POR ONDA ANDA A CONCIERGE DO IGUATEMI? Até meados dos anos 1990 o Iguatemi tinha uma concierge, uma velhota (coroa soa melhor?) gente boa, meio com a pinta da Shirley Valentine. A simpática senhora chegou a ser capa da Veja São Paulo. Eu ia até perguntar, por onde será que anda?, mas, sinceramente, não estou nem aí pro onde-será que a santa senhora anda ou deixa de andar.
BIOGRAFIA DO SHOPPING CENTER IGUATEMI Rogério Sganzerla rodou poucas e boas passagens de seus filmes O bandido da luz vermelha, 1968, e A mulher de todos, 1969, no Shopping Center Iguatemi, São Paulo. Em O bandido etc. há a cena em que J. B. da Silva, Pagano Sobrinho (v. “No meu governo os pobres vão ter o que mascar, vou dar chicletes a todos”), cercado de maus elementos (capangas, nazistas foragidos, etc.), sobe uma das rampas do Iguatemi, a que na época (e até 1988) margeava a Sears. Em A mulher etc. há a cena em que Ângela Carne e Osso (Helena Ignez) sobe de escada rolante chutando a canela do Flávio Asteca (Stênio Garcia), os dois saindo em frente ao que na época era uma das salas de cinema do shopping, espaço hoje ocupado pela Zeiss Vision. (O único outro filme de cinema que tem cenas que foram rodadas no Iguatemi é o S.O.S. Sex Shop, direção de Alberto Salvá, 1984.)
BETWEEN, MY WELL Onde hoje funciona a loja da Ermenegildo Zegna, no terceiro andar do Iguatemi, já funcionou uma aconchegante (escurinha, etc.) e, quando decadente (1987, 88), embaratada lanchonete. Era o Well’s. O Well’s era do Grupo Pão de Açúcar, Abílio Diniz etc., etc.
(Ermenegildo Zegna é um nome, aliás, muito semelhante a Ermelino Matarazzo, já notaram? “Beetween, my well”, “entre, meu bem”, era uma gracinhola do Infausto Silva, o Infaustão, que, aliás, vem se recuperando bem pra chuchu do transplante de cu, cu esse doado por Clô para os íntimos, vil para os desafetos e dou para todos.)
ROLÊ COM O JULINHO SAFARFDANA NO LUGAR QUE NUMA ÉPOCA FOI UMA ESPÉCIE DE ANEXO DO SHOPPING IGUATEMI Vou com o Julinho Safardana ao Cal Center. Não muito tempo antes de ir morar no túmulo mais brega do Brasil, depois de despencar de uma janela na Rua Conselheiro Brotero na infáustica noite de 6 de junho de 1984, o Júlio discotecou numa casa noturna aqui no Cal Center chamada Pauliceia Desvairada. O que em 1983 era uma casa noturna que havia sucedido outra casa noturna, a Discoteca Papagaio, hoje, 2025, é um lugar incógnito, fechado com uma porta estilo daquela que aparece em Convite ao prazer, o filme do Walter Hugo Khouri, aquela porta daquele lugar onde o Roberto Maya leva a mulherada, etc., etc. O Júlio diz que provavelmente o Khouri arrendou o espaço ali e que deve andar fazendo umas surubas nele. Etc., etc. Dos lugares de antigamente aqui no Cal Center, o único que sobrou é a Lanchonete Puppy. De resto, nada. Nem vestígio das três salas de cinema (fora um cineminha fuleiro no andar térreo que só passava filmes de rock, na verdade uma saleta com uns cinquenta lugares, no máximo). Do fliperama do Bafo de Onça. Da loja da London Fog (também no térreo). Mermão, caguei pra Lanchonete Puppy ou fliperama do Bafo de Onça, vamos tocar essa campainha aí, blin-blooonnn, tocar e já, imagina só as mulheres que o Khouri, aquele libanês safado, etc., etc., assim falou o Júlio, fazendo a campainha soar. Quando a porta foi aberta, eu quase caí pra trás com a surpresa...
DESCONVITE AO PRAZER, POR JACITO FIGUERA JUNOR Desde que lançou A execução pública, em 1976, o feinho, mas extraordinário escritor Robert Coover não fazia tanto barulho com um livro. Desconvite ao prazer, seu novo romance, narra a história de Clodovil, um homem que vai atrás dos malfeitores que roubaram seu cu para vendê-lo no mercado negro dos transplantes. Vocês roubaram aquilo que eu teria dado com prazer!, diz Clodovil ao invadir uma clínica clandestina de transplantes localizada num decadente shopping de São Paulo, clínica que usa como disfarce a fachada de uma suposta discoteca remanescente dos anos 1970, a Papagaio Hérnia de Disco Club. O livro já rendeu um processo para Coover, movido pelos herdeiros do cineasta Walter Hugo Khouri, que alegaram que o personagem Walter Hugo Cu, que na história é o chefe do esquema clandestino de venda de órgãos sexuais, é insultuoso à memória de Khouri, a despeito de ser caricatural e farsesco. O escritor Robert Cu ainda não se pronunciou a respeito.
Etc., etc.
06/09/2025
eduardo haak
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
RAPIDINHA COM RITA LEE Olá a todxs e todes e toddys (v. “Prefiro Toddy a tédio”). Hoje iremos – Julinho Safardana, Plínio Marcos (v. “Se Tonha fumou maconha, Tonho fumou maconho”) e eu –, hoje iremos fazer uma entrevista super-rapidinha com a perdedora do Troféu Puta Mulher Chata do Caralho, a cantora Rita Lee Jones.
EU – E aí, Rita, como vai? Decepcionada com a derrota? E, a propósito, como anda a “vida” como morta eppur si muove?
RITA LEE – A vida-morte anda boa à beça, rapá. Voltei a fumar Marlboro, além do maconho e da maconha. E tenho ido a umas festas bacanudas, como aquela que vocês promovem mensalmente no Edifício Joelma, a Tem fogo? Sobre eu não ter ganhado (é assim mesmo, foi ganho, ter ganhado, particípio irregular) o troféu, caguei e andei. Tenho a morte inteira pela frente pra ganhar essa porra de prêmio.
BIOGRAFIA DE RITA LEE Rita Lee Jim Jones nasceu em Jonestown, na Guiana, 18 de novembro de 1978. Como era réveillon na vibrante e cosmopolita Jonestown, em vez de leite materno NAN da Nestlé a primeira bebida que Jim Jones bebeu foi champanhe. A segunda, vodca nacional com energético. E a terceira, suco de uva com cianeto.
BIOGRAFIA DE RITA LEE Rita foi reprovada dezoito vezes na prova prática para tirar carteira de motorista de disco voador. Na décima nona, ela escorregou numa notinha de cien dólares para o examinador cubano-marciano ávido por dólares, que só então a aprovou, usando os cien dólares para construir um disco voador bote inflável pra fugir de Cuba pra Miami.
SESSÕES ESPÍRITAS Dizem que Rita Lee Jones, autora e intérprete do sucesso O ébrio, tem comparecido em espírito a inúmeras sessões espíritas, notadamente nas brincadeiras do copo, e que ela sempre reclama, beleza, o copo já está aqui, mas cadê, ic!, a garrafa?
RITA LEE AMARAL NETTO, O REPÓRTER Está dando mais que chuchu na serra o que falar a reportagem de Rita Lee sobre os despachos de macumba que têm sido feitos no túmulo da família do influenciador digital catarinense Alemão Batata Come Queijo com Barata. Alemão tem postado vídeos em que sempre aparece furioso, removendo do túmulo velas de ignição NGK, farofa-fá (v. “Comprei um quilo de farinha”, etc.), caixas de leite integral Piracanjuba, etc. Por causa disso o mein fürreca tem sido acusado de intolerância religiosa à lactose. Eu dois pra lá dois pra cá com meus botões dou total apoio ao Alemão Batata. Candomblecistas, macumbeiros e despachantes em geral: vão fazer macumba lá no túmulo da vovozinha de vocês, beleza?
ENCHEU ESSA COISA DE RITA LEE, NÃO ENCHEU? Encheu, totalmente. Minha maledicência é volúvel. Então fiquei pensando, de quem vou falar mal agora? Aí me veio a Astrid Fontenelle. Sim, falar mal da Astrid. Eu não tinha nenhuma opinião sobre a Astrid até uma vez em que ela foi fazer uma reportagem com o Zé Rodrix e o Tico Terpins, provavelmente no estúdio de jingle bells A Voz do Brasil. Uma hora lá Rodrix foi para o piano e ele e Terpins começaram a cantar Um trem passou por aqui, uma música que eles compuseram em homenagem ao Roberto Carlos: eu vou contar a história da perna que eu tinha, e que eu perdi num desastre nos trilhos da vida, etc., etc. Astrid ficou fazendo de conta que estava achando engraçadíssima a música, fingindo que estava rindo muito, quando era óbvio que não estava achando qualquer graça, mas era conveniente fingir que estava, etc., etc.
EI, DIG VERARDI: VÁ TOMAR NO CU Dig é mais um humorista não só totalmente sem graça, mas francamente irritante que cai nas graças do público de esquerda. O porquê disso, o pendor da esquerda por bolhas metidos a engraçadinhos (a começar por Ari Toledo, cria do Teatro de Arena) é algo a ser estudado pra tirar cinco na prova e passar raspando.
RITA LEE FOI PASSEAR, VINTE ANOS NAMORAR TALVEZ, ETC. Bom, pessoal, é tarde, eu já vou indo, preciso ir embora, depois eu conto o resto, ou conto porra nenhuma, vocês que vão todos pra puta que pariu, etc., etc.
31/08/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ETC., ETC. Eu dei a dica e o Goulart de Andrade, morto eppur si mouve, pressentiu que a coisa renderia reportagem boa (v. “Mulher rendeira nega viver de renda”). A reportagem: mostrar como está atualmente o prédio do Maksoud Plaza, vulgo Caveirão, sobretudo mostrar o drive in que foi montado na garagem do hotel, o Acapulco Drive In. O Acapulco, que já é um fenômeno da noite dos mortos-vivos paulistanos, é explorado por uma dupla de velhacos, o Espirro (o espanhol do ferro-velho, aquele lá que morreu de gripe espanhola em 1919) e o José Arigó Barnabé, médium dodecafônico e escrevente-psicógrafo de cartório, além de cirurgião doutor-fritz. Então eu, o jornalista Goulart de Andrade e o cinegrafista Capeta chegamos lá e Arigó nos recebeu empunhando uma faca, uma dessas facas de cozinha mesmo, com a qual ele havia acabado de fazer uma complicadíssima cirurgia, a amputação do dedo-duro do Simonal. Etc., etc. Tombado pelo patrimônio histórico, o Caveirão Maksoud, além de abrigar o drive in, também é um conhecido ponto de venda de almas pro demônio (v. “Ibrahim Abraão vende a alma da mãe ao demônio, mas não entrega”). Fomos para a garagem pra ver como estava o movimento do drive in, então eu vi a Variant II da Vera estacionada lá. Nem precisei pensar muito pra deduzir com quem que a ninfomaníaca devia estar dentro do carro. Julinho Safardana, só podia ser. Caminhei até lá e confirmei a suspeita. Ao me ver, ele ficou branco que nem uma ambulância que acabou de sair do lava rápido.
Bonito, hem? , eu disse, debruçando-me na janela.
Vendo ele e Vera, ali, dentro da Variant, comecei a refletir que existem dois tipos de homem, os Júlios Prestes e os Júlios que não prestam. Existem o Júlio Verne e o Júlio Verme. Etc., etc. O Julinho é meu chapa, mas é inegável que ele é um verme imprestável, essa coisa de ele ir para cima da mulher que eu ando pegando, etc., etc. Hugo Lar (ou seja, Goulart) percebeu o boi de piranha na linha (o boi não sei quem é, a piranha é a Vera) e me perguntou, gravo ou não gravo?, você decide. Eu disse, pode gravar, foda-se. Comando da madrugada apresenta: o corno da madrugada. Hugo Lar de Andrade então apertou o botão rec. Pau na máquina.
