TEM FOGO? A festa Tem fogo?, realizada no Edifício Joelma no último sábado, foi um sucesso! Compareceram grandes figuras do jet set defuntício (mortos eppur si muove), tais como Ibrahim Sued, o guitarrista húngaro Gábor Szabó e o ator Victor Buono, que ficou famoso por fazer o Rei Tut na série de TV Batman. Buono, obeso mórbido, morreu na madrugada de 1 de janeiro de 1982 depois de se encher de comida na ceia de réveillon. Quer dizer que essa rolha de poço comeu até estourar?, disse o meu amigo Júlio Barroso ou Julinho Safardana, o dono do túmulo mais brega do Brasil, ao ser apresentado a Buono. Os números musicais foram vários, com destaque para a apresentação do Joelho de Porco (Tico Terpins, morto em 1998, e Zé Rodrix, morto em 2009). A única decepção da noite foi o não comparecimento da Neusinha Brizola (morta em 2011), que recebeu o convite, mas achou que a festa era mintchura.
CHANEL COMEU MERDA NA CARROÇA DE FRANCISCO CUOCO Morreu Francisco Cuoco e só dois famosos foram ao velório, Otávio Mesquita e Fúlvio Stefanini. Cuoco estava cancelado? Hoje em dia nunca se sabe, etc., etc. A morte de Carlão em Pecado capital, 1975, foi a primeira experiência trágica, via ficcional, de quem era criança na época. Lembro-me de um primo esguichando lágrimas como se fosse um hidrante e xingando, Sandoval filho da puta! (Eu também fiquei com vontade de chorar, mas não chorei.) A coisa, a morte, etc., mexeu com o senso de orfandade da garotada. Carlão-Cuoco, apesar de ser um malandreco de subúrbio, como disse meu brother Carlos, parecia nosso irmão mais velho, ou um tio legal.
CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM PORQUE O PAPAI NÃO DEIXOU Neusinha Brizola, em algum momento de 1983. As fotos foram feitas, estava tudo certo pra revista sair, mas o então governador Leonel Brizola, seu pai, deu um jeito pra melar a publicação. Parece que alegou uma razão estética, dizendo que a filha era um jaburu e que ver a moça sem roupa poderia fazer os leitores da Playboy desmaiarem ou terem convulsões. Neusinha estava longe de ser um jaburu. O.k., não era linda, mas era perfeitamente pegável. Curioso pra saber o que aconteceu com essas fotos. Leonel Brizola ficou com os negativos? Ou eles continuam com o fotógrafo, passados quarenta e dois anos?
OUVINDO Voltando a Nova Iguaçu, de Neusinha Brizola (versão de Back in the USSR, dos Beatles), peguei um circular lá na Avenida Brasil, quase que não chegava mais, o rango que eu fiz estava caindo mal, quase que me fez vomitar, voltando a Nova Iguaçu, você é um cara de sorte, xará.
A VINGANÇA DO FUDEU O segundo-ministro de Israel e terceiro-ministro de São Tomé das Letras do Alfabeto Hebraico, Idi Amin Netanyahu, vulgo benjamin de tomada, mostrou que continua o mesmo mineiro de sempre. Como bom mineirinho, Benjamin comandou de cima do muro de arrimo das lamentações o ataque à fábrica de chá de cogumelos atômicos do Irã. Agora os malucos que vão a São Tomé, na falta do pão de chá de cogumelo, terão de se contentar com os brioches kosher psicodélicos, sim, uns brioches kosher que o diabo amassou, famosa receita da culinária local criada pela segunda-terceira dama de Israel, a rainha consorte sem sorte Maria Antonieta Netanyahu.
PATO DONALD TRUMP DÁ TIRO NO PRÓPRIO PÉ DE PATO O nadador e zé-ninguém Pato Donald Trump foi pego no pré-doping no campeonato de nado-nada em piscina vazia enquanto dava uns tirinhos num pozinho branco esticado sobre um pé de pato. A federação de nadadores, nadas e coisas-nenhumas decidiu que como punição Trump terá de cheirar as duzentas e cinquenta páginas da biografia de Walter Casagrande e Senzala e depois fazer uma chamada oral e anal sem preservativo.
Etc., etc.
