ITAIM-BIBI: TESE Soube que tocaram o Teatro Vento Forte pra fora do espaço que ele ocupava no Parque no Povo. O tal teatro estava ali desde cenozóicas eras, quando o que hoje é o parque era um monte de campos de futebol de várzea (Marítimo, Clube do Mé, etc.) e um monte de bocas de fumo. Eu nunca vi o tal teatro funcionando, levando alguma peça, sei lá, Ricardo III, now is the winter of our discontent made glorious summer by this sun of York, etc., essa é a única linha de Shakespeare que sei de cor. O tal do Teatro Vento Forte devia ser um desses teatros que dão aulas de capoeira e que mais parecem centros de macumba. Pra mim não vai fazer a mínima falta. E quer saber? Adorei que tenham metido eles pra fora, sempre acho maior legal ver algum bando de xexelentos tomando no cu. Porque esse pessoalzinho que se acha de esquerda acha que esses teatros de capoeira-e-macumba são uma forma de resistência ao capitalismo, à burguesia ou a seja lá o que for, mas não são resistência a coisa nenhuma, são apenas uma espécie de sistematização da precariedade. Que nem essa história do Raul Seixas, esse falatório todo de que o Lobão supostamente ofendeu o cara dizendo que ele morreu que nem um mendigo, oras-oras, o Raul viveu e morreu como um mendigo, às vezes explicitamente, como quando ele contou no Jô Soares o episódio em que ele comeu lixo em Nova York, em 1974. Raul era a contracultura dos anos 1960 traduzida para a precariedade brasileira, para a fuleiragem, Rock das aranhas é uma das músicas mais constrangedoras, rampeiras e cafajestes que já ouvi e essa coisa de toca Raul é mesmo o fim da picada, o Lobão tem toda razão de protestar.
ITAIM-BIBI: ANTÍTESE Anda uma moda aí de corretoras de imóveis gatas, algumas gatas e arquitetas. Uma dessas beldades que vendem apartamentos, bem parecida com a Lala Deheinzelin quando jovem, disse que o Itaim é bairro para a rapaziada que está enchendo o rabo de dinheiro, a rapaziada que está voando, etc. Estava outro dia passando na Pedroso Alvarenga, num perímetro em que há uns cinquenta anos havia: uma Congregação Cristã (ainda existe), uma casa de massagem chamada Penthouse Club (meu irmão João uma vez ligou pra lá e perguntou, alô, aí é da zona?, e a atendente respondeu, é da zona, meu bem), a Escola Amoreco (onde professoras lésbicas e sádicas puniam os meninos que faziam cocô nas calças fazendo-os vestir calcinha) e uma avícola, que vendia ovos, galinhas vivas, etc. A mendiga (v. “pessoa em situação de rua da amargura”) que morou anos na esquina da Tabapuã com a Clodomiro Amazonas foi chutada dali há uns meses. A mulher era um prodígio de disciplina e organização. Sei lá, fiquei um pouco chateado, a presença dela dava um toque pitoresco ao lugar. Agora é só Eudes (“os colega da firrrma”) e Faria Limer, a rapaziada que, segundo a corretora gostosinha, está voando.
ITAIM-BIBI: SÍNTESE? Um mendigo chamado Trovão, que andava num veículo movido a manivela. (Trovão era meio parecido com o Rogério Skylab, a criatura do ódio de satanás, etc.) Um outro que a gente chamava de o Marisol. O No Legs, um perneta que dava expediente aqui. O Velho das Correntinhas, que na última vez que eu vi estava vendendo as correntinhas dele na Rua Maria Antônia. O Professor de Artes da Nanda (Xuxa), que ficava o dia inteiro desenhando em caixas de papelão com caneta Bic. (Se bobear era um gênio como o Arthur Bispo do Rosário era gênio, etc., etc.) A Ruth Caralho da Porra, que tinha uma pensão ao lado do meu prédio. A Marcinha, piranha de rua, loura oxigenada com a data de validade já meio vencida em 1986, que fazia programas rápidos na Rua Carla. O Lorde, o Barão e o Bigorrilho, garçons do Jig’s. O Sombrancelha (sic), chapeiro do Baby’o. O Cabeça Torta, garçom do Joakin’s. A Dona Mula, dona da padaria da esquina Tabapuã/Iguatemi. O Irmão do Chupeta, que não era muito bom da cabeça e que meio que trabalhava na padaria que a dona Mula vendeu para o Roberto Leal. Etc., etc. O lúmpen todo do Itaim, provavelmente todos mortos hoje, requiescat in pace. Pelos poderes a mim concedidos pela Assembleia dos Coroas Falidos do Itaim e pela banda de rock macumbilístico Exu Cadeira e as Poltronas Amestradas rogo que os ectoplasmas desses lúmpens todos assombrem impiedosamente cada novo prédio besta construído entre a Juscelino, Faria Lima, Nove de Julho e São Gabriel. Cumpra-se, etc., etc.
17/04/2025