Hoje o Comando do Seu Madruga vai mostrar uma coisa diferente. Portanto, telespectador, senta no quiabo que a coisa é de cair o cu da birúndia. O que eu vou mostrar hoje, filma aí, ô Capeta, o que eu vou mostrar hoje é uma cirurgia espiritual, um transplante, na verdade. Sabe de quê? Há, há... daqui a pouco eu conto. Quem vai receber o órgão doado é essa figura aí, conhecido de todos vocês, Infausto Silva. Não dá pra entrevistá-lo, o Infaustão, porque ele está, naturalmente, anestesiadão. O doadorzão é falecidão, mas aqui está a cédula de identidade dele, filma aqui, Capetão, conseguiu focar? Ó: sou doador de órgãos. Estão reconhecendo a foto? É, é ele mesmo. O Clodovil. Até aí, nada demais, Clodovil Hernandez, doador de órgãos. Muita gente é doadora hoje em dia. E que bom que hoje há essa conscientização. Etc., etc. O intrigante é esse complemento aqui. Conseguiu foco? Aqui, ó: sou doador de órgãos, do-cu-principalmente. (Hugo Lar de Andrade olha para a câmera e faz cara de que achou graça, etc., etc.) Isso, telespectador, isso não teria qualquer relevância, afinal, cada um dá o que tem ou o que acha conveniente dar. Mas por se tratar de uma cirurgia inédita nos anais da medicina, aqui estamos. Portanto, telesprectador, sentra no criabo pro cru não crair da brunda que hoje o Cromando do Seu Madruga vai mostrar o apresentador Infaustão recebrendo um... transprante de cuzão. (Close do doutor Fritz em transe-só-com-camisinha mediúnico, brincando de fazer mágica com o dedo-duro amputado do Simonal, quer-ver-só-eu-arrancar-meu-dedo?, etc., etc.)
17/08/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ETC., ETC. Depois de Studio 54 anos vivendo no Itaim-Fonfon e arredores, posso afirmar o seguinte, dois pontos: na vida somos todos maus atores, interpretando papeis ruins, enunciando falas horrorosas num filme sempre péssimo. (Ângela Carne e Osso confessa: “Eu batia na minha mãe”.) Minha atriz pornô preferida da semana é a Clover Baltimore e não preciso explicar por quê. Vejo alguns vídeos daquela bonitona que diz bom dia, porra. Tem alguns engraçados. Mas não dá pra ficar vendo muito, porque logo enche.
XIDEBA Na reportagem que o Goulart de Andrade fez no Juqueri, em 1987, uma das pacientes, Mitiko, a Japonesa do Juqueri, dizia que gostava muito de xideba, filme poibido, etc. (v. “Um filme de cinema de Rogério Sganzerla.”) Outra paciente, a Dona Léa do Juqueri, natural de Teresina, PI, dizia que todo mundo era de Teresina, PI (v. “O valor do PI do Piauí é 3,14159 trilhões de dólares furados”), exceto o Paulo Maluf, aí a dona Léa dizia que não gostava do Malufo porque ele não tinha deixado nenhum tostão pros brasileiros, etc., etc.
A ORDEM DOS PRODUTOS, ETC., ETC. O certo não seria César Cerqueira em vez de Cerqueira César? (A quem não sabe, Cerqueira César é um suposto bairro em São Paulo, suposto porque eu não sei exatamente onde começa e onde termina.)
UMA NOITE NO URSO BRANCO Eu, Eduardo Haak, morto eppur si muove desde 2007, vou ao Urso Branco, na Avenida São Gabriel. O lugar foi demolido em 1996, mas isso não é impeditivo algum, antes o coloca naquela categoria de coisas cuja presença é fortemente potencializada pela ausência. Começo a conversar com uma mulher que está com um grupo de mulheres, todas voando baixo, dou corda para que ela fale bastante, noto que ela ainda tem restaurações de amálgama nos dentes, não substituídas por restaurações de resina, digo pra ela, deixa eu ver se eu acerto, você morreu em 1990, de leucemia mieloide aguda, acertei?, ela diz, nossa, gato!, como você adivinhou?, etc., etc., mulher normalmente tem pudores com esse assunto, como morreu, mas estamos no Urso Branco, um lugar onde pudor não é moeda corrente.
EI GREGÓRIO DUVIVIER: VÁ TOMAR NO CU Se você gosta dos filmes de cinema do Rogério Sganzerla (v. “O criminal maconheiro”) isso não significa que você é maconheiro e vota no PT. Mas se você gosta daquele filme que mostra o Gregório Duvivier andando pela PUC, jogando um interminável papinho numa fulana, achando que é o Woody Allen, bem, provavelmente você é petista, maconheiro e, sobretudo, um tremendo de um idiota.
FAUSTÃO RECEBE TRANSPLANTE DE CUZÃO DOADO POR CLODOVIL Fausto Silva deveria ter continuado a apresentar programas precários e receber como pagamento uns rangos legais pra ele e pra equipe fornecidos por aquelas cantinas cafonas da Rua 13 de maio. (v. “Devo quatro condomínios, mas minha glicemia está em 340”.) Seu maior erro existencial foi ter ido pra Globo.
HOW TO Fico imaginando o seguinte: um cara cisma porque cisma que quer pegar uma doença venérea, sei lá por que, pra ver como é que é, algo assim. Como é que ele faria? Sair com uma mulher de programa e pagar quatro vezes o valor pra ela fazer sem camisinha? Ainda assim, não haveria garantia alguma de que ele iria pegar alguma coisa.
O SUJEITO COM MAIS APELIDOS QUE JÁ CONHECI Um sujeito chamado Salvatore, que também era chamado de Salviano (v. “Salve, salve, salviano.”), de Salviclei, de Porky Pig, de Porcão Melecão e de Usina Portátil.
O HOMEM DO SAPATO BRANCO Num quadro de O homem do sapato branco que foi ao ar em 1981 uma mulher oferecia uma recompensa em dinheiro para quem a ajudasse a encontrar um papagaio chamado Oscar, que havia fugido do apartamento dela, na Rua Silvia, Bela Vista, São Paulo. A mulher era secretária do empresário Marcos Lázaro e parecia realmente estar desconsolada com o desaparecimento do papagaio. Gostaria de saber se essa história teve um desfecho feliz.
14/08/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ETC., ETC. Eu e o Julinho Safardana vamos dar uma volta com a Vera na Variant II dela, que foi restaurada. Vera morreu em 1982 ao acidentar-se na Giovanni Groncchi. Furou um sinal vermelho, um Opala pegou em cheio sua lateral, politraumatismo, etc., etc. (Quando Vera levou a pancada o rádio da Variant II estava tocando Melô do Piripiri. Até onde se sabe, ela, a nova musa da Boca do Lixo/do Walter Hugo Khouri/do Necrochorume, foi a única pessoa no mundo que passou dessa pra melhor enquanto ouvia uma música da Gretchen.) A Variant II passou quarenta e três anos num ferro velho de um espanhol que morreu de gripe espanhola em 1919. O apelido do espanhol é Atchim. Sim, Atchim, que nem o anão da Branca de Neve. O ferro velho fica num terreno empepinado (briga entre herdeiros, etc.) na fronteira entre Jandira e Itapevi. Os ossos do Atchim foram exumados em 1953 e jogados no ossário coletivo do Araçá. A gente zoa muito com ele por isso: vida boa, hem, Atchim?, só na suruba, com aquelas caveirinhas todas lá (v. Cemitério dos Prazeres, Lisboa, quem foi pra Portugal perdeu o lugar, etc., etc.). Atchim não curte muito essas zoadas nossas. Quer dizer, nossas numas. O Júlio que sempre protagoniza. Diz que quando era vivo o Atchim morava num cortiço de compatriotas no Brás chamado La mierda e que, uma vez morador de cortiço, sempre morador de cortiço (já que o ossário não deixa de ser um cortiço, ou uma suruba, ou uma geral do Maracanã antes da reforma). Etc., etc. Então estamos nós três dando uma volta de Variant II e resolvemos ir dar uma espiada na Rua 25 de março e o Júlio vai com o cotovelo pra fora, janelona aberta, ótimo pra atrair ladrão, e um sujeito parecido com o ator que fazia O homem de seis milhões de dólares furados, carregando umas sacolas dos Armarinhos Fernando, faz que vai atravessar a rua, mas para porque nosso carro parece que bloqueou a passagem dele, e o Julinho diz pro cara, sacudindo o pulso, aê, pé de chinelo, não quer vir aqui roubar não?, é um Patek Philippe, autêntico, vale uns vinte mil dólares, não é coisa de camelô, não, e o sujeito segue em frente, aparentemente não entendendo as palavras e os gestos que lhe foram dirigidos, e depois o Julinho pergunta para um policial militar meio parecido com o Nasi, meio parecido com o Nelson Ned, onde é que dá pra achar cocaína mais em conta ali nas lojas da 25. Etc., etc. Então vemos o Jacinto, o Homem do Sapato Branco, lá no Largo São Bento, de periquito e realejo, como dizia o Nelson Rodrigues, ou seja, Jacintão também está na mierda, precisando tocar realejo pra tirar uns trocos pra pagar o condomínio do túmulo no Quarta Parada porque o filho de uma égua do odorico-paraguaçu de São Paulo, o ninguém-é-prefeito Ricardo Nunes, privatizou os cemitérios e os preços de tudo dispararam e o Julinho diz, altissonante, Jacintããão, só na manivela, hem?, pra defender o dólar furado nosso de cada dia (dólar furado, que é a moeda corrente entre nós, os mortos eppur si mouve, sim-sim, eu morri em 2007, Júlio em 84, Vera em 82, Jacinto em 2007 também), aí a Vera me passa um bilhetinho e abro o bilhete e está escrito nele, puta mala esse seu amigo, hem? Vamos deixar esse cara na casa dele que eu vou te levar a um lugar que você vai adorar, então largamos nosso amigo Júlio que Não Presta em frente à estação Julio Prestes, onde ele poderá brincar bastante de não quer vir aqui roubar, não, seu pé de chinelo? sacudindo o Patek Philippe na cara de indigentes de todos matizes que perambulam por ali, depois vamos lá dar uma força ao Jacinto e tiramos a sorte 250 vezes, depois Vera enfim me leva ao lugar que ela disse que eu ia adorar, um drive in que está funcionando na garagem do encerrado hotel Maksoud Plaza, drive in do qual é sócio, adivinhem quem?, sim-sim, é claro, o Atchim, o espanhol corticeiro surubeiro (v. “Morri em 1919, mas continuo passando o ferro velho na boneca”). Bem-bem, pessoal, é tarde, eu já vou indo, preciso ir embora, na próxima eu conto tudo ou quase tudo, bye-bye.
08/08/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
QUEM BATE CARTÃO NÃO VOTA EM PATRÃO, CONTRA BURGUÊS VOTE 16, ETC. Nunca tinha ouvido falar em Maria Homem. Sei lá como cheguei a um vídeo dela no Instagram. (Algoritmos, etc., etc.) Maria é uma figura enfadonha, sem charme algum, que só diz platitudes. Era mulher do Contardo Calligaris, que uns vinte anos atrás era um badalado comentador, pelo viés psicanalítico, de nossas desgraças, etc., etc. (Uma vez, lá por 2005, eu estava com a Gisela Rao no Frevo da Augusta e ela foi falar com o Contardo. Faço terapia com ele, justificou. Pensei, ingenuamente, puta que pariu, onde é que ela arranja dinheiro para pagar terapia com esse figurão? Dinheiro, dinheiro mesmo, eu sabia que a Gisela não tinha. Eu ainda não entendia como funciona a coisa do capital simbólico, não sabia que esses comunistas de merda vivem à base disso, e de rapapés, e de intermináveis trocas de favores. O que o Contardo não cobrava da Gisela Rao ele certamente compensava cobrando os tubos de alguma paciente perua burguesa idiota, porque burguês, oras, burguês tem mais é que se foder mesmo.)
BURGUÊS TEM MAIS É QUE SE FODER MESMO, ETC. Estamos em 2017. Vou com o Roberto Bicelli, que segundo o Chacrinha é o maior poeta vivo do Brasil, e com o entourage do maior poeta vivo do Brasil ao D’Amico Piolim. Sei que o Piolim é um restaurante caro à beça, portanto vim prevenido. Na hora de pagar a conta, quase caio pra trás. Desconto de 80%. Pergunto ao Bicelli o porquê daquele desconto. Ele dá uma resposta vaga. Pergunto se é uma gentileza entre comunas, pros camaradas desconto de 90%, pra burguês deslumbrado metido a boêmio acréscimo de 300%. Bicelli não diz nem que sim, nem que não, portanto é claro que é.
