ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

ETC., ETC. Eu dei a dica e o Goulart de Andrade, morto eppur si mouve, pressentiu que a coisa renderia reportagem boa (v. “Mulher rendeira nega viver de renda”). A reportagem: mostrar como está atualmente o prédio do Maksoud Plaza, vulgo Caveirão, sobretudo mostrar o drive in que foi montado na garagem do hotel, o Acapulco Drive In. O Acapulco, que já é um fenômeno da noite dos mortos-vivos paulistanos, é explorado por uma dupla de velhacos, o Espirro (o espanhol do ferro-velho, aquele lá que morreu de gripe espanhola em 1919) e o José Arigó Barnabé, médium dodecafônico e escrevente-psicógrafo de cartório, além de cirurgião doutor-fritz. Então eu, o jornalista Goulart de Andrade e o cinegrafista Capeta chegamos lá e Arigó nos recebeu empunhando uma faca, uma dessas facas de cozinha mesmo, com a qual ele havia acabado de fazer uma complicadíssima cirurgia, a amputação do dedo-duro do Simonal. Etc., etc. Tombado pelo patrimônio histórico, o Caveirão Maksoud, além de abrigar o drive in, também é um conhecido ponto de venda de almas pro demônio (v. “Ibrahim Abraão vende a alma da mãe ao demônio, mas não entrega”). Fomos para a garagem pra ver como estava o movimento do drive in, então eu vi a Variant II da Vera estacionada lá. Nem precisei pensar muito pra deduzir com quem que a ninfomaníaca devia estar dentro do carro. Julinho Safardana, só podia ser. Caminhei até lá e confirmei a suspeita. Ao me ver, ele ficou branco que nem uma ambulância que acabou de sair do lava rápido. 

Bonito, hem? , eu disse, debruçando-me na janela.

Vendo ele e Vera, ali, dentro da Variant, comecei a refletir que existem dois tipos de homem, os Júlios Prestes e os Júlios que não prestam. Existem o Júlio Verne e o Júlio Verme. Etc., etc. O Julinho é meu chapa, mas é inegável que ele é um verme imprestável, essa coisa de ele ir para cima da mulher que eu ando pegando, etc., etc. Hugo Lar (ou seja, Goulart) percebeu o boi de piranha na linha (o boi não sei quem é, a piranha é a Vera) e me perguntou, gravo ou não gravo?, você decide. Eu disse, pode gravar, foda-se. Comando da madrugada apresenta: o corno da madrugada. Hugo Lar de Andrade então apertou o botão rec. Pau na máquina. 

Hoje o Comando do Seu Madruga vai mostrar uma coisa diferente. Portanto, telespectador, senta no quiabo que a coisa é de cair o cu da birúndia. O que eu vou mostrar hoje, filma aí, ô Capeta, o que eu vou mostrar hoje é uma cirurgia espiritual, um transplante, na verdade. Sabe de quê? Há, há... daqui a pouco eu conto. Quem vai receber o órgão doado é essa figura aí, conhecido de todos vocês, Infausto Silva. Não dá pra entrevistá-lo, o Infaustão, porque ele está, naturalmente, anestesiadão. O doadorzão é falecidão, mas aqui está a cédula de identidade dele, filma aqui, Capetão, conseguiu focar? Ó: sou doador de órgãos. Estão reconhecendo a foto? É, é ele mesmo. O Clodovil. Até aí, nada demais, Clodovil Hernandez, doador de órgãos. Muita gente é doadora hoje em dia. E que bom que hoje há essa conscientização. Etc., etc. O intrigante é esse complemento aqui. Conseguiu foco? Aqui, ó: sou doador de órgãos, do-cu-principalmente. (Hugo Lar de Andrade olha para a câmera e faz cara de que achou graça, etc., etc.) Isso, telespectador, isso não teria qualquer relevância, afinal, cada um dá o que tem ou o que acha conveniente dar. Mas por se tratar de uma cirurgia inédita nos anais da medicina, aqui estamos. Portanto, telesprectador, sentra no criabo pro cru não crair da brunda que hoje o Cromando do Seu Madruga vai mostrar o apresentador Infaustão recebrendo um... transprante de cuzão. (Close do doutor Fritz em transe-só-com-camisinha mediúnico, brincando de fazer mágica com o dedo-duro amputado do Simonal, quer-ver-só-eu-arrancar-meu-dedo?, etc., etc.)

