ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

LITERATURA ESPÍRITA Vou com o Julinho Safardana, née Júlio Barroso, dar uma volta pelo Itaim-Bibi. Andamos um trecho da Faria Lima com ele fazendo sua velha brincadeira com o Vacheron Constantin, aê, seus pés de chinelo, não vão querer vir aqui roubar, não?, olha só, ele diz, sacudindo o relógio para uns tipos suspeitos, vale cinco mil dólares, ninguém se habilita?, etc. Subimos a Tabapuã, que está bastante diferente desde a última vez que Júlio passou por aqui. O Morita fechou?, ele me pergunta. Digo que fechou em 1984, o ano em que ele foi morar no túmulo mais brega do Brasil. Sim, Júlio e eu estamos mortos, como atestam nossos atestados de óbito, mortos eppur si muove, não me perguntem como, não fui eu que criei as leis do funcionamento do universo, dizem que foi o tal do Deus, sei lá, nunca vi a fuça desse sujeito, se bobear acho que ele nem existe. (Não tenho túmulo, fui cremado quando vivo, etc.) Chegamos ao prédio da Miriam Lane (também morta em 1984, durante um assalto aqui em frente ao prédio) e ela já está esperando a gente. Podemos ir comer em algum lugar do passado ou do presente, ficamos entre o Jack in the Box da Joaquim Floriano (fechado em 1989) ou o Botequim do Hugo. Escolhemos o Hugo e no caminho digo que andei pesquisando os preços dos alugueis lá no prédio de onde ele caiu da janela e que já foi o tempo em que escritores marginais podiam morar na Conselheiro Brotero e sugiro de a gente brincar de assombrar algum apartamento algum dia desses, mas nem ele nem a Miriam parecem se empolgar muito com a minha sugestão. 

EPOCHÉ Deixe que as coisas sejam exatamente aquilo que elas são, deixe que as coisas falem (ou se calem) por si mesmas. Posso definir assim uma de minhas crenças fundamentais. 

ETERNO RETORNO Jardel Filho termina Terra em transe como um suposto exército de um homem só, supostamente atormentado, apontando uma metralhadora de brinquedo para o deserto (Barra da Tijuca em 1967). (Acho Terra em transe uma porcaria de filme, etc.) Seis anos depois, o Jardel atormentado de Terra em transe reaparece em O bem amado, a novela da Globo, como o médico sanitarista Juarez Leão. (Carlos Lombardi disse que o Zbigniew Ziembinski descobriu o Jardel quando esse, gênio excêntrico da informática, ia para a praia fazer, debaixo do guarda-sol, programas, ou seja, seus trabalhos de programação em C ++, Python, etc.)

TRALHA VELHA E ESQUECIDA Um campeonato de futebol de salão para office-boys chamado Futeboys, creio que patrocinado pela Rede Globo (ou pela Fundação Roberto Marinho, sei lá). O anúncio de TV era tosco mesmo para os padrões da época – fazia uma sobreposição de uma partida de futebol no Maracanã (um Vasco e Olaria, digamos) com uma imagem recortada com chroma key de uma partida amadora de futebol de salão. 

TRALHA VELHA E ESQUECIDA, DOIS Uma pastilha efervescente para desinfetar dentaduras chamada Purific. A propaganda de TV era com o Lima Duarte.

TRALHA VELHA E ESQUECIDA, TRÊS Uma propaganda do Bateprego que usava a gravação do Edifício Mendes Caldeira sendo implodido.

TRALHA VELHA E ESQUECIDA, QUATRO Frank Zappa era um sujeito cheio de coisas na cabeça. Too much information. Fetichista das realizações de grandes compositores do século XX, Stravisnky, Webern, Varèse, etc. Não era um bom guitarrista, mas sabia reconhecer um (Steve Vai, por exemplo). Eventualmente fazia alguma música instrumental de alta qualidade, como It must be a camel e Zoot allures. Geralmente fazia canções chatíssimas, paródias que talvez só tivessem graça para quem conhecesse o contexto a que suas letras se referiam (ou seja, Zappa tinha algo de provinciano de Los Angeles). Era um mau cantor. Era prolixo. Suas peças sinfônicas (Yellow shark, etc.) são chatas, derivativas, deja vù. Idem suas peças eletroacústicas (Lumpy Gravy, etc.).

PIADAS DO SÉCULO PASSADO Sabe como o português faz quando quer ganhar um Chokito? Ele enfia do dedito na tomadita.

21/05/2025