WALTER HUGO KHOURI Júlio Barroso, o Safardana, antecipou sua volta ao Brasil trazendo na bagagem um monte daqueles chapéus de camponês vietnamita pra distribuir entre os amigos e um monte de bonecos de vodu para distribuir entre os inimigos (como todos sabemos, o Vietnã é a terra da religião vodu, cujo sumo sacerdote é o compositor de valsinhas e calcinhas eletroacústicas Alfredo Stroessner). Disse pro Júlio que estava saindo com uma gata que andava precisando trabalhar, que ela estava com o condomínio do túmulo no Araçá atrasado, etc. Perguntei se ele ainda tinha algum contato com o Walter Hugo Khouri, o diretor de cinema. Júlio perguntou, todo empolgadinho, quer dizer então que ela é bonita? Eu disse que era, mas que não era pro bico dele. Bonita, jovem (nascida em 1957, morta em 1982, vinte e cinco anos, portanto), fotogênica. Júlio disse que ia contatar o Khouri. Etc., etc. O fato é que ele contatou mesmo, o Khouri respondeu, a gente levou a Vera lá e o Khouri contratou-a na hora para trabalhar em cinco filmes e lhe deu um adiantamento de cinco milhões de dólares furados, que é a moeda corrente no mundo dos mortos eppur si muove. Vera pagou o condomínio atrasado, resolveu restaurar a Variant II na qual ela morreu num acidente e anda toda empolgada com a perspectiva de vir a ser a nova musa da Boca do Lixo, ou melhor, a nova musa da Boca do Necrochorume.
Bem-bem-bem, meus camaradas, é tarde, eu já vou indo, preciso ir embora, na próxima eu conto mais, tchau.
CAOLHO DOS ARCOS, ETC. “Não procurei o Urubu, nem o Borracha, nem o Zé Pára-Lama, nem o Caolho dos Arcos, nem o Manquitola do Rio Comprido, nem o Manivela da Voluntários, nem o Belzebu dos Infernos, esqueci o automóvel e fui dormir. Pela minha imaginação desfilava um lúgubre cortejo de tipos grotescos, sujos de graxa, caolhos, pernetas, manetas, desdentados, encardidos, toda essa fauna de mecânicos improvisados que já tive de enfrentar, cuja perícia obedece apenas à instigação da curiosidade ou à inspiração do palpite, que é a mais brasileira das instituições.” (Trecho de A quem tiver carro, de Fernando Sabino.)
03/08/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
AUDITÓRIO Piano piece 1952, Morton Feldman.
VOMITÓRIO Aos oito anos descobri essa palavra no dicionário. Não li suas definições e, fazendo uma analogia indevida com auditório/áudio, lugar onde as pessoas ouvem, imaginei um lugar aonde as pessoas iam chamar o Hugo, etc.
UTARIA IPIRANGA Ando pela Rua Tabapuã e olho de relance a fachada de um lugar, utaria Ipiranga, completo imaginativamente, Putaria Ipiranga, não é, é claro, é frutaria. Distraio-me imaginando se as coisas fossem chamadas por seus nomes verdadeiros, putaria, clínica de aborto, etc.
X. XXXXXX FOI TORTURADA NO MIJÔNCIO DE DOUTOR PHIBES X. Xxxxxx era uma servente do Gracinha, Escola Nossa Senhora das Graças, Rua Tabapuã, 303. A origem do nome? Um dia um colega nosso queria comprar alguma coisa na cantina da escola, estava sem dinheiro e decidiu pedir emprestado para uma das serventes lá. A servente, é óbvio, disse que não tinha e o colega nosso, todo contrariadinho, retrucou, vai regular essa mixaria, X. Xxxxxx? (Esse colega veio a ser uma figura destacada no PC do B. Comunista não presta desde pequeno, etc., etc.)
ITAIM-BIBI, O BAIRRO QUE, SEGUNDO AQUELA CORRETORA DE IMÓVEIS GOSTOSINHA PARECIDA COM A LALA DEHEINZELIN, É PRO PESSOAL QUE “ESTÁ VOANDO” Acho ultra Eudes (“os colega da firrrma”) esse papo 2025 de que o Itaim-Bibi é um bairro só de carrões e de Faria Limers e de apartamentões absurdamente caros e de mulheres absurdamente bonitas (porque rico não casa com bagulho, etc.). Deem uma chegada no botequim do Bahia (Tabapuã entre Clodomiro e Iguatemi) qualquer hora dessas e vejam o Itaim-Bibi trash, pinguços, sujeitos barrigudos fumando Chesterfield (v. “Pega bem fumar Dallas”), mulheres feias pra danar, etc.
OZZY OSBOURNE MORDE IVAN LINS E aí, o que foi feito com o cadáver do Ozzy? Enterraram? Cremaram? Mumificaram como o Lênin? Tem essa coisa hoje em dia, essa coisa meio cuzona de que a família não informou a causa da morte, nem se divulga onde o sujeito foi comer capim pela raiz. Tem alguma motivação jurídica nisso? A propósito, onde foi enterrado o Francisco Cuoco? Deviam divulgar, pô, pras velhas noveleiras irem lá no túmulo deixar bilhetinhos com pedidos, quero uma dentadura e uma cadeira de rodas, e depois irem lá colar aquelas plaquinhas, agradeço o Francisco Cuoco pela graça alcançada.
RUBEM FONSECA A escolha, o conto que abre o livro Pequenas criaturas, lançado pelo Rubem em 2002, é a escolha que um sujeito tem de fazer entre uma dentadura e uma cadeira de rodas. O conto é soberbo. Acho-o tão absolutamente perfeito que cheguei a decorá-lo, inteirinho.
MIJÔNCIO Mijôncio é aquela privada de parede que fez o artista plástico mijão Marcel Duchamp ficar mundialmente famoso. (E que deitou jurisprudência para que qualquer picareta que não sabe desenhar nem aquele desenho de criança, casinha e solzinho sorridente no canto da folha, fique mundialmente famoso como artista plástico.)
COSTINHA, O PERÚ (SIC) DA FESTA OU: PIADAS DO SÉCULO PASSADO Aquela lá que um sujeito diz que vai dar mil fodas num picadeiro, consegue dar só novecentas e noventa e nove, é chamado de bicha pela plateia e, tentando se explicar para o enfurecido dono do circo, diz não saber o que aconteceu, já que no ensaio foi tudo tão bem, etc., etc.
29/07/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
SACANAGENS E HUMILHAÇÕES NA TV DO SÍLVIO SANTOS Era o subtítulo do livro da Adelaide Carraro O passado ainda dói. Li umas páginas, procurando as sacanagens e humilhações. Não tinha nada. Adelaide fazia uma vaga denúncia de uma besteira qualquer lá seguida de um falatório interminável puxando o saco do Sílvio.
ALUCINAÇÃO É o nome de um disco do Belchior Geezer Butler, o baixista autista da banda Black Rio Sabbath. A música mais legal do disco é aquela lá, Boi com medo de avião. Etc., etc. Alucinação também é percepção sem objeto. Uma vez eu estava no Guarujá, janeiro de 1981, e vi um gordão (v. Hey gordão, Joelho de Porco) fumando o que me pareceu ser um grosso toco de carvão. Não sei como, entre aspas, soube que o tal toco de carvão fumável se chamava brota. Anos depois pesquisei se existia isso. Google, ChatGPT e Belchior me garantiram que não. Sei lá. Deve ter sido alucinação minha.
O TÚMULO QUE CHORA É outro livro da Adelaide Exame de Escarro. Esse eu não folheei. Talvez tenha comprado em 2002, 2003, todos livros da Adelaide eram vendidos a preço de banana naquele saldão que existia na Rua Augusta. A propósito de túmulos, finalmente algum mané fotografou e postou uma foto do túmulo do Sílvio Santos. Nada de bilhetinhos pedindo coisas pro SS (Shutzstaffel) nem plaquinhas dizendo agradeço o Sílvio Santos pela graça alcançada.
PERDA DE TEMPO Soube de uma banda chamada Sophia Ursinho Blau-Blau e uma Enorme Perda de Tempo. Perda de Tempo era o nome da banda que o hoje jornalista musical José Norberto Flesch teve nos anos 1980-90. O Perda do Beto Flesch inclusive abriu os dois shows que o Die Toten Hosen fez aqui em São Paulo em 1992.
JOHNNY AND THE MOONDOGS Nunca ouvi ninguém dizer isso, mas é só olhar para as capas de Rubber soul e Revolver que você vê que o Klaus Voormann fez os desenhos dos rostos de John, Paul, etc., para o Revolver a partir da foto do Rubber soul.
1992 Estou parado no trânsito, na Rua Machado de Assis, Aclimação. Vim pegar meu carro numa oficina. O trânsito está assim porque a Paulista está bloqueada, os caras-pintadas estão lá, brincando de Anos rebeldes, inclusive o carro de som está tocando ininterruptamente Alergia, Alergia.
Etc., etc.
CAPAS DE PLAYBOY QUE ABSURDAMENTE NÃO EXISTIRAM Betty Lago, em setembro de 1992. Toda mulher bonita tem um apogeu enquanto mulher e enquanto bonita. Sem dúvida que o de Betty foi na série Anos rebeldes, absurdamente linda dirigindo um lindo Karmann-Ghia e botando um lindo par de chifres no José Wilker com o Kadu Moliterno, o professor barbudinho-comunista de sua filha até que gostosinha, etc., etc.
HO CHI MINH, AMANHÃ VOCHÊ Julinho Safardana me manda um cartão postal de Ho Chi Minh City, no Vietnã. Diz que está levantando um grana gorda por lá (v. Wilza Carla na propaganda do Banco Safra, 1977), jogando roleta russa com o Christopher Walken e com um japa que fica gritando mao! e lhe dando bofetadas na cara o tempo todo. Eventualmente uma bala lhe atravessa o crânio, o que o obriga a ter de comprar um cérebro novo, pagar para algum neurologista meio picareta instalá-lo, etc. Diz o Safardana que lá por setembro chove? ele deve estar de volta. Sentemos e aguardemos.
(Duas figuras do Itaim-Bibi dos velhos tempos. A Maria do Lenço, vendedora ambulante de bilhetes da Loteria Federal, parecidíssima com a escultura Queenie II, do Duane Hanson. A Cacilda, vendedora ambulante de Yakult. Sim, sou do tempo em que Yakult não tinha no mercado, era vendido de porta em porta.)
Etc., etc.
20/07/1992
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
FALOU E DISSE Nós, tão cansados da opacidade de nossas vidas e sem mais nenhuma palavra furiosa para dizer, podemos simplesmente pegar um carro e sair dirigindo por aí, Steppin’out, Joe Jackson, 1982.
OUÇO Palais de Mari, Morton Feldman, 1986.
OLAVO TEM RAZÃO, ETC. Um daqueles momentos extraordinários que redimem as coisas estúpidas que Olavo disse a partir do True outspeak (redimem se você não é um idiota que se acha muito esperto por causa de história de terra plana e adoçante de Pepsi feito com fetos humanos abortados). No vídeo Olavo discorre sobre a origem gnóstica do traço fundamental da cultura contemporânea (século XIX para cá, digamos) que é ignorar a liberdade humana como força determinante de eventos históricos.
https://youtu.be/4oqrLyGUfU8?feature=shared
FELIZ ANO VELHO, ETC. Virou ópera do Tim Rescala o livro do Paiva. Tim Rescala? Tim Rescala é jogo duro, mermão. Quando eu era um jovem ingênuo que, hum, de certa forma até me deixava levar por estereótipos de gênios malucos (Einstein mostrando a língua, etc.), isso lá por 1988, vi um disco do Tim, achei que ele era um gênio maluco (careca de óculos, ar de nerd, etc.) e comprei o disco. O disco era uma merda. (Fui procurar o disco, na minha memória a capa mostrava o Tim com um daqueles capacetes de peão de obra, não achei. Ué, será que estou confundindo com outro?)
(Achei o disco. É a trilha de um filme chamado Por incrível que pareça, 1985, em que Rescala foi ator. A trilha não é dele. Esse b.o., portanto, não é do Tim. O filme, de qualquer forma, é péssimo.)
