ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

ETC., ETC. Eu e o Julinho Safardana vamos dar uma volta com a Vera na Variant II dela, que foi restaurada. Vera morreu em 1982 ao acidentar-se na Giovanni Groncchi. Furou um sinal vermelho, um Opala pegou em cheio sua lateral, politraumatismo, etc., etc. (Quando Vera levou a pancada o rádio da Variant II estava tocando Melô do Piripiri. Até onde se sabe, ela, a nova musa da Boca do Lixo/do Walter Hugo Khouri/do Necrochorume, foi a única pessoa no mundo que passou dessa pra melhor enquanto ouvia uma música da Gretchen.) A Variant II passou quarenta e três anos num ferro velho de um espanhol que morreu de gripe espanhola em 1919. O apelido do espanhol é Atchim. Sim, Atchim, que nem o anão da Branca de Neve. O ferro velho fica num terreno empepinado (briga entre herdeiros, etc.) na fronteira entre Jandira e Itapevi. Os ossos do Atchim foram exumados em 1953 e jogados no ossário coletivo do Araçá. A gente zoa muito com ele por isso: vida boa, hem, Atchim?, só na suruba, com aquelas caveirinhas todas lá (v. Cemitério dos Prazeres, Lisboa, quem foi pra Portugal perdeu o lugar, etc., etc.). Atchim não curte muito essas zoadas nossas. Quer dizer, nossas numas. O Júlio que sempre protagoniza. Diz que quando era vivo o Atchim morava num cortiço de compatriotas no Brás chamado La mierda e que, uma vez morador de cortiço, sempre morador de cortiço (já que o ossário não deixa de ser um cortiço, ou uma suruba, ou uma geral do Maracanã antes da reforma). Etc., etc. Então estamos nós três dando uma volta de Variant II e resolvemos ir dar uma espiada na Rua 25 de março e o Júlio vai com o cotovelo pra fora, janelona aberta, ótimo pra atrair ladrão, e um sujeito parecido com o ator que fazia O homem de seis milhões de dólares furados, carregando umas sacolas dos Armarinhos Fernando, faz que vai atravessar a rua, mas para porque nosso carro parece que bloqueou a passagem dele, e o Julinho diz pro cara, sacudindo o pulso, aê, pé de chinelo, não quer vir aqui roubar não?, é um Patek Philippe, autêntico, vale uns vinte mil dólares, não é coisa de camelô, não, e o sujeito segue em frente, aparentemente não entendendo as palavras e os gestos que lhe foram dirigidos, e depois o Julinho pergunta para um policial militar meio parecido com o Nasi, meio parecido com o Nelson Ned, onde é que dá pra achar cocaína mais em conta ali nas lojas da 25. Etc., etc. Então vemos o Jacinto, o Homem do Sapato Branco, lá no Largo São Bento, de periquito e realejo, como dizia o Nelson Rodrigues, ou seja, Jacintão também está na mierda, precisando tocar realejo pra tirar uns trocos pra pagar o condomínio do túmulo no Quarta Parada porque o filho de uma égua do odorico-paraguaçu de São Paulo, o ninguém-é-prefeito Ricardo Nunes, privatizou os cemitérios e os preços de tudo dispararam e o Julinho diz, altissonante, Jacintããão, só na manivela, hem?, pra defender o dólar furado nosso de cada dia (dólar furado, que é a moeda corrente entre nós, os mortos eppur si mouve, sim-sim, eu morri em 2007, Júlio em 84, Vera em 82, Jacinto em 2007 também), aí a Vera me passa um bilhetinho e abro o bilhete e está escrito nele, puta mala esse seu amigo, hem? Vamos deixar esse cara na casa dele que eu vou te levar a um lugar que você vai adorar, então largamos nosso amigo Júlio que Não Presta em frente à estação Julio Prestes, onde ele poderá brincar bastante de não quer vir aqui roubar, não, seu pé de chinelo? sacudindo o Patek Philippe na cara de indigentes de todos matizes que perambulam por ali, depois vamos lá dar uma força ao Jacinto e tiramos a sorte 250 vezes, depois Vera enfim me leva ao lugar que ela disse que eu ia adorar, um drive in que está funcionando na garagem do encerrado hotel Maksoud Plaza, drive in do qual é sócio, adivinhem quem?, sim-sim, é claro, o Atchim, o espanhol corticeiro surubeiro  (v. “Morri em 1919, mas continuo passando o ferro velho na boneca”). Bem-bem, pessoal, é tarde, eu já vou indo, preciso ir embora, na próxima eu conto tudo ou quase tudo, bye-bye.

08/08/2025