ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

TENDINOPATIA DO TENDÃO DE AQUILES Corro num pace ruim, acima de oito, na média. Pego a Nove de Julho, a Groenlândia, a Joaquim Antunes. Entro no cemitério, Necrópole São Paulo, vou correndo pela alameda rente à Rua Cardeal Arcoverde, o calcanhar direito queimando. Procuro o túmulo de um dos ramos da minha família, ali está, Família Cerveira, roubaram as placas de bronze e agora há umas placas feias, de plástico, com os nomes dos mortos. Pego a alameda que vai até o fundo no cemitério, onde há o velório e a saída para a Rua Luís Murat, saio do cemitério e começo a travessia da Vila Madalena, Beco do Batman (típico lugar supostamente pitoresco pra turista ver, como aquela praça com o orelhão gigante em Itu, com a diferença que a praça em Itu é hilária em sua jequice surreal assumida, já o Beco do Batman tem o ranço típico da Vila Madalena, aquela coisa meio comunista e maconheiro, etc.). Entro na Pompeia pela Rua Apinajés, paro algumas vezes para me alongar e descomprimir os quadríceps (vasto lateral, medial, intermédio e reto femoral) e a panturrilha (gastrocnêmio lateral, medial e sóleo). Acho uma nota de dez reais caída no chão, um dachshund quase me morde quando passo correndo por ele, entro na Rua Havaí, paro no reservatório da Sabesp, me reidrato, sigo a Doutor Arnaldo, sigo a Oscar Freire, sigo ruas por dentro do Jardim Europa, chego em casa. Onze quilômetros em duas horas e dezoito, com as pausas, alongamentos, etc.

LARA LATEX Não a conhecia. Atriz pornô inglesa. Deve trabalhar fora do Reino Unido, já que é proibido produzir conteúdo pornográfico por lá. (Não propriamente proibido, mas altamente regulamentado.) Atualmente Lara tem cinquenta anos e ainda compõe uma figura atraente, corpo esguio e elegante, rosto que mescla artificialidade, estranheza e depravação. (Gozada essa coisa de proibições. Mórmons são proibidos de beber Coca-Cola (cafeína), crentes raiz são proibidos de ver TV (Igreja Pentecostal Deus Inhamô, mulher de saia curta no céu não vai entrar, etc.), judeus são proibidos de comer salsicha, ingleses são proibidos de produzir pornografia, etc.) 

DEVO UMA NOTA GORDA Gerald Casale, do Devo, parece estar usando uma peruca estilo o cabelo que ele tinha quarenta anos atrás. (Portanto, é diferente do caso da Anna Muyamiga Muylaert, que usa uma peruca feita de maconha prensada, cabelo de maconha, etc.) Casale é gavião, vive casando com mulheres quarenta anos mais novas, daí a possível explicação para a peruca. (Quando pegava mulheres mais velhas que ele Casale pegou e casou com aquela coisinha gostosa da Toni Basil, que nos anos 1980 fez sucesso com Hey Mickey, que nos anos 1970 não sei o que fez e que em 1969 apareceu em Easy rider, uma das garotas que Peter Fonda e Dennis Hopper pegam no bordel em New Orleans.) O talento musical de Gerald Casale é bem inferior ao de Mark Mothersbaugh,  ouçam o disco do Devo em que suas composições  predominam, o fraco Shout, de 1984, e tirem a prova. (Nota gorda, ganhe uma nota gorda, era o mote de uma propaganda sensacional do banco Safra, lá por 1977, em que Wilza Carla, banhas eróticas, aparecia fazendo um número burlesco.)

RECONHECENDO PADRÕES, ETC. Lá por 1979 eu reconheci o padrão relógio de zelador. Foi assim: todo zelador, porteiro e vigia noturno com quem eu tinha contato usava relógio Technos, sempre grande, cebolão, sempre com o fundo verde metálico. Assim me parecia, embora crianças tenham uma desvairada imaginação óptica, como dizia Nelson Rodrigues. 

COLLOR Muito deprê esse ocaso da vida do Fernando Collor, acabar num presídio que fede a esgoto, cheio de pernilongos, baratas, etc. Ele, que foi um homem bonito, está parecendo um boneco de cera (harmonização facial, etc.). A bem da verdade, é muito deprê tudo que o envolve. (Admito que li a autobiografia da Rosane Malta, mistura da Barbie com a Amelinha, os trabalhos de magia negra no porão da Casa da Dinda, sacrifício de animais, etc.)

CHAT CPT Pedi ao Chat GPT que criasse, usando um aparto teórico de alta cultura, uma crítica musical de Eruption, de Eddie Van Halen. Acho o Eddie um artista superior que, tendo tido sua origem e trajetória dentro da indústria cultural e do universo pop, acabou sendo uma espécie de refém de luxo desse universo, universo esse que sequer tem vocabulário para alguma tentativa de dizer coisas substanciais sobre uma peça como Eruption. Dentre várias respostas surpreendentemente boas do Chat GPT, selecionei o seguinte trecho: 

Na escuta fenomenológica, o que nos afeta em Eruption não é a forma, mas a presença. Não há aqui forma musical no sentido tradicional, e sim formas da emergência sonora — aquilo que aparece como fenômeno, mas que já desaparece no instante mesmo de sua constituição. A consciência é posta em estado de aceleração: retentio e protensio (retenção e protensão, as estruturas temporais da consciência, em Husserl) são forçadas ao limite. A peça parece nos escapar — e justamente nisso reside sua força fenomenal.

Etc., etc.

02/05/2025