VÁ SE FODER, ETC. Creio que chegamos a um nível irreversível de estupidez quando Albert Einstein, com aquela cara de cachorro que ele tinha, virou a imagem, o signo visual da genialidade. Aliás, o tremendo sucesso da cara do Einstein, sua transformação em ícone, ocorreu não porque ela sugira inteligência, vivacidade, wit, mas porque sugere um cachorro babão.
PAPAI NOEL INADIMPLENTE, NÃO ME INTERESSA, EU QUERO MEU PRESENTE Acho que fiquei bronqueado com essa coisa de Albert Einstein porque, aquelas coisas, ia mal em matemática – ir mal em matemática era um clichê de classe média dos anos 1980, como maconha, psicanálise, a cura do câncer, leia Kardec, etc. –, um puta clima de merda em casa por causa disso, aí toca fazer aula particular, um imenso investimento de energia para tentar evitar que o Chá-Chá-Chá ficasse nervoso, etc., aí umas cogitações do tipo, ah, se eu fosse o Albert Einstein não ia ter essa encheção, ia tirar dez na prova, ia poder ir ao Mappin agora comprar a merda da guitarra Retson, porque só ganha presente de Natal se passar de ano, se repetir vai pro colégio do estado e vai trabalhar porque eu não sustento vagabundo, etc., aí, putz, ser Einstein, bolar o e=mc ao quadrado, etc., etc., só pra passar de ano direto e comprar a tal da guitarra Retson? Não há uma, hum, tremenda desproporção nisso tudo?
É DOS CARECAS QUE ELAS GOSTAM MAIS, SOBRETUDO SE FOR UM CARECA MONTADO NA BUFUNFA, ETC. Michel Foucault estava montado na razão quando dizia que em 99% das vezes o Eudes e a Rose não falam, mas são falados pela linguagem, pelo automatismo cretino da geração de frases, etc.
Etc., etc.
16/07/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
MORTOS EPPUR SI MUOVE Vou a uma festa no mezanino do Conjunto Zarvos, o lugar onde o Gabriele Tinti dispensa a namorada mala em Noite vazia. Vejo um cartão postal de propaganda que está largado sobre o balcão do bar, 1984: o grande irmão está de olho é na botique dela. Perto do balcão está uma mulher jovem, trinta anos presumidos, com quem eu acho que tive algum contato no Orkut quando estávamos vivos (eu morri em 2007, etc.). Num dos conjuntos comerciais anexos ao mezanino Alexandre Von Baumgarten e Newton Cruz autografam o livro Yellow cake (Newton prefaciou, etc., etc.). Chego à mulher, vou perguntar se foi ela que uma vez me levou pra casa dela, na Rua Vitorino Carmilo, etc., dou uma batida em seu ombro, ela se vira e olha para mim e eu começo a falar.
https://apartamentoseduardohaak.blogspot.com/2018/07/manha.html
ZEIBAR’S E METROPOLIS Fui uma vez em cada. Ficavam um ao lado do outro, no final da Paulista. Diziam que eram lugares bons pra pegar mulher. E lá fui eu, no furor dos meus trinta e três anos, 2004, pegar mulher. O Zeibar’s estava vazio, exceto por um sujeito parecido com o Márcio Canuto, o repórter da Globo, que dançava com duas mulheres com pinta de pilantronas. Etc., etc. Fui para o Metropolis. Bar grande com música ao vivo. Música ao vivo sempre é um péssimo prenúncio. (Dizem que o inferno está cheio de músicos amadores. E eu acrescento que está repleto de músicos profissionais que tocam em bar.) (v. David Goodis, Atire no pianista, etc., etc.) (Uma vez só a tal da música ao vivo me impressionou bem, uma banda acústica tocando Alice in Chains no O’Malley’s, em 2008.) Encostei numa parede do Metropolis e fiquei ali, avaliando a mercadoria. O.k., tinha mulher. Quantitativamente até que o.k., qualitativamente a mesma média de sempre, num grupo de cem, duas bonitas. E a banda castigando U2 e Rolling Stones, e um gordão meio parecido com o Stepan Nercessian encharcado de suor (cocaína, etc.) que insistia em ficar dançando e esbarrando numa mesa com dois casais cafonas, até que um dos sujeitos cafonas enquadrou o Stepan doidão e o Stepan, depois de rosnar e latir um pouco, colocou o galho dentro.
EDU LOBO Tento ouvir algumas coisas do Edu Lobo enquanto faço musculação. (Pull over é um exercício para latíssimo do dorso ou para peito? O Tiozão do Fitness diz que o peitoral fica em isometria no pull over. Etc., etc.) Deixo tocar uma playlist. Sei lá, bróder. Ponteio é vibrante. Vento bravo idem. E só. Alguma coisa na maior parte das músicas de Edu Lobo não me vai. Parecem músicas do Tom Jobim que não deram certo. Arrastam-se. Depois de ouvir você não consegue se lembrar do que ouviu. (Lembro-me do episódio em que Edu Lobo e Eleazar de Carvalho se atritaram, porque o Edu Lobo queria que os músicos da orquestra que o Eleazar regia se vestissem de índios para tocar uma peça dele. Etc., etc.)
(Pra mim o placar nesse jogo foi Eleazar um, Edu Lobo zero.)
CORRE, COTIA Corro pela Faria Lima até a Pedroso de Morais, depois Rua Natingui, depois a escadaria da Travessa Tim Maia, depois Rua Paulistânia, depois Avenida Pompeia, depois Alfonso Bovero, depois Doutor Arnaldo, depois Oscar Freire, depois Artur de Azevedo, depois Joaquim Antunes, depois Groenlândia, depois Nove de Julho, depois São Gabriel, depois Tabapuã.
CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Imara Reis, em outubro de 1986. Imara era aquele tipo de mulher discretamente atraente que acaba desencadeando incêndios descontrolados em nossa libido. Duvidam? Vejam a cena em que Ênio Gonçalves corta sua camisola com uma gilete enquanto ela dorme em Filme demência, direção de Carlos Reichenbach, 1986.
03/07/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
TEM FOGO? A festa Tem fogo?, realizada no Edifício Joelma no último sábado, foi um sucesso! Compareceram grandes figuras do jet set defuntício (mortos eppur si muove), tais como Ibrahim Sued, o guitarrista húngaro Gábor Szabó e o ator Victor Buono, que ficou famoso por fazer o Rei Tut na série de TV Batman. Buono, obeso mórbido, morreu na madrugada de 1 de janeiro de 1982 depois de se encher de comida na ceia de réveillon. Quer dizer que essa rolha de poço comeu até estourar?, disse o meu amigo Júlio Barroso ou Julinho Safardana, o dono do túmulo mais brega do Brasil, ao ser apresentado a Buono. Os números musicais foram vários, com destaque para a apresentação do Joelho de Porco (Tico Terpins, morto em 1998, e Zé Rodrix, morto em 2009). A única decepção da noite foi o não comparecimento da Neusinha Brizola (morta em 2011), que recebeu o convite, mas achou que a festa era mintchura.
CHANEL COMEU MERDA NA CARROÇA DE FRANCISCO CUOCO Morreu Francisco Cuoco e só dois famosos foram ao velório, Otávio Mesquita e Fúlvio Stefanini. Cuoco estava cancelado? Hoje em dia nunca se sabe, etc., etc. A morte de Carlão em Pecado capital, 1975, foi a primeira experiência trágica, via ficcional, de quem era criança na época. Lembro-me de um primo esguichando lágrimas como se fosse um hidrante e xingando, Sandoval filho da puta! (Eu também fiquei com vontade de chorar, mas não chorei.) A coisa, a morte, etc., mexeu com o senso de orfandade da garotada. Carlão-Cuoco, apesar de ser um malandreco de subúrbio, como disse meu brother Carlos, parecia nosso irmão mais velho, ou um tio legal.
CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM PORQUE O PAPAI NÃO DEIXOU Neusinha Brizola, em algum momento de 1983. As fotos foram feitas, estava tudo certo pra revista sair, mas o então governador Leonel Brizola, seu pai, deu um jeito pra melar a publicação. Parece que alegou uma razão estética, dizendo que a filha era um jaburu e que ver a moça sem roupa poderia fazer os leitores da Playboy desmaiarem ou terem convulsões. Neusinha estava longe de ser um jaburu. O.k., não era linda, mas era perfeitamente pegável. Curioso pra saber o que aconteceu com essas fotos. Leonel Brizola ficou com os negativos? Ou eles continuam com o fotógrafo, passados quarenta e dois anos?
OUVINDO Voltando a Nova Iguaçu, de Neusinha Brizola (versão de Back in the USSR, dos Beatles), peguei um circular lá na Avenida Brasil, quase que não chegava mais, o rango que eu fiz estava caindo mal, quase que me fez vomitar, voltando a Nova Iguaçu, você é um cara de sorte, xará.
A VINGANÇA DO FUDEU O segundo-ministro de Israel e terceiro-ministro de São Tomé das Letras do Alfabeto Hebraico, Idi Amin Netanyahu, vulgo benjamin de tomada, mostrou que continua o mesmo mineiro de sempre. Como bom mineirinho, Benjamin comandou de cima do muro de arrimo das lamentações o ataque à fábrica de chá de cogumelos atômicos do Irã. Agora os malucos que vão a São Tomé, na falta do pão de chá de cogumelo, terão de se contentar com os brioches kosher psicodélicos, sim, uns brioches kosher que o diabo amassou, famosa receita da culinária local criada pela segunda-terceira dama de Israel, a rainha consorte sem sorte Maria Antonieta Netanyahu.
PATO DONALD TRUMP DÁ TIRO NO PRÓPRIO PÉ DE PATO O nadador e zé-ninguém Pato Donald Trump foi pego no pré-doping no campeonato de nado-nada em piscina vazia enquanto dava uns tirinhos num pozinho branco esticado sobre um pé de pato. A federação de nadadores, nadas e coisas-nenhumas decidiu que como punição Trump terá de cheirar as duzentas e cinquenta páginas da biografia de Walter Casagrande e Senzala e depois fazer uma chamada oral e anal sem preservativo.
Etc., etc.
24/06/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
O ITAIM-BIBI E SUAS ASSOMBRAÇÕES Romeu Boca de Caçarola, bedel do Gracinha. Ex-goleiro do Araraquara F. C., clube de várzea do Itaim-Bibi. Morreu em 1983. Sujeito casca grossa. Heavy smoker, ou seja, fumava pra cacete. (Assim como fumavam pra cacete o servente Zezinho e a servente N. Safada.) À sua maneira – casca grossa, etc. –, Romeu não deixava de ser um guardião do cumpra-se das gramáticas do pertencimento que regiam aquela escola (de um dia para o outro uma pessoa que até então tinha sido legal contigo te virava a cara, sem explicação, isso porque você havia infringido alguma regra não explicitada da tal da gramática do pertencimento, etc.).
A PROPÓSITO DO HUMORISTA CONDENADO A PRISÃO Humor era aquela coisa antiiiiga à beça em que um de nós (Costinha, etc.) era autorizado a dizer o indizível, num pacto simbólico. É isso aí, bróders and sisters. O futuro já chegou! E parece que perdemos de vez, como civilização, a capacidade de sublimar nosso fundo de barbárie (sim, a nossa barbárie, pessoal e intransferível: a minha, a sua, etc.) com inteligência. Sobrou só o veto bruto.
OUVIDORIA Morton Feldman, Piano three hands, 1957.
MEMÓRIA Maria Três Pernas, fotomontagem publicada na revista Internacional, em 1982, de um suposto travesti com quase cinquenta centímetros de comprimento.
NA PANDEMIA Estou numa sala de espera na Faria Lima, num nono andar, olhando a janela. A máscara N95 pressiona meu rosto. Vejo as ruínas da Casa 92. Lembro que fui a uma festa nesse lugar em 2014.
EM ALGUM LIVRO DA FERNANDA YOUNG, NÃO ME LEMBRO QUAL Uma cena em que uma mulher se exercita sozinha numa academia de balé sabendo que está sendo observada voyeuristicamente por um homem que trabalha no consulado polonês.