17/08/2025


ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

ETC., ETC. Depois de Studio 54 anos vivendo no Itaim-Fonfon e arredores, posso afirmar o seguinte, dois pontos: na vida somos todos maus atores, interpretando papeis ruins, enunciando falas horrorosas num filme sempre péssimo. (Ângela Carne e Osso confessa: “Eu batia na minha mãe”.) Minha atriz pornô preferida da semana é a Clover Baltimore e não preciso explicar por quê. Vejo alguns vídeos daquela bonitona que diz bom dia, porra. Tem alguns engraçados. Mas não dá pra ficar vendo muito, porque logo enche. 

XIDEBA Na reportagem que o Goulart de Andrade fez no Juqueri, em 1987, uma das pacientes, Mitiko, a Japonesa do Juqueri, dizia que gostava muito de xideba, filme poibido, etc. (v. “Um filme de cinema de Rogério Sganzerla.”) Outra paciente, a Dona Léa do Juqueri, natural de Teresina, PI, dizia que todo mundo era de Teresina, PI (v. “O valor do PI do Piauí é 3,14159 trilhões de dólares furados”), exceto o Paulo Maluf, aí a dona Léa dizia que não gostava do Malufo porque ele não tinha deixado nenhum tostão pros brasileiros, etc., etc.

A ORDEM DOS PRODUTOS, ETC., ETC. O certo não seria César Cerqueira em vez de Cerqueira César? (A quem não sabe, Cerqueira César é um suposto bairro em São Paulo, suposto porque eu não sei exatamente onde começa e onde termina.)

UMA NOITE NO URSO BRANCO Eu, Eduardo Haak, morto eppur si muove desde 2007, vou ao Urso Branco, na Avenida São Gabriel. O lugar foi demolido em 1996, mas isso não é impeditivo algum, antes o coloca naquela categoria de coisas cuja presença é fortemente potencializada pela ausência. Começo a conversar com uma mulher que está com um grupo de mulheres, todas voando baixo, dou corda para que ela fale bastante, noto que ela ainda tem restaurações de amálgama nos dentes, não substituídas por restaurações de resina, digo pra ela, deixa eu ver se eu acerto, você morreu em 1990, de leucemia mieloide aguda, acertei?, ela diz, nossa, gato!, como você adivinhou?, etc., etc., mulher normalmente tem pudores com esse assunto, como morreu, mas estamos no Urso Branco, um lugar onde pudor não é moeda corrente.

EI GREGÓRIO DUVIVIER: VÁ TOMAR NO CU Se você gosta dos filmes de cinema do Rogério Sganzerla (v. “O criminal maconheiro”) isso não significa que você é maconheiro e vota no PT. Mas se você gosta daquele filme que mostra o Gregório Duvivier andando pela PUC, jogando um interminável papinho numa fulana, achando que é o Woody Allen, bem, provavelmente você é petista, maconheiro e, sobretudo, um tremendo de um idiota.

FAUSTÃO RECEBE TRANSPLANTE DE CUZÃO DOADO POR CLODOVIL Fausto Silva deveria ter continuado a apresentar programas precários e receber como pagamento uns rangos legais pra ele e pra equipe fornecidos por aquelas cantinas cafonas da Rua 13 de maio. (v. “Devo quatro condomínios, mas minha glicemia está em 340”.) Seu maior erro existencial foi ter ido pra Globo.

HOW TO Fico imaginando o seguinte: um cara cisma porque cisma que quer pegar uma doença venérea, sei lá por que, pra ver como é que é, algo assim. Como é que ele faria? Sair com uma mulher de programa e pagar quatro vezes o valor pra ela fazer sem camisinha? Ainda assim,  não haveria garantia alguma de que ele iria pegar alguma coisa.

O SUJEITO COM MAIS APELIDOS QUE JÁ CONHECI Um sujeito chamado Salvatore, que também era chamado de Salviano (v. “Salve, salve, salviano.”), de Salviclei, de Porky Pig, de Porcão Melecão e de Usina Portátil.

O HOMEM DO SAPATO BRANCO Num quadro de O homem do sapato branco que foi ao ar em 1981 uma mulher oferecia uma recompensa em dinheiro para quem a ajudasse a encontrar um papagaio chamado Oscar, que havia fugido do apartamento dela, na Rua Silvia, Bela Vista, São Paulo. A mulher era secretária do empresário Marcos Lázaro e parecia realmente estar desconsolada com o desaparecimento do papagaio. Gostaria de saber se essa história teve um desfecho feliz.