24/06/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
O ITAIM-BIBI E SUAS ASSOMBRAÇÕES Romeu Boca de Caçarola, bedel do Gracinha. Ex-goleiro do Araraquara F. C., clube de várzea do Itaim-Bibi. Morreu em 1983. Sujeito casca grossa. Heavy smoker, ou seja, fumava pra cacete. (Assim como fumavam pra cacete o servente Zezinho e a servente N. Safada.) À sua maneira – casca grossa, etc. –, Romeu não deixava de ser um guardião do cumpra-se das gramáticas do pertencimento que regiam aquela escola (de um dia para o outro uma pessoa que até então tinha sido legal contigo te virava a cara, sem explicação, isso porque você havia infringido alguma regra não explicitada da tal da gramática do pertencimento, etc.).
A PROPÓSITO DO HUMORISTA CONDENADO A PRISÃO Humor era aquela coisa antiiiiga à beça em que um de nós (Costinha, etc.) era autorizado a dizer o indizível, num pacto simbólico. É isso aí, bróders and sisters. O futuro já chegou! E parece que perdemos de vez, como civilização, a capacidade de sublimar nosso fundo de barbárie (sim, a nossa barbárie, pessoal e intransferível: a minha, a sua, etc.) com inteligência. Sobrou só o veto bruto.
OUVIDORIA Morton Feldman, Piano three hands, 1957.
MEMÓRIA Maria Três Pernas, fotomontagem publicada na revista Internacional, em 1982, de um suposto travesti com quase cinquenta centímetros de comprimento.
NA PANDEMIA Estou numa sala de espera na Faria Lima, num nono andar, olhando a janela. A máscara N95 pressiona meu rosto. Vejo as ruínas da Casa 92. Lembro que fui a uma festa nesse lugar em 2014.
EM ALGUM LIVRO DA FERNANDA YOUNG, NÃO ME LEMBRO QUAL Uma cena em que uma mulher se exercita sozinha numa academia de balé sabendo que está sendo observada voyeuristicamente por um homem que trabalha no consulado polonês.
TEM FOGO? Outra do Julinho Safardana, née Júlio Barroso da Gang 90: ele vai até o Edifício Joelma, aborda alguém perguntando, tem fogo?, cigarro pendurado nos lábios, então desaparece. As pessoas, que já transitam pelo prédio sugestionadas, acham que acabaram de ver alguém que morreu no incêndio. Eu disse que poderíamos bolar uma festa no Joelma com esse título, Tem fogo?, no flyer a gente botaria a foto de alguma loirona vintage acendendo um cigarro, uma coisa meio capa de disco dos Smiths. Não, disse o Julinho, vai ficar mais legal se a gente botar no flyer uma foto do Niki Lauda em Nürburgring. Ou do Zeppelin pegando fogo. Sugeri então que a gente fizesse um flyer com o Teixeirinha, churrasco de mãe, etc.
JAZZ Já contei, mas conto de novo (v. As coisas ditas uma vez só é como se não tivessem sido ditas, Nelson Rodrigues). Eu, meus irmãos e meus primos estávamos brincando num carro. Meu primo Christian pegou uma fita no porta-luvas e botou pra tocar. Na fita estava escrito jazz. Começamos a achar engraçada aquela música com uma cantora que ficava cantando doo-doo-bee-doo-wah o tempo todo. A impressão de hilaridade foi ficando cada vez mais forte, até que passamos a ter impulsos destrutivos em relação ao interior do carro, pular, jogar o corpo pra frente e pra trás, dar cotoveladas nos bancos, etc. (Theodor W. Adorno chamando os ouvintes de jazz de jitterbugs em O fetichismo na música e a regressão da audição).
PIADAS DO SÉCULO PASSADO Aquela que o Costinha faz o diálogo entre dois homossexuais caricatos, nossa!, você não sabe o que me aconteceu, estou fe-li-cís-si-ma!, hem?, o que me aconteceu?, tomei Doril, meu pinto caiu.
Etc., etc.