TEM FOGO? Outra do Julinho Safardana, née Júlio Barroso da Gang 90: ele vai até o Edifício Joelma, aborda alguém perguntando, tem fogo?, cigarro pendurado nos lábios, então desaparece. As pessoas, que já transitam pelo prédio sugestionadas, acham que acabaram de ver alguém que morreu no incêndio. Eu disse que poderíamos bolar uma festa no Joelma com esse título, Tem fogo?, no flyer a gente botaria a foto de alguma loirona vintage acendendo um cigarro, uma coisa meio capa de disco dos Smiths. Não, disse o Julinho, vai ficar mais legal se a gente botar no flyer uma foto do Niki Lauda em Nürburgring. Ou do Zeppelin pegando fogo. Sugeri então que a gente fizesse um flyer com o Teixeirinha, churrasco de mãe, etc.
JAZZ Já contei, mas conto de novo (v. As coisas ditas uma vez só é como se não tivessem sido ditas, Nelson Rodrigues). Eu, meus irmãos e meus primos estávamos brincando num carro. Meu primo Christian pegou uma fita no porta-luvas e botou pra tocar. Na fita estava escrito jazz. Começamos a achar engraçada aquela música com uma cantora que ficava cantando doo-doo-bee-doo-wah o tempo todo. A impressão de hilaridade foi ficando cada vez mais forte, até que passamos a ter impulsos destrutivos em relação ao interior do carro, pular, jogar o corpo pra frente e pra trás, dar cotoveladas nos bancos, etc. (Theodor W. Adorno chamando os ouvintes de jazz de jitterbugs em O fetichismo na música e a regressão da audição).
PIADAS DO SÉCULO PASSADO Aquela que o Costinha faz o diálogo entre dois homossexuais caricatos, nossa!, você não sabe o que me aconteceu, estou fe-li-cís-si-ma!, hem?, o que me aconteceu?, tomei Doril, meu pinto caiu.
Etc., etc.
18/06/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
EPPUR SI MUOVE Estou indo com o Julinho Safardana ao Cemitério da Quarta Parada buscar o Jacinto Figueira Jr., o Homem do Sapato Branco. Jacinto continua na mesma pindaíba em que estava quando vivo e descolamos um bico pra ele fazer. Ele será hostess da festa que estamos bolando, Cliente morto não paga, mas não entra. Etc., etc. A pindaíba do Jacinto piorou com a concessão dos cemitérios municipais a empresas privadas, o condomínio aumentou muito, a Cortel já ameaçou despejá-lo do túmulo se ele não pagar os atrasados. Eu disse pra ele mandar a Cortel se foder, se quiserem despejar que despejem, de repente a gente até tira uma grana disso, a gente bola uma reportagem fajuta dizendo que seus ossos, depois de serem exumados e guardados de qualquer jeito pela administração, foram roubados e usados num trabalho de quimbanda feito pra deixar a cantora Aracy de Almeida irreversivelmente broxa (v. “Aracy de Almeida confessa, ‘Meu pau anda mais mole que mamão batido’”). Passamos por um carro de polícia na Avenida Salim Farah Maluf, o Julinho abre a janela e diz, aê, seus filhos da puta, tô com monte de maconha aqui no bolso, não querem vir aqui me revistar, não? Apesar de sermos fantasmas (morri em 2007, Julinho Safardana morreu em 1984), cismo que os policiais vão vir atrás de nós, sim, e se esses gambés também forem mortos-vivos, que foram dar um rolê de barca pra lembrar dos bons e velhos tempos em que o Erasmo Dias era secretário de segurança pública? Olho para o retrovisor e quem eu vejo? Rá, rai! O próprio, o meu amigo Erasmo Dias com a metranca lata de goiabada em punho ordenando que a gente pare. Paro o carro e penso, puta que pariu. Erasmo Dias desce do carro de polícia e vem vindo, vem vindo e se aproxima de nós e desço o vidro e digo, pois não? Então Erasmo Dias se transforma no Itamar Assumpção e ele e o Julinho fazem a maior festa um para o outro e o Julinho diz que na verdade não está com maconha nenhuma e o Itamar Franco diz que conhece um sujeito ali no Quarta Parada que provavelmente tem, o Josefel Fumeta, famoso traficante do Brás, morto em 1977, e entramos juntos no cemitério e eles vão procurar o túmulo do tal do Josefel Fumeta e eu vou até o túmulo do Homem do Sapato Branco.
Etc, etc.
EDITH PIFADA Edith Piaf parecia um papagaio encatarrado quando cantava. Nunca entendi seu apelo. Ou melhor, entendi, sim. Por trás do sucesso de Edith estava aquele elemento kitsch da mentalidade populista (de esquerda e de direita) que opera a partir de substâncias como a voz dos oprimidos, a pureza do povo, etc. Violeta Parra e Mercedes Sosa são variações sobre o mesmo tema.
UGA-UGA Acho a tal da questão indígena, dentre outras coisas, um tédio. Quanto ao conteúdo em si, é deplorável. A esquerda só de olho no capital simbólico que lhe traz defender os índios, a direita só de olho no nióbio da vizinha (bem taradinha essa direita) e os índios jogando com uma malícia digna de homem branco o quem der mais, leva (v. “No one is innocent”, Sex Pistols feat. Ronald Biggs). Eu acho que os índios só se salvarão quando algum deles sair da taba e escrever um Portnoy’s complaint, eu não sou índio coisa nenhuma, sou um ser humano, e estou cansado de conversinha de pajé, de gente de ONG e de indianistas, esses farsantes pomposos todos.
ONTOLOGIA O que entrou na esfera do ser não pode voltar ao nada. Na eternidade teremos a posse plena e simultânea de todos nossos momentos. “Vós sois deuses.” Etc., etc.
CAPAS DA PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Sônia Burnier, em dezembro de 1979. Se vocês forem procurar coisas na internet sobre a Sônia Burnier (ou Bonfá) fatalmente vão ver um clipe do Fantástico de 1978 em que ela canta Te contei? Louraça belzebu toda glossy e cheia de presença, sei lá por que acabou virando one hit wonder.
PIADAS DO SÉCULO PASSADO Viu que o Ritchie morreu? É, comeu a menina veneno. Viu que o Cazuza tá surdo? É, Jesus chama, chama ele, só que ele não escuta.
07/06/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
EPPUR SI MUOVE Estou numa festa na Galeria Metrópole. A festa ocorre sobretudo no cinema, que está fechado há não sei quantos anos, mas se espalha para fora dele (pessoas que saem para fumar, etc.). Passam de duas da manhã. Observo uma mulher alta e elegante, com pinta de quem morreu em algum acidente aéreo (jatinho particular, etc.) na primeira metade dos anos oitenta. Ela acende um Gauloises Caporal com um isqueiro Zippo em aço escovado sem nada escrito. Vendo-a penso em voltar a fumar, estamos todos mortos (mortos eppur si muove), não tem mais doutor Dráusio Varella ou pneumologista ou oncologista pra encher o saco. Digo pra altona tomar cuidado pra não ter uma overdose de nicotina, Gauloise Caporal sem filtro, etc. Ela sorri, convidativa, emenda o sorriso numa risada e diz que antigamente fumava Ella, Charm, Galaxy Slims, essas coisas, mas que de uns tempos pra cá começou com o Gauloises, o cigarro que um tio seu, monegasco, fumava. De dentro da festa começa a tocar I ran, A Flock of Seagulls, e deduzo que a mulher nasceu em 1937 e morreu em 1980, 81, ou seja, tem 43, 44 anos, e que ela dirige um Mercedes SL 350 ano 1974 e que sairemos da festa juntos e que iremos para um apartamento de 400 m2 na Rua Haddock Lobo e que haverá bons quadros na parede desse apartamento e que falaremos de Mark Rothko e da radiância que parece emanar de suas telas enquanto tirarmos as roupas, etc. Então o Julinho Safardana aparece e eu noto que ele já bebeu além do limite e penso que se não o controlar daqui a pouco ele vai fazer alguma merda. Ele pede um cigarro do Sartre pra altona-elegante e diz que acabou de ver o Bolinha e a Telma Lip lá dentro da festa e pergunta pra altona se não foi ela que uma vez pegou o Nelson Ned no colo lá no Gallery e ficou brincando com ele de serra-serra-serrador. Decido fumar e vou até o sujeito que vende cigarro, um magricelo só de barba que minha mãe diria ter cara de tísico, e vejo as marcas de cigarro à venda, Continental, Advance, Minister, Marlboro, John Player Special, compro um Marlboro e fósforos e acendo e dou a primeira tragada e sinto-me encharcado de dopamina e penso, como é bom estar vivo-morto e poder fazer coisas como fumar e conversar com mulheres altas e elegantes e ter indefinidamente trinta e seis anos (morri em 2007, etc.). Volto ao Julinho e à mulher (túmulo no Cemitério do Morumby, tem toda pinta) e eles estão debatendo por quanto dinheiro topariam ver o Bolinha e a Telma Lip transando (o Bolinha come a Telma Lip ou a Telma Lip come o Bolinha?), o Julinho diz que nem por dez mil dólares toparia e a altona diz que, pensando bem, até que deve ser uma experiência válida ver o Bolinha e a Telma Lip, etc. O Antonio Marcos passa por nós e dá um hello pro Julinho e já sei que quando ele voltar a falar com a altona ele vai explicar que ele é o Júlio Barroso da Gang 90 e que acabou conhecendo muita gente no meio musical por causa disso e vai falar que o Antonio Marcos vinha defecando o fígado antes de morrer, tal era o estado avançado de sua cirrose, e dou uma piscada pra ela e faço com a cabeça um gesto sutil de vamos embora? e ela faz com a cabeça um gesto sutil de o.k. e logo saímos e o manobrista traz seu carro, um Alfa Romeo 2300, e ela me pergunta pra onde eu quero que ela me leve e eu respondo, você decide, e ela diz, o.k.
I RAN São três horas da madrugada e saio para correr. A temperatura está em onze graus. Subo a Pedroso Alvarenga, o Vaca Veia, o prédio onde ficava a Escola Amoreco (as tias lésbicas e sádicas que puniam os meninos que faziam xixi nas calças dando banho deles com a porta do banheiro aberta e fazendo-os vestir calcinha), a igreja da Valda, etc. Chego à Avenida São Gabriel e observo o estacionamento onde antigamente existia o Urso Branco e entro numa ruazinha por ali, depois na Groenlândia, depois na Rua Veneza, depois na Alameda Campinas. Atravesso a Paulista, avisto o Maksoud Plaza, dou o primeiro gole no meu Clight com cloreto de sódio, cloreto de potássio e sulfato de magnésio, imagino que se eu encontrasse agora o fantasma do Layne Staley (Alice in Chains), hóspede do Maksoud, eu iria pedir um autógrafo pra ele. Sigo pela Cincinato Braga e desço a Joaquim Eugênio de Lima tentando ignorar o fato de que meu tendão de Aquiles direito está começando a doer, que apesar de estar me sentindo aquecido por causa da frequência cardíaca alta eu sei que a superfície de suor sobre minha pele está gelada, que se eu quebrar não trouxe celular pra chamar Uber, etc. Desço a Rua dos Franceses e entro na Conselheiro Carrão e sigo por ela até a Conselheiro Ramalho e passo em frente ao Madame e viro na Rua Fortaleza e viro numa outra rua cujo nome eu sempre esqueço e começo a voltar ao Itaim.
01/06/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
CONJUNTO ZARVOS, ETC. Corro pela Avenida Europa/Colômbia/Augusta, tendinite dando uma trégua, Parque Augusta, Caio Prado, Consolação , Avenida São Luís, entro no Conjunto Zarvos, saúdo o espectro do Gabriele Tinti dando um tuf na namorada sem graça (saúdo o espectro do Khouri também), dou um gole na garrafa (Clight de abacaxi com cloreto de sódio, cloreto de potássio e sulfato de magnésio), desço pela escada rolante, atravesso a avenida, entro na Galeria Metrópole, subo as escadas correndo, chego ao último andar, onde o Julinho Safardana, née Júlio Barroso, o dono do túmulo mais brega do Brasil, está xavecando uma mulher que, pelo jeitão, deve ter morrido no início dos anos 1960, então ele sacode o Vacheron Constantin olhando pra mim e diz, aê, seu pé de chinelo, não vai querer vir aqui roubar, não?
NA ETERNIDADE TEREMOS A POSSE PLENA E SIMULTÂNEA DE TODOS OS MOMENTOS Estou em 1976/79, numa noite tépida, em frente ao prédio onde fui concebido em maio/junho de 1970, estou em 1995 caminhando pelo trecho da Faria Lima que ainda não foi inaugurado, estou em 2004, saindo do AmpGalaxy às 5h18 a.m., estou em 2015, brincando de dançar com a Magali no La Maison Est Tombée, estou em 2021, pedalando pela Rua Solon (fábrica da Ford, Radar Tantã, etc.) e ouvindo Adnos I, da Eliane Radigue.