14/08/2025


ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

ETC., ETC. Eu e o Julinho Safardana vamos dar uma volta com a Vera na Variant II dela, que foi restaurada. Vera morreu em 1982 ao acidentar-se na Giovanni Groncchi. Furou um sinal vermelho, um Opala pegou em cheio sua lateral, politraumatismo, etc., etc. (Quando Vera levou a pancada o rádio da Variant II estava tocando Melô do Piripiri. Até onde se sabe, ela, a nova musa da Boca do Lixo/do Walter Hugo Khouri/do Necrochorume, foi a única pessoa no mundo que passou dessa pra melhor enquanto ouvia uma música da Gretchen.) A Variant II passou quarenta e três anos num ferro velho de um espanhol que morreu de gripe espanhola em 1919. O apelido do espanhol é Atchim. Sim, Atchim, que nem o anão da Branca de Neve. O ferro velho fica num terreno empepinado (briga entre herdeiros, etc.) na fronteira entre Jandira e Itapevi. Os ossos do Atchim foram exumados em 1953 e jogados no ossário coletivo do Araçá. A gente zoa muito com ele por isso: vida boa, hem, Atchim?, só na suruba, com aquelas caveirinhas todas lá (v. Cemitério dos Prazeres, Lisboa, quem foi pra Portugal perdeu o lugar, etc., etc.). Atchim não curte muito essas zoadas nossas. Quer dizer, nossas numas. O Júlio que sempre protagoniza. Diz que quando era vivo o Atchim morava num cortiço de compatriotas no Brás chamado La mierda e que, uma vez morador de cortiço, sempre morador de cortiço (já que o ossário não deixa de ser um cortiço, ou uma suruba, ou uma geral do Maracanã antes da reforma). Etc., etc. Então estamos nós três dando uma volta de Variant II e resolvemos ir dar uma espiada na Rua 25 de março e o Júlio vai com o cotovelo pra fora, janelona aberta, ótimo pra atrair ladrão, e um sujeito parecido com o ator que fazia O homem de seis milhões de dólares furados, carregando umas sacolas dos Armarinhos Fernando, faz que vai atravessar a rua, mas para porque nosso carro parece que bloqueou a passagem dele, e o Julinho diz pro cara, sacudindo o pulso, aê, pé de chinelo, não quer vir aqui roubar não?, é um Patek Philippe, autêntico, vale uns vinte mil dólares, não é coisa de camelô, não, e o sujeito segue em frente, aparentemente não entendendo as palavras e os gestos que lhe foram dirigidos, e depois o Julinho pergunta para um policial militar meio parecido com o Nasi, meio parecido com o Nelson Ned, onde é que dá pra achar cocaína mais em conta ali nas lojas da 25. Etc., etc. Então vemos o Jacinto, o Homem do Sapato Branco, lá no Largo São Bento, de periquito e realejo, como dizia o Nelson Rodrigues, ou seja, Jacintão também está na mierda, precisando tocar realejo pra tirar uns trocos pra pagar o condomínio do túmulo no Quarta Parada porque o filho de uma égua do odorico-paraguaçu de São Paulo, o ninguém-é-prefeito Ricardo Nunes, privatizou os cemitérios e os preços de tudo dispararam e o Julinho diz, altissonante, Jacintããão, só na manivela, hem?, pra defender o dólar furado nosso de cada dia (dólar furado, que é a moeda corrente entre nós, os mortos eppur si mouve, sim-sim, eu morri em 2007, Júlio em 84, Vera em 82, Jacinto em 2007 também), aí a Vera me passa um bilhetinho e abro o bilhete e está escrito nele, puta mala esse seu amigo, hem? Vamos deixar esse cara na casa dele que eu vou te levar a um lugar que você vai adorar, então largamos nosso amigo Júlio que Não Presta em frente à estação Julio Prestes, onde ele poderá brincar bastante de não quer vir aqui roubar, não, seu pé de chinelo? sacudindo o Patek Philippe na cara de indigentes de todos matizes que perambulam por ali, depois vamos lá dar uma força ao Jacinto e tiramos a sorte 250 vezes, depois Vera enfim me leva ao lugar que ela disse que eu ia adorar, um drive in que está funcionando na garagem do encerrado hotel Maksoud Plaza, drive in do qual é sócio, adivinhem quem?, sim-sim, é claro, o Atchim, o espanhol corticeiro surubeiro  (v. “Morri em 1919, mas continuo passando o ferro velho na boneca”). Bem-bem, pessoal, é tarde, eu já vou indo, preciso ir embora, na próxima eu conto tudo ou quase tudo, bye-bye.

