aí, bróder. O titã come a Malu Mader (ou a Ângela Figueiredo) enquanto você, eu e o Marcelo Rubens Paiva comemos o pão que o belzebu amassou. (Alguém me contou que viu uma vez o Paiva de madrugada num Burger King xavecando umas barangas, Palácio do Jaburu total, etc.)
Mas também não nos deixemos levar por esse igualitarismo ilusório. Marcelo Rubens Paiva, a despeito da inveja assumida (procurem o conto do Rubem Fonseca que fala sobre o iate maior, etc.) e do xaveco nas barangas, é também, à sua maneira, um daqueles primos que se deram muito bem na vida. Feliz ano velho foi lançado há quarenta e três anos e vende até hoje. O que sobrou das coisas que você fazia quarenta e três anos atrás? Hem? Hem? Pra mim sobrou um adesivo da Fuji Film que grudei numa gaveta e que, espantosamente, continua lá. Só isso.
Isso posto (ou seja, já que estou tratando minhas próprias invejas e rancores e ressentimentos sem muita cerimônia), que tal eu especular se preferia ter sido um titã ou um Marcelo Rubens Paiva?
Lembrei-me outro dia, a bordo do Pinheiros 477A-10 descendo a Brigadeiro, que já vi os Titãs ao vivo. Foi em 1988, no Fico (Festival Interno do Colégio Objetivo), Ginásio do Ibirapuera. Conheci a banda mais ou menos na mesma época que todo mundo, 1984, Sonífera ilha, etc. Era colega de escola, quase amigo, de um primo do Sérgio Britto, o Eduardo Britto. Ele falava da banda do primo, Os Titãs, etc. Talvez eu tenha parado pra prestar atenção em Sonífera Ilha da Fantasia (Tattoo e senhor Roarke chapados de Rivotril, etc.) por causa desse colega. É possível. Evocando agora meus sentimentos pretéritos, nunca senti inveja dos Titãs. Sim, sempre achei legal, um monte de músicas (Dona Nenê, Toda cor, Babi índio, Pavimentação, Autonomia, Tô cansado, etc.), mas pra mim tranquilo participar dos Titãs como mero ouvinte. Uma época até me encheu o saco as poses deles, coreografias, cacoetes, etc. O Marcelo Rubens Paiva, meus sentimentos em relação a ele são/foram um pouco mais complexos. Por um lado, um cara que quero ser assim quando eu crescer. Bonito, charmoso, escritor outsider, entre aspas. (Sim, eu já quis ser escritor. Essa fantasia começou quando vi o Paiva numa entrevista pela primeira vez, acho que a Paula Dip entrevistando, 1988.) Por outro lado, o Paiva é aquele cara cuja simples/mera presença esfrega na sua cara que você nunca vai ter sequer uma fração do charme dele, que você nunca vai ser amado pelas mulheres um centésimo do que ele é, etc. (Será que é um lance comunista dele, dividir igualitariamente, justiça histórica, etc., aquilo de dar moral para as moradoras do Palácio dos Jaburus?)
E aí, o que eu preferia, estar com dezessete anos e ter uma vida inteira pela frente como um titã ou como Marcelo Rubens Paiva? Bem, se eu tivesse dezessete anos, num 1988 hipotético, acho que não teria dificuldade para escolher. Em última análise jogaria cara ou coroa. O que saísse estaria ótimo. Com cinquenta e quatro, e com o senso de que, a despeito da diferença dos caminhos trilhados, estamos todos indo para o mesmo buraco (todos sendo dissolvidos pela mesma entropia), pra mim é indiferente. De certa forma até prefiro ser eu mesmo, pois devo estar mais familiarizado com os declínios do que esses bobalhões todos. Sim, familiarizado com os declínios e os fracassos como um personagem de Walter Hugo Khouri (v. Paulo José em As amorosas falando para a Aneci Rocha que estamos todos destinados ao oblívio eterno, etc.) Sim, um personagem do Khouri. Que baita sorte a minha.
14/03/2025