MOZARTMANIA, WALDO DE LOS RIOS A música de Mozart é como uma mulher que se vestiu para um funeral e que acabou indo dançar num baile, como disse Morton Feldman, compositor americano, 1926/1987. (Não sou propriamente um entusiasta da música de Feldman, mas admito que ele é do primeiro time.)
(Em todo caso, estou ouvindo agora, enquanto escrevo, sua peça Five pianos, de 1972. Tem clima do Walter Hugo Khouri de Noite vazia.)
TINY TIM Vendo uns vídeos fajutos de supostos lugares abandonados, tudo feito com IA, acabei ouvindo um troço chamado Tiptoe through the tulips, de um tal de Tiny Tim, de quem nunca ouvira falar antes. A música é para ser engraçada, mas não é. É horrível, é irritante e o tal do Tiny merece levar uma chuva de ovos podres por toda a eternidade por tê-la gravado.
FUTEBOL Contra quem mesmo o Brasil perdeu na última copa? Eu não vi o jogo. Em vez disso entrei num apartamento desocupado aqui no prédio e fiquei me exercitando, calistenia, corda, etc. Sabia quando saía algum gol por causa da gritaria. A cada dia que passa detesto mais e mais futebol. Faço votos que o Carlo Ancelotti e seus convocados sejam desclassificados na primeira fase em 2026.
CAPAS DAS PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE PODERIAM TER EXISTIDO Natália Barros, que é a irmã menos conhecida da Taciana Barros (Gang 90 e As Absurdettes) e que era a beldade menos conhecida do grupo Luni (a mais conhecida era a Marisa Orth). Sensacional a Natália. Fui apresentado a ela em 2016, 17, num evento no Teatro Cemitério de Automóveis. Cinquentona ainda altamente pegável, não sei como está agora, deve estar bem.
PIADAS DO SÉCULO PASSADO A mulher é a maior economista que tem: recebe o bruto, faz o balanço e fica com o líquido.
Etc., etc.
26/05/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
LITERATURA ESPÍRITA Vou com o Julinho Safardana, née Júlio Barroso, dar uma volta pelo Itaim-Bibi. Andamos um trecho da Faria Lima com ele fazendo sua velha brincadeira com o Vacheron Constantin, aê, seus pés de chinelo, não vão querer vir aqui roubar, não?, olha só, ele diz, sacudindo o relógio para uns tipos suspeitos, vale cinco mil dólares, ninguém se habilita?, etc. Subimos a Tabapuã, que está bastante diferente desde a última vez que Júlio passou por aqui. O Morita fechou?, ele me pergunta. Digo que fechou em 1984, o ano em que ele foi morar no túmulo mais brega do Brasil. Sim, Júlio e eu estamos mortos, como atestam nossos atestados de óbito, mortos eppur si muove, não me perguntem como, não fui eu que criei as leis do funcionamento do universo, dizem que foi o tal do Deus, sei lá, nunca vi a fuça desse sujeito, se bobear acho que ele nem existe. (Não tenho túmulo, fui cremado quando vivo, etc.) Chegamos ao prédio da Miriam Lane (também morta em 1984, durante um assalto aqui em frente ao prédio) e ela já está esperando a gente. Podemos ir comer em algum lugar do passado ou do presente, ficamos entre o Jack in the Box da Joaquim Floriano (fechado em 1989) ou o Botequim do Hugo. Escolhemos o Hugo e no caminho digo que andei pesquisando os preços dos alugueis lá no prédio de onde ele caiu da janela e que já foi o tempo em que escritores marginais podiam morar na Conselheiro Brotero e sugiro de a gente brincar de assombrar algum apartamento algum dia desses, mas nem ele nem a Miriam parecem se empolgar muito com a minha sugestão.
EPOCHÉ Deixe que as coisas sejam exatamente aquilo que elas são, deixe que as coisas falem (ou se calem) por si mesmas. Posso definir assim uma de minhas crenças fundamentais.
ETERNO RETORNO Jardel Filho termina Terra em transe como um suposto exército de um homem só, supostamente atormentado, apontando uma metralhadora de brinquedo para o deserto (Barra da Tijuca em 1967). (Acho Terra em transe uma porcaria de filme, etc.) Seis anos depois, o Jardel atormentado de Terra em transe reaparece em O bem amado, a novela da Globo, como o médico sanitarista Juarez Leão. (Carlos Lombardi disse que o Zbigniew Ziembinski descobriu o Jardel quando esse, gênio excêntrico da informática, ia para a praia fazer, debaixo do guarda-sol, programas, ou seja, seus trabalhos de programação em C ++, Python, etc.)
TRALHA VELHA E ESQUECIDA Um campeonato de futebol de salão para office-boys chamado Futeboys, creio que patrocinado pela Rede Globo (ou pela Fundação Roberto Marinho, sei lá). O anúncio de TV era tosco mesmo para os padrões da época – fazia uma sobreposição de uma partida de futebol no Maracanã (um Vasco e Olaria, digamos) com uma imagem recortada com chroma key de uma partida amadora de futebol de salão.
TRALHA VELHA E ESQUECIDA, DOIS Uma pastilha efervescente para desinfetar dentaduras chamada Purific. A propaganda de TV era com o Lima Duarte.
TRALHA VELHA E ESQUECIDA, TRÊS Uma propaganda do Bateprego que usava a gravação do Edifício Mendes Caldeira sendo implodido.
TRALHA VELHA E ESQUECIDA, QUATRO Frank Zappa era um sujeito cheio de coisas na cabeça. Too much information. Fetichista das realizações de grandes compositores do século XX, Stravisnky, Webern, Varèse, etc. Não era um bom guitarrista, mas sabia reconhecer um (Steve Vai, por exemplo). Eventualmente fazia alguma música instrumental de alta qualidade, como It must be a camel e Zoot allures. Geralmente fazia canções chatíssimas, paródias que talvez só tivessem graça para quem conhecesse o contexto a que suas letras se referiam (ou seja, Zappa tinha algo de provinciano de Los Angeles). Era um mau cantor. Era prolixo. Suas peças sinfônicas (Yellow shark, etc.) são chatas, derivativas, deja vù. Idem suas peças eletroacústicas (Lumpy Gravy, etc.).
PIADAS DO SÉCULO PASSADO Sabe como o português faz quando quer ganhar um Chokito? Ele enfia do dedito na tomadita.
21/05/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
IANNIS XENAKIS Ouço uns trechos de Metastasis, peça orquestral de Iannis Xenakis, 1953-54. Soa como qualquer coisa que o Stanley Kubrick botaria num daqueles filmes dele, Jack Torrance doidão, HAL 9000 se achando muito malandro, etc., etc. Jean Garrett (precisamos falar de cinema brasileiro, etc.) usou música especulativa highbrow (Penderecki, Messiaen, etc.) em A força dos sentidos. A música pós-serial, 1940-60, é um tremendo encalhe. O cinema lhe ter dado alguma função semântica (nota grave de piano quer dizer o tubarão vindo te abocanhar, etc.) não deixa de ser uma cortesia.
ESTAMOS A BORDO COM MAIS UM PROGRAMA, ETC. Revejo alguns programas do Ferreira Netto, 1989. Num cenário escuro, sorumbático, Agnaldo Timóteo começa a se exaltar. Deve estar no quarto ou quinto uísque. (O programa era patrocinado pelo uísque Grant’s Royal, etc.) Timóteo narra o episódio em que o Leonel Brizola o xingou de negro safado – que ele chegou a ir buscar um revólver em casa pra matá-lo, mas que então ele desistiu de matar o Brizola, etc.
E SE? E se o jóquei promovesse alguns páreos com jumentos? E se a Royal injetasse nos anões uma dose excessiva de fermento? E se as Casas da Banha abatessem alguns gordos para seu abastecimento? (Flat, cemitério, apartamento, Titãs, 1991.)
DOCE VELHINHO, ETC. É ultra kitsch essa narrativa do Pepe Mujica doce velhinho, floricultor, desapegado de bens materiais (continuou morando em sua modesta chácara quando presidente e cedeu o palácio presidencial para os sem-teto morarem), proprietário de um Fusca velho, etc. (A propósito, vi no Instagram uma ilustração feita por IA em que três mortos recentes aparecem abraçados e rindo, rindo muito – Divaldo Franco (Divaldo tinha a maior cara de japa da Yakuza, v. Frozen japs, Paul McCartney), Pepe Mujica e Papa Francisco. Quem concebeu a coisa devia antes se perguntar se esse trio se juntaria num abraço fraterno, todos rindo, etc. Eu acho que não, não se juntaria. Sei lá, bróder. O mundo atual poderia ser descrito assim: o kitsch-netflix estava se sentindo muito solitário, então o demônio criou o kitsch-IA pra lhe fazer companhia.)
BEBÊ REBORN Sugiro algumas variações aos fabricantes: bonecas bebê reborn com má-formação congênita e fetos abortados reborn. Só pra dar um pouco mais de consistência ontológica, entende?, à simulação de reprodução humana, maternidade, etc.
SINOPSE PARA UMA HISTÓRIA NO GÊNERO FICÇÃO CIENTÍFICA O ano é 2377. Jovem casal vai ao teatro ver Titus Andronicus, de William Shakespeare. Na saída, a moça diz que gostou mais ou menos da peça. O rapaz também diz que gostou mais ou menos.
Etc., etc.
PSICODELIA Um monte de gente vendendo terapias psicodélicas no Instagram, cogumelos mágicos, microdoses, dissolução do ego, etc. Ao que parece, tudo dentro do território da legalidade. Outro dia um sujeito pilotando uma bicicleta elétrica veio em diagonal pela rua e quase entrou em cheio na porta do meu carro. Devia estar chapado com alguma dessas substâncias.
LEÃO XIII A quem interessar possa, o papa Leão XIII era a cara do Costinha, vejam um vídeo gravado em 1896, dá a impressão que o papa vai começar a falar, ah, lembrei agora aquela da bichinha que arrumou um vead, que arrumou um namorado, etc. (Leão XIII, Costinha, Walter Hugo Khouri e o Barney, dos Flinstones, noto agora que há algo de telefone sem fio nessa sequência.)
Etc, etc.
17/05/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
LUIS ALBERTO SPINETTA, DE NOVO Eu poderia ter conhecido Luis Alberto Spinetta através de algum bestalhão, de algum crítico de música da Bizz, do Kid Vinil (que era gente boa, mas que evidentemente era um goiaba). Ou através daquela forma exortativa clichê que nossos irmãos esquerdistas bestalhões, goiabas e canalhas adoram, precisamos falar do rock argentino, etc. Mas não. Conheci o Spinetta através de um amigo, o Carlos, homem notável pela exatidão qualitativa de suas preferências. (Carlos, copacabanense do Bairro Peixoto, tem suas exatidões enraizadas em transes mediúnicos nos quais recebe mensagens do além vindas de uma falha magnética que paira sobre o bairro, o fenômeno foi descrito de maneira pormenorizada no livro Sancta Clara Spiritus Tumultuosus, do teólogo castrati Faustus Falsete.)
Eu vinha achando (aliás, no fundo ainda venho) que esse negócio de música já era. Uma parte de O som e o sentido, livro do José Miguel Wisnik que me acompanha desde 1989 (livro, aliás, de onde o Vladimir Safadle tira todas suas opiniões sobre música), me vinha vindo à cabeça direto – a parte apocalíptica em que Wisnik define a história da música ocidental (especificamente da música especulativa, na feliz expressão do compositor Flô Menezes), de Perotinus (século XII) a Stockhausen (aquela palhaçada de concerto para quarteto de cordas e helicópteros, coisas do tipo que os farofeiros culturais adoram), como a história da assimilação, via série harmônica, de intervalos (razões intervalares) capazes de tensionar o discurso musical, dado que a articulação do tal discurso se baseia no movimento tensão/resolução. O problema é que os intervalos, por causa do uso, se desgastam e perdem a capacidade tensionante. Pouco a pouco o que então era um sistema de articulação de alturas (duração, intensidade, timbre) vai dando lugar um aglomerado de tralhas sonoras, coleção de clichês, etc. Daí as tentativas de recriar o discurso musical empreendidas por Schoenberg (primeiro através do atonalismo livre, depois com o dodecafonismo) e outros, e outros, e outros. Tentativas que, na real, não deram em nada, criaram mais entulho sonoro, cacofonia, entropia, etc. Então é isso. Eu vinha tentando ver se alguma fonte sonora ainda conseguia me dar algum barato musical, tentando ouvir até ruído de motor de geladeira, por exemplo, de forma estética quando fui ouvir, sem esperar nada, o álbum Kamikaze, que Luis Alberto Spinetta lançou em 1982. E quase caí de costas. Como pude não ter conhecido o trabalho desse cara antes?