08/08/2025


ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak

QUEM BATE CARTÃO NÃO VOTA EM PATRÃO, CONTRA BURGUÊS VOTE 16, ETC. Nunca tinha ouvido falar em Maria Homem. Sei lá como cheguei a um vídeo dela no Instagram. (Algoritmos, etc., etc.) Maria é uma figura enfadonha, sem charme algum, que só diz platitudes. Era mulher do Contardo Calligaris, que uns vinte anos atrás era um badalado comentador, pelo viés psicanalítico, de nossas desgraças, etc., etc. (Uma vez, lá por 2005, eu estava com a Gisela Rao no Frevo da Augusta e ela foi falar com o Contardo. Faço terapia com ele, justificou. Pensei, ingenuamente, puta que pariu, onde é que ela arranja dinheiro para pagar terapia com esse figurão? Dinheiro, dinheiro mesmo, eu sabia que a Gisela não tinha. Eu ainda não entendia como funciona a coisa do capital simbólico, não sabia que esses comunistas de merda vivem à base disso, e de rapapés, e de intermináveis trocas de favores. O que o Contardo não cobrava da Gisela Rao ele certamente compensava cobrando os tubos de alguma paciente perua burguesa idiota, porque burguês, oras, burguês tem mais é que se foder mesmo.) 

BURGUÊS TEM MAIS É QUE SE FODER MESMO, ETC. Estamos em 2017. Vou com o Roberto Bicelli, que segundo o Chacrinha é o maior poeta vivo do Brasil, e com o entourage do maior poeta vivo do Brasil ao D’Amico Piolim. Sei que o Piolim é um restaurante caro à beça, portanto vim prevenido. Na hora de pagar a conta, quase caio pra trás. Desconto de 80%. Pergunto ao Bicelli o porquê daquele desconto. Ele dá uma resposta vaga. Pergunto se é uma gentileza entre comunas, pros camaradas desconto de 90%, pra burguês deslumbrado metido a boêmio acréscimo de 300%. Bicelli não diz nem que sim, nem que não, portanto é claro que é.

WALTER HUGO KHOURI Júlio Barroso, o Safardana, antecipou sua volta ao Brasil trazendo na bagagem um monte daqueles chapéus de camponês vietnamita pra distribuir entre os amigos e um monte de bonecos de vodu para distribuir entre os inimigos (como todos sabemos, o Vietnã é a terra da religião vodu, cujo sumo sacerdote é o compositor de valsinhas e calcinhas eletroacústicas Alfredo Stroessner). Disse pro Júlio que estava saindo com uma gata que andava precisando trabalhar, que ela estava com o condomínio do túmulo no Araçá atrasado, etc. Perguntei se ele ainda tinha algum contato com o Walter Hugo Khouri, o diretor de cinema. Júlio perguntou, todo empolgadinho, quer dizer então que ela é bonita? Eu disse que era, mas que não era pro bico dele. Bonita, jovem (nascida em 1957, morta em 1982, vinte e cinco anos, portanto), fotogênica. Júlio disse que ia contatar o Khouri. Etc., etc. O fato é que ele contatou mesmo, o Khouri respondeu, a gente levou a Vera lá e o Khouri contratou-a na hora para trabalhar em cinco filmes e lhe deu um adiantamento de cinco milhões de dólares furados, que é a moeda corrente no mundo dos mortos eppur si muove. Vera pagou o condomínio atrasado, resolveu restaurar a Variant II na qual ela morreu num acidente  e anda toda empolgada com a perspectiva de vir a ser a nova musa da Boca do Lixo, ou melhor, a nova musa da Boca do Necrochorume.

Bem-bem-bem, meus camaradas, é tarde, eu já vou indo, preciso ir embora, na próxima eu conto mais, tchau.

CAOLHO DOS ARCOS, ETC. “Não procurei o Urubu, nem o Borracha, nem o Zé Pára-Lama, nem o Caolho dos Arcos, nem o Manquitola do Rio Comprido, nem o Manivela da Voluntários, nem o Belzebu dos Infernos, esqueci o automóvel e fui dormir. Pela minha imaginação desfilava um lúgubre cortejo de tipos grotescos, sujos de graxa, caolhos, pernetas, manetas, desdentados, encardidos, toda essa fauna de mecânicos improvisados que já tive de enfrentar, cuja perícia obedece apenas à instigação da curiosidade ou à inspiração do palpite, que é a mais brasileira das instituições.” (Trecho de A quem tiver carro, de Fernando Sabino.)

03/08/2025