ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

EPPUR SI MUOVE Estou indo com o Julinho Safardana ao Cemitério da Quarta Parada buscar o Jacinto Figueira Jr., o Homem do Sapato Branco. Jacinto continua na mesma pindaíba em que estava quando vivo e descolamos um bico pra ele fazer. Ele será hostess da festa que estamos bolando, Cliente morto não paga, mas não entra. Etc., etc. A pindaíba do Jacinto piorou com a concessão dos cemitérios municipais a empresas privadas, o condomínio aumentou muito, a Cortel já ameaçou despejá-lo do túmulo se ele não pagar os atrasados. Eu disse pra ele mandar a Cortel se foder, se quiserem despejar que despejem, de repente a gente até tira uma grana disso, a gente bola uma reportagem fajuta dizendo que seus ossos, depois de serem exumados e guardados de qualquer jeito pela administração, foram roubados e usados num trabalho de quimbanda feito pra deixar a cantora Aracy de Almeida irreversivelmente broxa (v. “Aracy de Almeida confessa, ‘Meu pau anda mais mole que mamão batido’”). Passamos por um carro de polícia na Avenida Salim Farah Maluf, o Julinho abre a janela e diz, aê, seus filhos da puta, tô com monte de maconha aqui no bolso, não querem vir aqui me revistar, não? Apesar de sermos fantasmas (morri em 2007, Julinho Safardana morreu em 1984), cismo que os policiais vão vir atrás de nós, sim, e se esses gambés também forem mortos-vivos, que foram dar um rolê de barca pra lembrar dos bons e velhos tempos em que o Erasmo Dias era secretário de segurança pública? Olho para o retrovisor e quem eu vejo? Rá, rai! O próprio, o meu amigo Erasmo Dias com a metranca lata de goiabada em punho ordenando que a gente pare. Paro o carro e penso, puta que pariu. Erasmo Dias desce do carro de polícia e vem vindo, vem vindo e se aproxima de nós e desço o vidro e digo, pois não? Então Erasmo Dias se transforma no Itamar Assumpção e ele e o Julinho fazem a maior festa um para o outro e o Julinho diz que na verdade não está com maconha nenhuma e o Itamar Franco diz que conhece um sujeito ali no Quarta Parada que provavelmente tem, o Josefel Fumeta, famoso traficante do Brás, morto em 1977, e entramos juntos no cemitério e eles vão procurar o túmulo do tal do Josefel Fumeta e eu vou até o túmulo do Homem do Sapato Branco. 

Etc, etc.

EDITH PIFADA Edith Piaf parecia um papagaio encatarrado quando cantava. Nunca entendi seu apelo. Ou melhor, entendi, sim. Por trás do sucesso de Edith estava aquele elemento kitsch da mentalidade populista (de esquerda e de direita) que opera a partir de substâncias como a voz dos oprimidos, a pureza do povo, etc. Violeta Parra e Mercedes Sosa são variações sobre o mesmo tema. 

UGA-UGA Acho a tal da questão indígena, dentre outras coisas, um tédio. Quanto ao conteúdo em si, é deplorável. A esquerda só de olho no capital simbólico que lhe traz defender os índios, a direita só de olho no nióbio da vizinha (bem taradinha essa direita) e os índios jogando com uma malícia digna de homem branco o quem der mais, leva (v. “No one is innocent”, Sex Pistols feat. Ronald Biggs). Eu acho que os índios só se salvarão quando algum deles sair da taba e escrever um Portnoy’s complaint, eu não sou índio coisa nenhuma, sou um ser humano, e estou cansado de conversinha de pajé, de gente de ONG e de indianistas, esses farsantes pomposos todos.

ONTOLOGIA O que entrou na esfera do ser não pode voltar ao nada. Na eternidade teremos a posse plena e simultânea de todos nossos momentos. “Vós sois deuses.” Etc., etc.

CAPAS DA PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Sônia Burnier, em dezembro de 1979. Se vocês forem procurar coisas na internet sobre a Sônia Burnier (ou Bonfá) fatalmente vão ver um clipe do Fantástico de 1978 em que ela canta Te contei? Louraça belzebu toda glossy e cheia de presença, sei lá por que acabou virando one hit wonder

PIADAS DO SÉCULO PASSADO Viu que o Ritchie morreu? É, comeu a menina veneno. Viu que o Cazuza tá surdo? É, Jesus chama, chama ele, só que ele não escuta.

07/06/2025