Spinetta colocou em dúvida minha convicção de que a música já era, de que eu já havia ouvido tudo que merecia ser ouvido, etc. Ele é um daqueles casos em que um aglomerado de contradições conceituais acaba dando certo, sem que consigamos explicar por quê. (É por isso que a cada dia que passa estou ficando cada vez mais fenomenológico: não sei o que é, nem por que é, mas tenho certeza de que é, etc.). Contradições porque, por exemplo, suas canções fluem como se fossem simples. Contudo, estão longe de ser simples ou intuitivas no sentido redutor, servindo-se de recursos harmônicos tremendamente sofisticados, recursos esses que geram, no caso de Spinetta, um universo sonoro alusivo (primo em segundo grau, às vezes em primeiro) ao Clube da Esquina, mas com um drive bem mais rock’n’roll do que o de Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, etc. Esses artifícios técnicos, que, em outras mãos, não passariam de acordes suspensivos, trítonos, empréstimos modais, em Spinetta são absorvidos por uma potência sonora mais profunda e devolvidos como formas musicais renovadas. Dito de outra forma, Luis Alberto não deixa de ser devedor de linguagens musicais exauridas (todo mundo o é, nessa altura dos acontecimentos ou dos não-acontecimentos desse nosso velho e cansado mundo), mas elas, em suas mãos, como que ressuscitam, por algum milagre.
07/05/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
TENDINOPATIA DO TENDÃO DE AQUILES Corro num pace ruim, acima de oito, na média. Pego a Nove de Julho, a Groenlândia, a Joaquim Antunes. Entro no cemitério, Necrópole São Paulo, vou correndo pela alameda rente à Rua Cardeal Arcoverde, o calcanhar direito queimando. Procuro o túmulo de um dos ramos da minha família, ali está, Família Cerveira, roubaram as placas de bronze e agora há umas placas feias, de plástico, com os nomes dos mortos. Pego a alameda que vai até o fundo no cemitério, onde há o velório e a saída para a Rua Luís Murat, saio do cemitério e começo a travessia da Vila Madalena, Beco do Batman (típico lugar supostamente pitoresco pra turista ver, como aquela praça com o orelhão gigante em Itu, com a diferença que a praça em Itu é hilária em sua jequice surreal assumida, já o Beco do Batman tem o ranço típico da Vila Madalena, aquela coisa meio comunista e maconheiro, etc.). Entro na Pompeia pela Rua Apinajés, paro algumas vezes para me alongar e descomprimir os quadríceps (vasto lateral, medial, intermédio e reto femoral) e a panturrilha (gastrocnêmio lateral, medial e sóleo). Acho uma nota de dez reais caída no chão, um dachshund quase me morde quando passo correndo por ele, entro na Rua Havaí, paro no reservatório da Sabesp, me reidrato, sigo a Doutor Arnaldo, sigo a Oscar Freire, sigo ruas por dentro do Jardim Europa, chego em casa. Onze quilômetros em duas horas e dezoito, com as pausas, alongamentos, etc.
LARA LATEX Não a conhecia. Atriz pornô inglesa. Deve trabalhar fora do Reino Unido, já que é proibido produzir conteúdo pornográfico por lá. (Não propriamente proibido, mas altamente regulamentado.) Atualmente Lara tem cinquenta anos e ainda compõe uma figura atraente, corpo esguio e elegante, rosto que mescla artificialidade, estranheza e depravação. (Gozada essa coisa de proibições. Mórmons são proibidos de beber Coca-Cola (cafeína), crentes raiz são proibidos de ver TV (Igreja Pentecostal Deus Inhamô, mulher de saia curta no céu não vai entrar, etc.), judeus são proibidos de comer salsicha, ingleses são proibidos de produzir pornografia, etc.)
DEVO UMA NOTA GORDA Gerald Casale, do Devo, parece estar usando uma peruca estilo o cabelo que ele tinha quarenta anos atrás. (Portanto, é diferente do caso da Anna Muyamiga Muylaert, que usa uma peruca feita de maconha prensada, cabelo de maconha, etc.) Casale é gavião, vive casando com mulheres quarenta anos mais novas, daí a possível explicação para a peruca. (Quando pegava mulheres mais velhas que ele Casale pegou e casou com aquela coisinha gostosa da Toni Basil, que nos anos 1980 fez sucesso com Hey Mickey, que nos anos 1970 não sei o que fez e que em 1969 apareceu em Easy rider, uma das garotas que Peter Fonda e Dennis Hopper pegam no bordel em New Orleans.) O talento musical de Gerald Casale é bem inferior ao de Mark Mothersbaugh, ouçam o disco do Devo em que suas composições predominam, o fraco Shout, de 1984, e tirem a prova. (Nota gorda, ganhe uma nota gorda, era o mote de uma propaganda sensacional do banco Safra, lá por 1977, em que Wilza Carla, banhas eróticas, aparecia fazendo um número burlesco.)
RECONHECENDO PADRÕES, ETC. Lá por 1979 eu reconheci o padrão relógio de zelador. Foi assim: todo zelador, porteiro e vigia noturno com quem eu tinha contato usava relógio Technos, sempre grande, cebolão, sempre com o fundo verde metálico. Assim me parecia, embora crianças tenham uma desvairada imaginação óptica, como dizia Nelson Rodrigues.
COLLOR Muito deprê esse ocaso da vida do Fernando Collor, acabar num presídio que fede a esgoto, cheio de pernilongos, baratas, etc. Ele, que foi um homem bonito, está parecendo um boneco de cera (harmonização facial, etc.). A bem da verdade, é muito deprê tudo que o envolve. (Admito que li a autobiografia da Rosane Malta, mistura da Barbie com a Amelinha, os trabalhos de magia negra no porão da Casa da Dinda, sacrifício de animais, etc.)
CHAT CPT Pedi ao Chat GPT que criasse, usando um aparto teórico de alta cultura, uma crítica musical de Eruption, de Eddie Van Halen. Acho o Eddie um artista superior que, tendo tido sua origem e trajetória dentro da indústria cultural e do universo pop, acabou sendo uma espécie de refém de luxo desse universo, universo esse que sequer tem vocabulário para alguma tentativa de dizer coisas substanciais sobre uma peça como Eruption. Dentre várias respostas surpreendentemente boas do Chat GPT, selecionei o seguinte trecho:
Na escuta fenomenológica, o que nos afeta em Eruption não é a forma, mas a presença. Não há aqui forma musical no sentido tradicional, e sim formas da emergência sonora — aquilo que aparece como fenômeno, mas que já desaparece no instante mesmo de sua constituição. A consciência é posta em estado de aceleração: retentio e protensio (retenção e protensão, as estruturas temporais da consciência, em Husserl) são forçadas ao limite. A peça parece nos escapar — e justamente nisso reside sua força fenomenal.
Etc., etc.
02/05/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
HABEMUS ERVAM! CONCLAVE DE MACONHEIROS LEGALIZA INCENSO PARA FINS RECREATIVOS (Reuters/Roma, quem tem boca vai a) Papa Francisco morreu, um novo papa será eleito, etc. Já vi essa história se repetir algumas vezes nos meus Studio 54 anos de vida – Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco. (Papa é aquela criatura sempre a caminho da senectude, que veste umas roupas ridículas, parecidas com uns vestidões, e que vive proferindo frases sábias, ou seja, um monte de banalidades que poderiam perfeitamente ser ditas num chá com bolo por um bando de tias velhas, é necessária a fraternidade ente os homens, a guerra é uma coisa ruim, os ricos devem ajudar os pobres, etc.)
Acho engraçada essa preocupação de que o novo papa venha a ser conservador ou coisa que o valha. Cara, se você não é católico, se você não tem fé de que Jesus ressuscitou no terceiro dia, etc., que diferença faz se o papa condena o aborto, o casamento gay, a camisinha, etc.? Vá procurar sua turma, ô meu. (Aliás, se a ressurreição não aconteceu, se Jesus não é o logos divino, etc., essa história toda de religião é uma palhaçada e o Vaticano deveria ser transformado em resort, cassino, etc.)
(Claro, todo filho da puta quer aparecer na foto com o sujeito que é uma espécie de influenciador digital de um bilhão de seguidores. Pouco importa que o sujeito use aquele vestidão branco e que só diga banalidades, coisas do tipo que aquela sua tia meio burralda diz, a guerra é uma coisa ruim, etc. E os mais filhos das putas entre os filhos das putas não se contentam em aparecer na foto – clamam por uma igreja feita à imagem e semelhança de suas deformidades, etc.)
AS DEUSAS, DE WALTER HUGO KHOURI Revejo, de olhos fechados, As deusas, Walter Hugo Khouri, 1972. Sim, revejo de olhos fechados, só ouvindo o filme. Um homem, uma mulher, uma casa à beira de um lago, outra mulher, a natureza e suas supostas forças anímicas, o conceito junguiano de anima. Frases cercadas por longos silêncios, pessoas cercadas por espaços amplos. Aproximações, afastamentos. Quando começo a me sentir afundado demais em 2025 vejo (ouço) algum filme do Khouri e parece que passei por uma ressurreição.
CANCELAMENTOS Lobão vem publicando uns vídeos breves comentando escritores cancelados de sua preferência. Até agora, publicou Georges Gurdjieff, Monteiro Lobato e Louis-Ferdinand Céline. Tenho curtido as publicações. Marcelo Mirisola fez há alguns anos coisa semelhante em um artigo muito bom para a revista Bula. (A propósito, o livro novo do Mirisola, Espeto corrido, já morreu? Não vi uma resenha, uma crítica, uma entrevista com o autor.)
DANE-SE A PLAYBOY E SUAS CAPAS Três mulheres sensacionais que exibem suas interessâncias no Instagram (talvez em outras plataformas, não sei). Deborah Spanó, uma italiana linda e com jeito de boa atriz, de boa comediante. Madalina Ioana, que é romena, se entendi bem. Ruby Reid, americana do Texas. Não posso dizer qual das três me agrada mais, se eu pudesse levaria as três pra minha casa, casaria com as três, etc. Como dizia Nelson Rodrigues, a simples presença da mulher bonita já é uma epifania.
24/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
DO ARCO DO TRIUNFO AO ARCO DO FRACASSO: AILTON KRENAK PERDE PARA CUPIDO CAMPEONATO DE ARCO E FLECHA! (REUTERS/ACELERA, AILTON) Outro dia meu amigo Búfalo Bill Gates saiu com uma garota de programa de índio e foi extorquido por ela – a mulher arrancou a chave do carro e disse que só devolveria se Bill lhe desse 4% das ações da Microsoft. Depois de uma negociação ríspida e cheia de tensão pré-menstrual, a mulher acabou aceitando as três notas de cem que Bill lhe ofereceu e deu no pé. Bill então me ligou e disse que precisava ir dar uma volta para se acalmar um pouco e arejar as ideias e me convidou para ir junto. Topei. Seguimos pela Anhanguera até Campinas e, sem saber o que fazer por lá, acabamos indo conhecer a reserva indígena Guarani F. C., onde fomos recebidos por sensualíssimas havaianas que dançavam o hula-hula e que botaram em nossos pescoços colares de flores, ou melhor, onde fomos recebidos por umas índias horrendas com as tetas caídas que dançavam o uga-uga e que botaram em nossos pescoços a faixa “Guarani F. C. – Campeão Brasileiro de 1978”. Depois fomos levados à presença de nosso guia turístico e espiritual, o líder indígena e corredor de Fórmula 1 Ayrton Senna Krenak, que fora incumbido por Tupã a nos mostrar as dependências do clube. Tanto eu quanto Bill achamos o clube reserva indígena bem bacanudo, cheio de piscinas, quadras poliesportivas e tabas. Krenak foi muito solícito e gente fina, e nos pagou várias rodadas de cauim, a tal da cerveja indígena feita à base de mandioca, e depois umas rodadas de ayahuasca, a tal da cerveja indígena feita à base de cipó, e depois a saideira, mais cerveja de mandioca, ic!, e depois a saideira da saideira, ic-ic!, e quando já estávamos pra lá de Ji-Paraná, Rondônia, ele acabou arrastando a gente para o maior programa de computador de índio da paróquia, uma palestra ministrada numa oca para um bando de gente com a cabeça oca, onde ficamos vendo durante cinco horas um cacique hacker entoar “u-u-u-u-u”, sacudir um chocalho e ensinar certos princípios cósmicos da sabedoria hacker indígena, tais como “invocando Tupã para um ataque DDos bem sucedido”. Deu no saco, ô meu.
