ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

O ITAIM-BIBI E SUAS ASSOMBRAÇÕES Romeu Boca de Caçarola, bedel do Gracinha. Ex-goleiro do Araraquara F. C., clube de várzea do Itaim-Bibi. Morreu em 1983. Sujeito casca grossa. Heavy smoker, ou seja, fumava pra cacete. (Assim como fumavam pra cacete o servente Zezinho e a servente N. Safada.) À sua maneira – casca grossa, etc. –, Romeu não deixava de ser um guardião do cumpra-se das gramáticas do pertencimento que regiam aquela escola (de um dia para o outro uma pessoa que até então tinha sido legal contigo te virava a cara, sem explicação, isso porque você havia infringido alguma regra não explicitada da tal da gramática do pertencimento, etc.).

A PROPÓSITO DO HUMORISTA CONDENADO A PRISÃO Humor era aquela coisa antiiiiga à beça em que um de nós (Costinha, etc.) era autorizado a dizer o indizível, num pacto simbólico. É isso aí, bróders and sisters. O futuro já chegou! E parece que perdemos de vez, como civilização, a capacidade de sublimar nosso fundo de barbárie (sim, a nossa barbárie, pessoal e intransferível: a minha, a sua, etc.) com inteligência. Sobrou só o veto bruto. 

OUVIDORIA Morton Feldman, Piano three hands, 1957.

MEMÓRIA Maria Três Pernas, fotomontagem publicada na revista Internacional, em 1982, de um suposto travesti com quase cinquenta centímetros de comprimento.

NA PANDEMIA Estou numa sala de espera na Faria Lima, num nono andar, olhando a janela. A máscara N95 pressiona meu rosto. Vejo as ruínas da Casa 92. Lembro que fui a uma festa nesse lugar em 2014.

EM ALGUM LIVRO DA FERNANDA YOUNG, NÃO ME LEMBRO QUAL Uma cena em que uma mulher se exercita sozinha numa academia de balé sabendo que está sendo observada voyeuristicamente por um homem que trabalha no consulado polonês.

TEM FOGO? Outra do Julinho Safardana, née Júlio Barroso da Gang 90: ele vai até o Edifício Joelma, aborda alguém perguntando, tem fogo?, cigarro pendurado nos lábios, então desaparece. As pessoas, que já transitam pelo prédio sugestionadas, acham que acabaram de ver alguém que morreu no incêndio. Eu disse que poderíamos bolar uma festa no Joelma com esse título, Tem fogo?, no flyer a gente botaria a foto de alguma loirona vintage acendendo um cigarro, uma coisa meio capa de disco dos Smiths. Não, disse o Julinho, vai ficar mais legal se a gente botar no flyer uma foto do Niki Lauda em Nürburgring. Ou do Zeppelin pegando fogo. Sugeri então que a gente fizesse um flyer com o Teixeirinha, churrasco de mãe, etc.    

JAZZ Já contei, mas conto de novo (v. As coisas ditas uma vez só é como se não tivessem sido ditas, Nelson Rodrigues). Eu, meus irmãos e meus primos estávamos brincando num carro. Meu primo Christian pegou uma fita no porta-luvas e botou pra tocar. Na fita estava escrito jazz. Começamos a achar engraçada aquela música com uma cantora que ficava cantando doo-doo-bee-doo-wah o tempo todo. A impressão de hilaridade foi ficando cada vez mais forte, até que passamos a ter impulsos destrutivos em relação ao interior do carro, pular, jogar o corpo pra frente e pra trás, dar cotoveladas nos bancos, etc. (Theodor W. Adorno chamando os ouvintes de jazz de jitterbugs em O fetichismo na música e a regressão da audição). 

PIADAS DO SÉCULO PASSADO Aquela que o Costinha faz o diálogo entre dois homossexuais caricatos, nossa!, você não sabe o que me aconteceu, estou fe-li-cís-si-ma!, hem?, o que me aconteceu?, tomei Doril, meu pinto caiu.

Etc., etc.

18/06/2025