ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

1978 Ouvindo "O medo de amar é o medo de ser livre", de Beto Guedes, e vendo uma propaganda da VW Brasília, fulana que amava sicrano que amava beltrana, etc., fico com a sensação de que o tempo devia ter parado em 1978. Não sei o que eu quero exatamente dizer com isso. Não sei se faz algum sentido proferir uma afirmação como essa. Como seria isso, o tempo parado em 1978? Não sei. Mas creio não estar enganado ao dizer que o clima de 1978 tinha uma calidez que só podemos lamentar que, sabe-se lá por quais razões, já não exista há muito tempo. Impossível pensar num Beto Guedes de vinte e poucos anos compondo e gravando "O medo de amar" em 2023.

O LIXÃO O Lixão patrocinava o programa que o Mojica, Zé do Caixão, teve na Record em 1981. Era uma loja de móveis usados que ficava na Praça Marechal Deodoro. Seu logo usava uma tipografia estilo cartaz de wanted de velho oeste.

JACINTO LEITE AQUINO REGO O livro do Maurício Stycer sobre Jacinto Figueira Jr., o Homem do Sapato Branco, não é ruim. A pesquisa que ele fez traz algumas informações interessantes. Tem um buraco ou outro, como ele não mencionar o Homem do Cravo Vermelho, que Jacinto fez na TV em algum momento entre 1983 e 84. O mais legal é que, a despeito de Stycer e Bia Abramo (que assina a burocrática orelha), o livro capta e expressa até que bem a presença exuberante do "má viu, lindô".

DURVAL DISCOS Vejo uns discos de vinil na vitrine de uma loja na Rua Augusta. Tudo de 150 reais pra cima. Em 2001, 2002, as pessoas jogavam no lixo - literalmente - seus vinis, que eram vendidos em lojas de usados por 1 real (e dava pra achar muita coisa boa por 50 centavos). Lembro-me de uma reportagem na Veja São Paulo, mais ou menos dessa época, sobre a euforia das pessoas com o CD, que estava desbancando o vinil, etc. Uma fulana com cara de coelho aparecia numa foto, segurando um CD, o "Yellow submarine", dos Beatles. Ela havia comprado o CD mesmo sem ainda ter um aparelho para tocá-lo. Dizia a fulana que o disco de vinil era "tecnologicamente ultrapassado". Etc., etc. A Vejinha devia procurar a cara de coelho hoje, trinta anos depois, pra fazer uma nova reportagem. Aposto que ela ia aparecer segurando um vinil usado de "Yellow submarine", comprado por 250 contos, com um papo de que "o vinil tem um som muito mais robusto que o CD". ("Durval discos" é um filme de 2003, dirigido por Anna Muylaert. Um filme bem ruim cujo único atrativo é a Marisa Orth no auge da gostosura.)

ALIENAÇÃO Não faço a mínima ideia de quem seja Larissa Manoela e, passando os olhos por alto nas notícias, faço questão de continuar não sabendo.

NETFLIX Às vezes entro em alguma sala e a TV está ligada no canal Netflix. Bastam quinhentos milésimos de segundo para que eu constate, como todas as vezes: a Netflix criou um novo tipo de kitsch. O kitsch netflix. Está em tudo que eles produzem. Não deixa de ser um feito. 

CLICHÊS Por que quase todo mundo diz que é tímido? Eu, por exemplo, não sou tímido, embora em certas situações, eventualmente, me sinta intimidado. Normal. Outro clichê é o suposto elogio, "ah, fulano é legal, é um cara supersimples", geralmente usado para descrever algum ricaço que, vez ou outra, troca meia dúzia de palavras com o zelador, "e aí, Raimundo, o coringão ganha ou não ganha hoje?". Nada tenho contra pessoas complexas e, até mesmo, arrogantes. Pra dizer a verdade costumo gostar de pessoas assim.

JAVIER MILEI Milei é uma mistura do general Manuel Belgrano (o cabelo zoado e as costeletas), Carlos Menen (dolarização e costeletas, "Pediatras peronistas elegem neném") e Diego Maradona (as ênfases e aquelas cantorias no meio da rua com o zé-povinho, pulando e marcando o tempo com a mão). Milei vai ganhar a eleição com 100% dos votos.

GAROTO DO PARQUE Numa época, acho que entre 2007 e 2009, vi direto o ex-jogador Roberto Rivelino. Ia a um café e lá estava ele. Olhava para dentro de um restaurante e, batata, lá estava o Rivelino. Isso aconteceu umas cinco ou seis vezes. Que eu saiba não éramos vizinhos. Casualidade total. Seria caso de até jogar no bicho, apostar no coelho, 10 (o número de sua camisa).

TEORIA DA CONSPIRAÇÃO QUE NÃO EXISTE, MAS QUE VAI ACABAR EXISTINDO Elvis Presley supostamente morreu em 16/08/1977. Um dia antes, 15/08/1977, um observatório astronômico em Ohio, apontado para a constelação de Sagitário, registrou um possível sinal de vida extraterrestre, o tal do Wow! signal. A linha que mostra o tal sinal tem os caracteres 6EQUJ5, que, se observarmos com alguma atenção, aludem aos caracteres ELVIS - 6EQUJ5, 6EQVJS, 6EQVI5, 6ELVI5. Elvis, portanto, não morreu, mas foi abduzido e vive hoje num exoplaneta a 50.000 anos-luz do sistema solar.

CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE MERECIAM TER EXISTIDO Bia Nunes, em qualquer mês de 1982. A atriz Bia Nunes nunca foi propriamente linda ou esfuziante, mas sua discreta beleza era daquele tipo que vai se infiltrando em nossa percepção até que um belo dia dizemos pra nós mesmos, "pô, essa fulana é altamente pegável, hem?".

GUIA POLITICAMENTE INCORRETO DA LITERATURA "Tenho um desprezo solene pelos pobres. A patuleia. A escumalha. Sujos, ignorantes, interesseiros, safados. Escrotos, como os vermes. Sempre engravidando. E engordando. E roubando e matando. E sendo atropelados." ("Valsa negra", Patrícia Melo, 2003.) 

(17/08/2023)