GENI E O LED ZEPPELIN A atriz trans paraibana Geni Lacerda (ex-Genival) foi escalada pela diretora Anna Muylaert para interpretar Ozzy Osbourne na cinebiografia da banda inglesa Led Zeppelin, pioneira do hard rock e do hard forró. Anna Muyamiga declarou, enquanto dichavava os cabelos (sério, o cabelo da mulher parece uma peruca feita de maconha prensada), que a escolha de Geni Lacerda para o papel de seda Bem Bolado de Ozzy não teve outro critério senão o da excelência artística, nada tendo a ver com questões identitárias, de gênero, etc. Segundo fofocas de bastidores, Anna vem tomando a liberdade de incluir trechos ficcionais no filme, como uma parte em que o Led Zeppelin, Ozzy Buarque de Hollanda à frente, toca uma canção chamada She gave the radio away and didn’t even tell me, uma versão hard rock de Ela deu o rádio e nem me disse nada.
ADOLESCÊNCIA NETFLIX Vem dando o que falar a série kitsch Adolescência, do canal kitsch Netflix. A série aborda o dramalhão kitsch dos incels, celibatários involuntários que mal sabem das encrencas de que estão se livrando sendo celibatários (gravidezes indesejadas, divórcios, pensões ou-paga-ou-vai-em-cana, alienações parentais, mulher que engorda 50 kg depois de casar, etc.) O bom é que o diretor brasileiro Fauzi Mansur bolou um lance meio A Rosa Púrpura do Cairo, aquela mistura de planos, o real e o ficcional, e vem dando um alívio para aqueles adolescentes ingleses ressentidos, potencialmente homicidas e, claro, completamente cabaços. "A Kátia me fez parar de pensar em besteira, de querer matar, essas coisas", afima Ronnie Biggs, ex-ladrão mirim que foi preso aos oito anos por roubar um trenzinho de brinquedo na Harrod’s e que depois de cumprir pena foi escolhido para o papel de Ronnie Biggs na série Adolescência. A Kátia a que ele se refere é a personagem do filme Promiscuidade – Os Pivetes de Kátia, direção de Fauzi Mansur, Brasil, 1983, filme em cujos negativos ele e seus amigos incels cabaços têm penetrado, para a felicidade deles e, é claro, da Kátia, aquela coroa safadinha chegada num garotinho. O canal kitsch Netflix ainda não se pronunciou a respeito.
Etc., etc.
20/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ITAIM-BIBI: TESE Soube que tocaram o Teatro Vento Forte pra fora do espaço que ele ocupava no Parque no Povo. O tal teatro estava ali desde cenozóicas eras, quando o que hoje é o parque era um monte de campos de futebol de várzea (Marítimo, Clube do Mé, etc.) e um monte de bocas de fumo. Eu nunca vi o tal teatro funcionando, levando alguma peça, sei lá, Ricardo III, now is the winter of our discontent made glorious summer by this sun of York, etc., essa é a única linha de Shakespeare que sei de cor. O tal do Teatro Vento Forte devia ser um desses teatros que dão aulas de capoeira e que mais parecem centros de macumba. Pra mim não vai fazer a mínima falta. E quer saber? Adorei que tenham metido eles pra fora, sempre acho maior legal ver algum bando de xexelentos tomando no cu. Porque esse pessoalzinho que se acha de esquerda acha que esses teatros de capoeira-e-macumba são uma forma de resistência ao capitalismo, à burguesia ou a seja lá o que for, mas não são resistência a coisa nenhuma, são apenas uma espécie de sistematização da precariedade. Que nem essa história do Raul Seixas, esse falatório todo de que o Lobão supostamente ofendeu o cara dizendo que ele morreu que nem um mendigo, oras-oras, o Raul viveu e morreu como um mendigo, às vezes explicitamente, como quando ele contou no Jô Soares o episódio em que ele comeu lixo em Nova York, em 1974. Raul era a contracultura dos anos 1960 traduzida para a precariedade brasileira, para a fuleiragem, Rock das aranhas é uma das músicas mais constrangedoras, rampeiras e cafajestes que já ouvi e essa coisa de toca Raul é mesmo o fim da picada, o Lobão tem toda razão de protestar.
ITAIM-BIBI: ANTÍTESE Anda uma moda aí de corretoras de imóveis gatas, algumas gatas e arquitetas. Uma dessas beldades que vendem apartamentos, bem parecida com a Lala Deheinzelin quando jovem, disse que o Itaim é bairro para a rapaziada que está enchendo o rabo de dinheiro, a rapaziada que está voando, etc. Estava outro dia passando na Pedroso Alvarenga, num perímetro em que há uns cinquenta anos havia: uma Congregação Cristã (ainda existe), uma casa de massagem chamada Penthouse Club (meu irmão João uma vez ligou pra lá e perguntou, alô, aí é da zona?, e a atendente respondeu, é da zona, meu bem), a Escola Amoreco (onde professoras lésbicas e sádicas puniam os meninos que faziam cocô nas calças fazendo-os vestir calcinha) e uma avícola, que vendia ovos, galinhas vivas, etc. A mendiga (v. “pessoa em situação de rua da amargura”) que morou anos na esquina da Tabapuã com a Clodomiro Amazonas foi chutada dali há uns meses. A mulher era um prodígio de disciplina e organização. Sei lá, fiquei um pouco chateado, a presença dela dava um toque pitoresco ao lugar. Agora é só Eudes (“os colega da firrrma”) e Faria Limer, a rapaziada que, segundo a corretora gostosinha, está voando.
ITAIM-BIBI: SÍNTESE? Um mendigo chamado Trovão, que andava num veículo movido a manivela. (Trovão era meio parecido com o Rogério Skylab, a criatura do ódio de satanás, etc.) Um outro que a gente chamava de o Marisol. O No Legs, um perneta que dava expediente aqui. O Velho das Correntinhas, que na última vez que eu vi estava vendendo as correntinhas dele na Rua Maria Antônia. O Professor de Artes da Nanda (Xuxa), que ficava o dia inteiro desenhando em caixas de papelão com caneta Bic. (Se bobear era um gênio como o Arthur Bispo do Rosário era gênio, etc., etc.) A Ruth Caralho da Porra, que tinha uma pensão ao lado do meu prédio. A Marcinha, piranha de rua, loura oxigenada com a data de validade já meio vencida em 1986, que fazia programas rápidos na Rua Carla. O Lorde, o Barão e o Bigorrilho, garçons do Jig’s. O Sombrancelha (sic), chapeiro do Baby’o. O Cabeça Torta, garçom do Joakin’s. A Dona Mula, dona da padaria da esquina Tabapuã/Iguatemi. O Irmão do Chupeta, que não era muito bom da cabeça e que meio que trabalhava na padaria que a dona Mula vendeu para o Roberto Leal. Etc., etc. O lúmpen todo do Itaim, provavelmente todos mortos hoje, requiescat in pace. Pelos poderes a mim concedidos pela Assembleia dos Coroas Falidos do Itaim e pela banda de rock macumbilístico Exu Cadeira e as Poltronas Amestradas rogo que os ectoplasmas desses lúmpens todos assombrem impiedosamente cada novo prédio besta construído entre a Juscelino, Faria Lima, Nove de Julho e São Gabriel. Cumpra-se, etc., etc.
17/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
QUEM GOSTA DE VELHARIA É ANTIQUÁRIO Luiz Schwarcz, dono da Companhia das Letras (essas velharias existem ainda?, editora, livros, etc.?) em Piauí fala de sua amizade com Paulo Francis. O texto é enfadonho, mas tem uma parte até que divertida em que ele diz que Francis era um daqueles camaradas que quando bebem ficam agressivos e que numa dessas ocasiões ele começou a implicar com um terno de quatro botões que Schwarcz estava usando, por fim chamando-o de rapazola do Bom Retiro (bairro judaico de São Paulo) com esse jaquetão de José Sarney.QUEM GOSTA DE COISA VELHA É MUSEU Meio sacal esse o céu é o limite de Chat GPT, IA, etc. Ter 54 anos te traz a vantagem de saber por experiência que tudo, sempre, acaba virando velharia. Mas a coisa de clonar voz é até que divertida. Clonei a voz do Costinha, Lírio Mário da Costa, e a coloquei para falar um monte de trivialidades atuais. As trivialidades soaram mais triviais ainda. (Divertido também o canal do Instagram O Paraíba de Alagoas, que transforma via deep fake Bolsonaro e Lula numa dupla humorística (v. “Os Três Patetas eram dois: Dedé, Didi, Zacarias e Ringo Starr”).BITOUS Pete Best anunciando em 2025 que está deixando a vida pública. Ué, mas ele não deixou a vida pública em 1962, quando foi demitido dos Beatles e foi viver o que restava da existência dele como um modesto funcionário público em Liverpool? (Não quero ser agourento, mas esse anúncio cheira a Alzheimer, câncer terminal, etc.)2035 Nos próximos dez anos o que ainda resta dos anos 1960 vai ter acabado ou vai estar inviabilizado. Ringo e Paul, se vivos estiverem (faço votos de que sim), terão mais de noventa. Jagger e Richards, por aí também. Woody Allen terá cem (v. “Não é que eu tenho medo da morte, eu só não quero estar lá quando acontecer”). Alguma novidade nisso tudo, decrepitude, falência múltipla de órgãos, etc.? Tudo que é humano acaba indo para o brejo. E la nave va.PUNKS VERSUS AFANÁSIO JAZADJI Tenho em alguma fita VHS que está se decompondo em algum armário aqui de casa dois debates que Sérgio Groisman promoveu quando comandava o TV Mix, Rede Gazeta, 1988. Num deles o debate se deu entre Jacinto Figueira Jr., o Homem do Sapato Branco, e um grupo de hare krishnas. Jacinto foi com a carga toda pra cima da rapaziada, dizendo que tinha ouvido de alguém de dentro da organização a confissão de que era tudo grupo (“Jacinto, é tudo grupo”), que a coisa lá era uma tremenda de uma surubeta, que era todo mundo com todo mundo, etc., ao que um dos hare krishnas começou a dizer, como um possesso, é mentira, é mentira, é mentira, é mentira, é mentira, etc. Noutro o debate foi entre quatro punks – Redson, do Cólera, Tatola Godas, então vocalista do Não Religião, Mao, dos Garotos Podres, um sujeito parecido com o Lagartixa Pré-Histórica (Caio Túlio Costa), editor de uma revista chamada Junkie, e Afanásio Jazadji. Tatola perguntou a Afanásio por que os estúdios de uma emissora de rádio, depois da contratação de Afanásio, passaram a ter cortinas, Afanásio respondeu, é porque eu trabalho pelado, o que mais você quer saber?, se meu carro tem freio a disco? No final, depois de fazer os punks todos botar o galho dentro, Afanásio pediu desculpas ao telespectador por algum excesso, mas reiterou que com aqueles cafajestes que não prestavam pra nada ele não podia ter agido de forma diferente.Etc., etc.CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO FORAM FEITAS NA HORA CERTA Yoná Magalhães foi capa da Playboy em fevereiro de 1986. Pode-se dizer que estava bem para cinquenta anos. Mas, na real, estava meio cafonona, com aquele cabelo pompom que então era moda, etc. Sobretudo, havia algo pesado, sobrecarregado, em sua imagem. Yoná deveria ter sido capa da Playboy dez anos antes, 1976. Vejam as cenas dela em O grito, novela da Globo. Ela está bem magra, coisa que a favorecia bastante, e com o cabelo liso. O.k., estava com um ar meio de Bife Acebolado, mas é inegável que estava linda.14/04/2025