18/06/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
EPPUR SI MUOVE Estou indo com o Julinho Safardana ao Cemitério da Quarta Parada buscar o Jacinto Figueira Jr., o Homem do Sapato Branco. Jacinto continua na mesma pindaíba em que estava quando vivo e descolamos um bico pra ele fazer. Ele será hostess da festa que estamos bolando, Cliente morto não paga, mas não entra. Etc., etc. A pindaíba do Jacinto piorou com a concessão dos cemitérios municipais a empresas privadas, o condomínio aumentou muito, a Cortel já ameaçou despejá-lo do túmulo se ele não pagar os atrasados. Eu disse pra ele mandar a Cortel se foder, se quiserem despejar que despejem, de repente a gente até tira uma grana disso, a gente bola uma reportagem fajuta dizendo que seus ossos, depois de serem exumados e guardados de qualquer jeito pela administração, foram roubados e usados num trabalho de quimbanda feito pra deixar a cantora Aracy de Almeida irreversivelmente broxa (v. “Aracy de Almeida confessa, ‘Meu pau anda mais mole que mamão batido’”). Passamos por um carro de polícia na Avenida Salim Farah Maluf, o Julinho abre a janela e diz, aê, seus filhos da puta, tô com monte de maconha aqui no bolso, não querem vir aqui me revistar, não? Apesar de sermos fantasmas (morri em 2007, Julinho Safardana morreu em 1984), cismo que os policiais vão vir atrás de nós, sim, e se esses gambés também forem mortos-vivos, que foram dar um rolê de barca pra lembrar dos bons e velhos tempos em que o Erasmo Dias era secretário de segurança pública? Olho para o retrovisor e quem eu vejo? Rá, rai! O próprio, o meu amigo Erasmo Dias com a metranca lata de goiabada em punho ordenando que a gente pare. Paro o carro e penso, puta que pariu. Erasmo Dias desce do carro de polícia e vem vindo, vem vindo e se aproxima de nós e desço o vidro e digo, pois não? Então Erasmo Dias se transforma no Itamar Assumpção e ele e o Julinho fazem a maior festa um para o outro e o Julinho diz que na verdade não está com maconha nenhuma e o Itamar Franco diz que conhece um sujeito ali no Quarta Parada que provavelmente tem, o Josefel Fumeta, famoso traficante do Brás, morto em 1977, e entramos juntos no cemitério e eles vão procurar o túmulo do tal do Josefel Fumeta e eu vou até o túmulo do Homem do Sapato Branco.
Etc, etc.
EDITH PIFADA Edith Piaf parecia um papagaio encatarrado quando cantava. Nunca entendi seu apelo. Ou melhor, entendi, sim. Por trás do sucesso de Edith estava aquele elemento kitsch da mentalidade populista (de esquerda e de direita) que opera a partir de substâncias como a voz dos oprimidos, a pureza do povo, etc. Violeta Parra e Mercedes Sosa são variações sobre o mesmo tema.
UGA-UGA Acho a tal da questão indígena, dentre outras coisas, um tédio. Quanto ao conteúdo em si, é deplorável. A esquerda só de olho no capital simbólico que lhe traz defender os índios, a direita só de olho no nióbio da vizinha (bem taradinha essa direita) e os índios jogando com uma malícia digna de homem branco o quem der mais, leva (v. “No one is innocent”, Sex Pistols feat. Ronald Biggs). Eu acho que os índios só se salvarão quando algum deles sair da taba e escrever um Portnoy’s complaint, eu não sou índio coisa nenhuma, sou um ser humano, e estou cansado de conversinha de pajé, de gente de ONG e de indianistas, esses farsantes pomposos todos.
ONTOLOGIA O que entrou na esfera do ser não pode voltar ao nada. Na eternidade teremos a posse plena e simultânea de todos nossos momentos. “Vós sois deuses.” Etc., etc.
CAPAS DA PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Sônia Burnier, em dezembro de 1979. Se vocês forem procurar coisas na internet sobre a Sônia Burnier (ou Bonfá) fatalmente vão ver um clipe do Fantástico de 1978 em que ela canta Te contei? Louraça belzebu toda glossy e cheia de presença, sei lá por que acabou virando one hit wonder.
PIADAS DO SÉCULO PASSADO Viu que o Ritchie morreu? É, comeu a menina veneno. Viu que o Cazuza tá surdo? É, Jesus chama, chama ele, só que ele não escuta.
