ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

A PROVÍNCIA DE SÃO PAULO Bom dia, ô meus! Quem escreve aqui é o colunista dessa ilustre folha, Adoniram Baboseira de Ulhoa Bela Cintra. Como todos sabem, São Paulo é uma cidadezinha provinciana onde moram vinte e cinco milhões de paulistanos - um arrabalde onde imperam a fofoca, o diz que me diz, o "quem chifrou quem" e o bairrismo puro e simples. Estava ontem eu no meu cafofo no Cemitério da Quarta Parada Dura (com o valor do IPTU resolvi morar num túmulo, especificamente no túmulo do samba, de onde recentemente foi exumado o sambista trapalhão Mussum) em companhia do meu gato, o Borba. Borba Gato é um felino muito simpático, mas ficou meio arredio depois que uns malfeitores puseram fogo na estátua dele, acusando-o de ter escravizado uns índios BDSM numa masmorra sadomasoquista em idos-índios tempos. Como eu dizia, estava eu no meu túmulo conversando fiado com o Borba quando vi, vocês nem imaginam quem, a divindade greco-paulistana Jovem Pã, o desencadeador do pânico, da agorafobia e das transmissões radiofônicas em amplitude modulada. (Jovem porque esse Pã é "de menor", tá ligado, mano?) Perguntei ao Jovem Pan, "Firmeza aí?". Ele respondeu, "É nois na fita". "Tá colando aqui nessa quebrada por quê?", perguntei. Pan então me disse que tinha feito um pacto com os Demônios da Garoa e que precisava discutir uma das cláusulas do contrato. "Demorô", respondi, "bora lá que os caras são meus chegados". Saímos do cemitério e fomos andando, andando, até que chegamos ao centrão, onde batemos um papito com o Supla e tivemos os celulares roubados catorze vezes. Entramos no Viaduto do Chá do Santo Daime e, entre uma miragem e outra (numa das miragens vimos um grupo de 51 Jânios Quadros e 51 Lulas correndo a São Silvestre e trançando as pernas), fomos recebidos pelo prefeito, qual-o-nome-dele-mesmo?, que nos informou que não estava mais empresariando o grupo Os Demônios da Garupa, grupo que na verdade é uma dupla de motociclistas assaltantes. Jovem Pan ficou tão desconsolado que o prefeito dessa cidadezinha provinciana que é São Paulo ainda tentou animá-lo contando uma fofoca das boas, "meeeu, você nem imagina quem eu vi ontem saindo de um motel na Ricardo Jafet". 

 

TE VEJO NA MTV Dou umas espiadas na série de encontros entre Gastão Moreira e Fábio Massari falando sobre os bons e velhos tempos. A série tem o nome "O lado B da MTV". Sei lá, bróder, com esse nome eu esperava umas fofocas altamente desabonadoras sobre fulano, sicrano ou beltrano ("aquela DJ era a maior piranha, deu pra meia MTV"), mas a coisa infelizmente não vai por aí. Gastão e Fábio, cinquentões a caminho da sexagenariedade, continuam sendo bons meninos, deslumbrados cultores das minúcias efêmeras da cultura popular (estou cada vez mais bronqueado com a palavra "pop"). Dá um certo horror constatar como tudo que se relaciona à MTV Brasil envelheceu, e envelheceu meio mal. 


COSTINHA Vejo "Carnaval barra limpa", J. B. Tanko, 1967. O filme é irregular. A trama é boboca e os números musicais, muitos e chatos, fazem a coisa se arrastar um pouco. Mas há curiosidades, como a presença de Carlos Eduardo Dolabella, Emiliano Queiroz e Ari Fontoura, esses dois últimos bastante subaproveitados no filme. Rossana Ghessa está gostosíssima como camareira do hotel onde a trama se desenrola. E Costinha está esplêndido, as usual. Sempre que começo a me sentir angustiado demais com a condição humana, kirkegaardiano demais, vejo cinco minutos de Costinha e, bah, me reconcilio totalmente com o universo.


(A propósito, J. B. Tanko, croata que se radicou no Brasil depois da Segunda Guerra, tem uma história das mais interessantes e devia ser biografado. Foi assistente de Leni Riefensthal, etc., etc.)


ITALIA PIÙ BELLA Impressionante como tem gente bonita na Itália (Rossana Ghessa, etc.). Não entendo como, com essa gente bonita toda, a taxa de natalidade italiana não vá às alturas. Como dizia o Millôr, beleza não põe mesa, mas desarruma a cama.


CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE MERECIAM TER EXISTIDO Paola de Orleans e Bragança, em qualquer mês de 2007. Paola, por uma regra nobiliárquica a que está sujeita por ser uma Orleans e Bragança, nunca se exibiu nua ou sequer insinuou nudez quando foi modelo. E quer saber? Paola é tão gostosa que não faz diferença aparecer pelada ou não. A Playboy podia ter inovado ao colocar na capa da revista uma "coelhinha" que aparecesse rigorosamente vestida no ensaio fotográfico. Se bobear bateria recordes de venda.


PÁSSAROS A ideia pueril de que o pássaro na gaiola fica triste e que o ato de voar o deixa em êxtase. Imagino o estresse que o pássaro "livre" deve experimentar. O tempo todo tendo de ir atrás do que comer. O ato de voar (e cantar) minando suas poucas reservas calóricas. A necessidade de se abrigar, sempre de modo precário, contra o frio. A exaustão sempre à espreita. Se eu fosse um canário queria mais é ser enfiado numa bela gaiola e ser servido com bastante alpiste. 


Mudando de pato pra ganso, já notaram como o canto dos pássaros se parece com a música eletrônica? Estou falando eletrônica "Karlheinz Stockhausen". A ruidagem, a descontinuidade, etc. Edvard Grieg supostamente mimetizou o canto dos pássaros "numa bela manhã de primavera" em "Peer Gynt", mas Grieg sabia tanto de pássaros quanto o Tião Macalé sabia de cálculo integral. Já Olivier Messiaen mostrou que entendia do riscado. Ouçam sua obra "Catalogue d'oiseaux" (mas não ouçam muito, porque a experiência de estranhamento proporcionada por essa obra não demora muito a ceder a uma sensação de tédio e de mesmice). 


YOUTUBE Coisas legais no YouTube. Fragmento de meia hora de uma aula de Olavo de Carvalho intitulado "As tendências e vícios humanos". Nos últimos anos de vida Olavo perdeu o pé com as maluquices que constituem o imaginário da "nova direita", propagou asneiras a rodo ("Theodor W. Adorno compôs as músicas dos Beatles", etc.), o que acabou afastando antigos apreciadores de suas exposições eminentemente filosóficas (eu, por exemplo). Nesse trecho de aula Olavo faz uma das mais abrangentes e eruditas exposições que já vi sobre as principais correntes da psicologia no século XX.


Outra coisa bacana é o canal "Filosofia Vermelha", de Glauber Ataíde. É um prazer ouvir um marxista culto, inteligente, highbrow, nem um pouco afeito a estereótipos, um sujeito que ouve death metal em vez de Chico Buarque. (Glauber fisicamente é uma mistura do Leon Trotsky com o Ho Chi Minh. Se Michael Cimino pusesse a foto de Glauber naquele casebre onde os VCs obrigaram Robert de Niro e Christopher Walken a fazer roleta russa, lhes berrando "mao!" e lhes desferindo bofetadas na cara, ninguém ia notar qualquer diferença.)


PIADA VELHA "Fulano" é que nem papel higiênico, quando não está na merda, está no rolo.

 

(25/07/2023)