NEY MATOGROSSO LIMPANDO A BUNDA CAGADA DO ZÉ CELSO - E EU COM A LIGHT?, por Eduardo Haak

José Celso Martinez Corrêa, 1937-2023, morreu queimado, "o horror, o horror". Como morreu queimada a mãe do Teixeirinha, Churrasquinho de Mãe, "o maior golpe do mundo que eu tive na minha vida", etc. Niki Lauda, de certa forma, também morreu queimado em Nürbungring, 1976, embora tenha conquistado dois campeonatos de F1 depois do acidente. Lauda nunca se recuperou de certas lesões, como as pulmonares, tendo inclusive se submetido a um transplante (de pulmões) no fim da vida. Queimadura é um troço realmente fogo, sem trocadilho nenhum.

Nunca curti muito o jeito aloprado de ser do José Celso. Uma vez o vi caminhando e falando sozinho, perto da Avenida 23 de Maio. Notei que ele realmente não fazia gênero, era doido mesmo. (Hoje em dia muita gente anda pelas ruas aparentemente falando sozinha, mas na verdade estão falando pelo celular. Não dá mais para saber quem é maluco e quem não é.)

Li muito teatro (Nelson Rodrigues é um de meus gurus, Plínio Marcos idem), mas fui a pouquíssimas encenações, vida afora. Nunca vi nenhuma que tenha me impressionado bem. Nos anos 1980 o pessoal do Planeta Diário (Hubert, etc.) lançou a campanha "Vá ao teatro, mas não me chame". (Falando ainda da mesma turma, o Agamenon Mendes Pedreira tem o tal do "cunhado esquisitão", que faz "teatro infantil", entre outras afetações, se é que vocês me entendem.) A partir de um determinado momento histórico estabeleceu-se um hiato intransponível entre teatro, arte ficcional narrativa, e teatro enquanto encenação, espetáculo, etc. Esse hiato, hoje, dá margem a um monte de confusões. Se eu digo que gosto de teatro, periga eu ser confundido com o "cunhado esquisitão" do Agamenon. Faço coro, portanto, à turma do Planeta, "vá ao teatro, mas me tire dessa".

Eu desconfio que foi o Zé Celso o autor dessa catástrofe. Essa coisa de ele se colocar como sacerdote de uma religião dionisíaca (ou algo que o valha) deitou moda entre diretores. Tem um sujeito aí que transformou seu teatro (o imóvel) numa espécie de centro de macumba e só encena "rituais". E isso não é um caso isolado. É norma, praticamente. 

Não sei dizer se José Celso era propriamente um bom ator. Tinha uma presença cênica às vezes impressionante. O guardião do limiar do purgatório que ele fez em "Encarnação do demônio", o derradeiro filme do Zé do Caixão, 2007, ficou esplêndido. Sobre o velho demente que ele fez em "Ralé", péssimo filme dirigido por Helena Ignez, 2015, até hoje não sei o que dizer. Posso dizer que me aborreci formidavelmente com o filme e seus cacoetes de "cinema marginal paulista" (Bressane, etc.), mas ri muito com a absoluta falta de limites na exploração do demencial feita pelo Zé Celso. Quando vi a cena dele cantando, tocando piano e defecando nas calças (ações simultâneas), primeiro eu achei que não tinha visto direito, depois supus que era alguma alucinação causada pelo tramadol que eu vinha tomando por causa de umas dores nevrálgicas dos infernos, então eis que o Ney Matogrosso, no papel de cuidador do velho demente, põe-se a limpar a bunda cagada do Zé Celso. Sim, era exatamente aquilo, ele estava lá, tocando o pianinho dele, e resolveu cagar nas calças. Ri como poucas vezes ri na vida. Achei a coisa puro Jackass.

(07/07/2023)