ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

PAULISTAS, ÀS ARMAS! Ser paulistano é, de certa forma, cagar e andar pra essa cidade. Gostar daqui talvez seja mais uma questão de perceber o contraste com lugares piores do que ter uma afeição intrínseca pela, digamos, Avenida Paulista. Lembro-me de uma vez ter ido a um casamento num lugar bem trash na região metropolitana, perifa braba. Senti uma intensa euforia quando estava voltando e avistei o interminável muro do Jockey Club e os prédios bacanas da Rua Hungria. Isso estando na Marginal Pinheiros, ou seja, margeando um rio composto por merda, 50%, e dejetos químicos, outros 50%. (O rio melhorou um pouco de lá pra cá.) Sou paulistano? Sem dúvida. Nasci aqui, sou bisneto de italianos (e um pouquinho de alemães), meu sotaque talvez me denuncie. Não sei se há propriamente uma "mentalidade paulistana", um traço de personalidade, comportamental, que faça o sujeito daqui ser reconhecido de longe por um, digamos, carioca. Talvez haja. Creio que o paulistano (pelo menos o atual) seja fruto do entroncamento confuso e não raro conflituoso de gente de tudo que é canto. Talvez o paulistano seja aquele cara que, ao mesmo tempo, tenha a coisa meio arretada e maliciosa do nordestino (mesmo não tendo qualquer origem nordestina), a coisa meio nerd e certinha do oriental (mesmo não sendo "china" ou "japa") e a coisa meio pernóstica, meio arrogante do quatrocentão (designação para quem pertence a famílias paulistas tradicionais, Arruda Botelho, Ulhoa Cintra, etc.). Tudo isso numa espécie de pastiche, de paródia.  

Creio que a melhor coisa de São Paulo seja que isso aqui, definitivamente, não é uma província. Mentalidades provincianas, em geral, não colam nesse lugar. Tudo aqui é desenraizado, meio "pós-histórico". (Embora haja uns episódios históricos da pesada envolvendo São Paulo. Tenho algum fascínio pela Revolução de 1924, não tanto por sua história confusa e meio mal ajambrada, mas por suas "cenas de ação". Além de combates no perímetro urbano, em 1924 São Paulo sofreu bombardeios aéreos, além dos famigerados bombardeios terrificantes com fogo de artilharia (jogar bombas aleatoriamente contra a população civil, visando exclusivamente causar pânico). Parece que São Paulo é a única cidade no hemisfério sul em que essas coisas ocorreram. Muito louco, não?)

 

FERNANDA MONTENEGRO Ė ELEITA PARA A ACADEMIA Desde que Caetano Veloso foi visto estacionando um balão mágico na Rua Mike Biggs que o Leblon não via nada de tão espetacular. Na última última-feira, vários leblonianos avistaram a atriz Fernanda Sérvia e Montenegro, de 99 anos, entrando na academia brasileira de letras e maromba. Fernanda não só adentrou o recinto como ainda deu um tremendo show teatral, fazendo cinco séries de 60 kg no supino, com dez repetições cada. Ovacionada pelos marombeiros, que pediram bis lacta!, bis lacta!, Fernanda Oswaldo Montenegro acabou não suportando aquela agonia, aquela barra pesada toda e caiu dura, tendo sido ressuscitada com um desfibrilador cardíaco (da marca Lázaro) e com alguns goles do chá dos imortais, servido pelo acadêmico e alquimista de esteroides Paulo Cintura Coelho. A assessoria de imprensa da atriz divulgou hoje uma nota de rodapé afirmando que Fernanda já está bem, muito bem, big ben, que passará o período de recuperação em casa, período em que pretende se dedicar às letras, especificamente ao rascunho de uma lista de compras que pretende fazer no mercadinho do seu Mané da esquina, ou melhor, do seu Manuel Carlos, o rei dos mercadinhos fakes do Leblon.


CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE MERECIAM TER EXISTIDO Fernanda Torres, em qualquer mês de 1986. Apesar de nunca ter sido propriamente um sex symbol, nas rodas de homens realmente fissurados por mulher Fernandinha sempre foi uma unanimidade. A unanimidade é que tudo nela é sexy, até suas bochechas são sexy - o que faz dela talvez um caso único, no mundo, de bochechas eróticas. (Não exatamente único, já que a Molly Ringwald também tinha/tem bochechas bem eróticas.) Gerald Thomas pegou a Fefê nos anos 1990 (Fernanda aos trinta anos), seguindo à risca a recomendação do famoso nutricionista, o doutor Honoré de Balzac, "pra comer tem hora certa". (Gerald até que tem pinta de cara fissurado por muié. Lá por aquela época, ao ouvir dizer que o estavam chamando de "diretor picareta", Gerald respondeu que na verdade ele era um "diretor pica reta". Há, há. O.k., quem comia a Fernanda Torres em 1995 pode se autodenominar assim.)


VÁ AO TEATRO, MAS NÃO ME CHAME "Dias felizes", de Samuel Beckett, em 1999, no Sesc Consolação, São Paulo, com Fernanda Montenegro e Fernando Torres. As falas de Torres não passavam de resmungos. Fernanda dizia suas falas com aquela entonação de velha bisbilhoteira de portão de vila proletária, "ô Manueeeel!". (Fernanda mandou muito bem fazendo a Zulmira de "A falecida", Nelson Rodrigues, Leon Hirszman, 1965.) Ainda há essa moda de Samuel Beckett em nossos teatros? Sempre que vejo/leio qualquer coisa desse cidadão penso, "porra, bróder, uma merda dessas até eu escrevo".


YOUTUBE Dois canais muito legais no YouTube. Um é o Madrugada RJ, de um sujeito que percorre de bicicleta, sempre de madrugada, as bocadas mais sinistras da Baixada Fluminense e vai filmando o que vê. Outro é o canal do Laércio Refundini, sobre fisiculturismo. Lalá manja muito de tudo que se relaciona com o assunto, notadamente a biomecânica dos exercícios. Sua exposição é totalmente sem cerimônia e sempre muito divertida. Figuraça, o Laércio.


PIADA VELHA Por que Sílvio Santos é o maior alquimista que existe? Porque transforma domingo em merda.

 

(11/07/2023)