07/06/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
EPPUR SI MUOVE Estou numa festa na Galeria Metrópole. A festa ocorre sobretudo no cinema, que está fechado há não sei quantos anos, mas se espalha para fora dele (pessoas que saem para fumar, etc.). Passam de duas da manhã. Observo uma mulher alta e elegante, com pinta de quem morreu em algum acidente aéreo (jatinho particular, etc.) na primeira metade dos anos oitenta. Ela acende um Gauloises Caporal com um isqueiro Zippo em aço escovado sem nada escrito. Vendo-a penso em voltar a fumar, estamos todos mortos (mortos eppur si muove), não tem mais doutor Dráusio Varella ou pneumologista ou oncologista pra encher o saco. Digo pra altona tomar cuidado pra não ter uma overdose de nicotina, Gauloise Caporal sem filtro, etc. Ela sorri, convidativa, emenda o sorriso numa risada e diz que antigamente fumava Ella, Charm, Galaxy Slims, essas coisas, mas que de uns tempos pra cá começou com o Gauloises, o cigarro que um tio seu, monegasco, fumava. De dentro da festa começa a tocar I ran, A Flock of Seagulls, e deduzo que a mulher nasceu em 1937 e morreu em 1980, 81, ou seja, tem 43, 44 anos, e que ela dirige um Mercedes SL 350 ano 1974 e que sairemos da festa juntos e que iremos para um apartamento de 400 m2 na Rua Haddock Lobo e que haverá bons quadros na parede desse apartamento e que falaremos de Mark Rothko e da radiância que parece emanar de suas telas enquanto tirarmos as roupas, etc. Então o Julinho Safardana aparece e eu noto que ele já bebeu além do limite e penso que se não o controlar daqui a pouco ele vai fazer alguma merda. Ele pede um cigarro do Sartre pra altona-elegante e diz que acabou de ver o Bolinha e a Telma Lip lá dentro da festa e pergunta pra altona se não foi ela que uma vez pegou o Nelson Ned no colo lá no Gallery e ficou brincando com ele de serra-serra-serrador. Decido fumar e vou até o sujeito que vende cigarro, um magricelo só de barba que minha mãe diria ter cara de tísico, e vejo as marcas de cigarro à venda, Continental, Advance, Minister, Marlboro, John Player Special, compro um Marlboro e fósforos e acendo e dou a primeira tragada e sinto-me encharcado de dopamina e penso, como é bom estar vivo-morto e poder fazer coisas como fumar e conversar com mulheres altas e elegantes e ter indefinidamente trinta e seis anos (morri em 2007, etc.). Volto ao Julinho e à mulher (túmulo no Cemitério do Morumby, tem toda pinta) e eles estão debatendo por quanto dinheiro topariam ver o Bolinha e a Telma Lip transando (o Bolinha come a Telma Lip ou a Telma Lip come o Bolinha?), o Julinho diz que nem por dez mil dólares toparia e a altona diz que, pensando bem, até que deve ser uma experiência válida ver o Bolinha e a Telma Lip, etc. O Antonio Marcos passa por nós e dá um hello pro Julinho e já sei que quando ele voltar a falar com a altona ele vai explicar que ele é o Júlio Barroso da Gang 90 e que acabou conhecendo muita gente no meio musical por causa disso e vai falar que o Antonio Marcos vinha defecando o fígado antes de morrer, tal era o estado avançado de sua cirrose, e dou uma piscada pra ela e faço com a cabeça um gesto sutil de vamos embora? e ela faz com a cabeça um gesto sutil de o.k. e logo saímos e o manobrista traz seu carro, um Alfa Romeo 2300, e ela me pergunta pra onde eu quero que ela me leve e eu respondo, você decide, e ela diz, o.k.
I RAN São três horas da madrugada e saio para correr. A temperatura está em onze graus. Subo a Pedroso Alvarenga, o Vaca Veia, o prédio onde ficava a Escola Amoreco (as tias lésbicas e sádicas que puniam os meninos que faziam xixi nas calças dando banho deles com a porta do banheiro aberta e fazendo-os vestir calcinha), a igreja da Valda, etc. Chego à Avenida São Gabriel e observo o estacionamento onde antigamente existia o Urso Branco e entro numa ruazinha por ali, depois na Groenlândia, depois na Rua Veneza, depois na Alameda Campinas. Atravesso a Paulista, avisto o Maksoud Plaza, dou o primeiro gole no meu Clight com cloreto de sódio, cloreto de potássio e sulfato de magnésio, imagino que se eu encontrasse agora o fantasma do Layne Staley (Alice in Chains), hóspede do Maksoud, eu iria pedir um autógrafo pra ele. Sigo pela Cincinato Braga e desço a Joaquim Eugênio de Lima tentando ignorar o fato de que meu tendão de Aquiles direito está começando a doer, que apesar de estar me sentindo aquecido por causa da frequência cardíaca alta eu sei que a superfície de suor sobre minha pele está gelada, que se eu quebrar não trouxe celular pra chamar Uber, etc. Desço a Rua dos Franceses e entro na Conselheiro Carrão e sigo por ela até a Conselheiro Ramalho e passo em frente ao Madame e viro na Rua Fortaleza e viro numa outra rua cujo nome eu sempre esqueço e começo a voltar ao Itaim.
01/06/2025