ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

EPPUR SI MOUVE, ETC. Desço a Augusta com o Júlio “Safardana” Barroso e com meu irmão André, sentido Baixo Augusta. Julinho está com sua camiseta Deus prefere os suicidas, frase do Nelson Rodrigues, André está com o visual Jece Valadão 1979, camisa com uma estampa chuva de meteoros, calça branca, bolsa capanga. Júlio sacode o relógio na direção de uns tipos mal encarados, aê seus pés de chinelo, vêm cá roubar, vêm, é um Vacheron Constantin, legítimo, não é coisa de camelô, a velha brincadeira dele. Chegamos ao Vagão Plaza, Jacinto Figueira Jr. está na porta, a mulher dele é dona da casa, Jacinto tem ficado ali meio como hostess, pegou mal a notícia de que ele andava numa pior, tocando realejo na esquina pra tirar uns trocados, etc., etc. Entramos, pegamos uma mesa, umas mulheres chegam junto, as três mais ou menos bonitas, uma delas faz um comentário sobre a camiseta do Júlio, diz que também cometeu suicídio, que bebeu refrigerante com Composto 1080 no feriado de Corpus Christi de 1985, ela diz isso, mas acho que está mentindo, está dizendo só pra jogar charme pra cima do Júlio, observo o rosto da mulher e percebo que ela se parece um pouco o Lair Ribeiro e penso que deve ser chato ser mulher e ser parecida com o Lair Ribeiro.

EU TENHO UMA GRANDE ARTE: EU FIRO DURAMENTE AQUELES QUE ME FEREM “No que me concerne, você pode limpar a bunda com eles” é o que responde o anão José Zakkai quando Peter Mandrake lhe diz que está com os cadernos do Thales Lima Prado, em A grande arte, Rubem Fonseca, 1983. Quem fica estarrecido com o PCC infiltrado na Faria Lima é porque não leu o livro do Rubem – lançado há quarenta e dois anos –, uma velha aristocracia/alta burguesia do eixo Rio/São Paulo que está falida, que se associa a bandidos da pesada pra se capitalizar e viver no bem-bom só mais um pouco, bandidos da pesada cujo negócio é “tóxico e putaria, coisas que dão muito dinheiro nesse país esfuziante”, tudo isso por trás de uma holding de empresas de fachada, tudo não rastreável, tudo indeslindável, tudo dominado.  

RUSH Ouço pela primeira vez um disco do Rush, o Power windows, de 1985, depois o Grace under pressure, de 1984, procurando uma música que ouvi na Kiss FM, que eu reconheci que era Rush por causa da voz do cara de fuinha lá, esqueci o nome dele, uma “voz de Mickey Mouse depois de respirar gás hélio” como alguém já definiu. A música é Red sector A e parece mesmo o U2, tive a impressão quando ouvi no rádio. Esses discos de 84/85 não são propriamente ruins ou desagradáveis de ouvir, mas tudo neles é derivativo, tudo parece algo, remete a algo, o Alex Lifeson ora imita o The Edge, ora imita o Andy Summers, o Neil Peart imita o tempo todo o Phil Collins imitando Stewart Copeland, fazendo sempre a mesma virada, insistentemente, parecendo um baterista iniciante que finalmente conseguiu dominar uma técnica difícil e fica lá, repetindo a coisa, repetindo, repetindo, só pra se mostrar.

ONTOLOGIA, EPISTEMOLOGIA, ETC. O homem não tem estatuto ontológico próprio, foi criado por um livre ato de amor de Deus, o onipotente, o que faz o que quiser, como quiser, etc., etc. Às vezes esse papo até que cola, quando você vê uma dessas criaturas do amor de Deus que é notavelmente bela ou notavelmente talentosa. O problema é que 98% das tais das criaturas do amor etc. são uns tipos bem capengas. Não dá pra botar fé de que foram criadas pelo onipotente, e ainda por cima como um ato de amor dele (v. “Não potencializo divindade com regra de ortografia”, Millôr Fernandes). Estava pensando nisso ao observar o Luiz Tatit, do Grupo Rumo. Cidadão poderia ter sido criado por Deus como, sei lá, como o Paul Newman, belo, icônico, mas nasce como o Luiz Tatit e aquela cara de Rei Mago de encenação de quermesse. (Que merda, não?) Podia nascer com um cantor altamente expressivo e songwriter idem, mas nasce como o Luiz Tatit e sua vozinha nhém-nhém-nhém cantando suas musiquinhas medíocres pretensamente engraçadinhas (v. Carnaval do Geraldo, Grupo Rumo). Criatura do amor de Deus é o caralho.

PIADAS DO SÉCULO PASSADO Uma que o Costinha conta num dos discos, de um sujeito que cantou seis meses uma mulher até que ela cedesse, que aí ele foi beber pra comemorar e que acabou bebendo demais e ficou com o intestino desarranjado, chuvas com rajadas frescas, etc., etc.

24/10/2025