LUIS ALBERTO SPINETTA, DE NOVO Eu poderia ter conhecido Luis Alberto Spinetta através de algum bestalhão, de algum crítico de música da Bizz, do Kid Vinil (que era gente boa, mas que evidentemente era um goiaba). Ou através daquela forma exortativa clichê que nossos irmãos esquerdistas bestalhões, goiabas e canalhas adoram, precisamos falar do rock argentino, etc. Mas não. Conheci o Spinetta através de um amigo, o Carlos, homem notável pela exatidão qualitativa de suas preferências. (Carlos, copacabanense do Bairro Peixoto, tem suas exatidões enraizadas em transes mediúnicos nos quais recebe mensagens do além vindas de uma falha magnética que paira sobre o bairro, o fenômeno foi descrito de maneira pormenorizada no livro Sancta Clara Spiritus Tumultuosus, do teólogo castrati Faustus Falsete.)
Eu vinha achando (aliás, no fundo ainda venho) que esse negócio de música já era. Uma parte de O som e o sentido, livro do José Miguel Wisnik que me acompanha desde 1989 (livro, aliás, de onde o Vladimir Safadle tira todas suas opiniões sobre música), me vinha vindo à cabeça direto – a parte apocalíptica em que Wisnik define a história da música ocidental (especificamente da música especulativa, na feliz expressão do compositor Flô Menezes), de Perotinus (século XII) a Stockhausen (aquela palhaçada de concerto para quarteto de cordas e helicópteros, coisas do tipo que os farofeiros culturais adoram), como a história da assimilação, via série harmônica, de intervalos (razões intervalares) capazes de tensionar o discurso musical, dado que a articulação do tal discurso se baseia no movimento tensão/resolução. O problema é que os intervalos, por causa do uso, se desgastam e perdem a capacidade tensionante. Pouco a pouco o que então era um sistema de articulação de alturas (duração, intensidade, timbre) vai dando lugar um aglomerado de tralhas sonoras, coleção de clichês, etc. Daí as tentativas de recriar o discurso musical empreendidas por Schoenberg (primeiro através do atonalismo livre, depois com o dodecafonismo) e outros, e outros, e outros. Tentativas que, na real, não deram em nada, criaram mais entulho sonoro, cacofonia, entropia, etc. Então é isso. Eu vinha tentando ver se alguma fonte sonora ainda conseguia me dar algum barato musical, tentando ouvir até ruído de motor de geladeira, por exemplo, de forma estética quando fui ouvir, sem esperar nada, o álbum Kamikaze, que Luis Alberto Spinetta lançou em 1982. E quase caí de costas. Como pude não ter conhecido o trabalho desse cara antes?
Spinetta colocou em dúvida minha convicção de que a música já era, de que eu já havia ouvido tudo que merecia ser ouvido, etc. Ele é um daqueles casos em que um aglomerado de contradições conceituais acaba dando certo, sem que consigamos explicar por quê. (É por isso que a cada dia que passa estou ficando cada vez mais fenomenológico: não sei o que é, nem por que é, mas tenho certeza de que é, etc.). Contradições porque, por exemplo, suas canções fluem como se fossem simples. Contudo, estão longe de ser simples ou intuitivas no sentido redutor, servindo-se de recursos harmônicos tremendamente sofisticados, recursos esses que geram, no caso de Spinetta, um universo sonoro alusivo (primo em segundo grau, às vezes em primeiro) ao Clube da Esquina, mas com um drive bem mais rock’n’roll do que o de Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, etc. Esses artifícios técnicos, que, em outras mãos, não passariam de acordes suspensivos, trítonos, empréstimos modais, em Spinetta são absorvidos por uma potência sonora mais profunda e devolvidos como formas musicais renovadas. Dito de outra forma, Luis Alberto não deixa de ser devedor de linguagens musicais exauridas (todo mundo o é, nessa altura dos acontecimentos ou dos não-acontecimentos desse nosso velho e cansado mundo), mas elas, em suas mãos, como que ressuscitam, por algum milagre.
07/05/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
TENDINOPATIA DO TENDÃO DE AQUILES Corro num pace ruim, acima de oito, na média. Pego a Nove de Julho, a Groenlândia, a Joaquim Antunes. Entro no cemitério, Necrópole São Paulo, vou correndo pela alameda rente à Rua Cardeal Arcoverde, o calcanhar direito queimando. Procuro o túmulo de um dos ramos da minha família, ali está, Família Cerveira, roubaram as placas de bronze e agora há umas placas feias, de plástico, com os nomes dos mortos. Pego a alameda que vai até o fundo no cemitério, onde há o velório e a saída para a Rua Luís Murat, saio do cemitério e começo a travessia da Vila Madalena, Beco do Batman (típico lugar supostamente pitoresco pra turista ver, como aquela praça com o orelhão gigante em Itu, com a diferença que a praça em Itu é hilária em sua jequice surreal assumida, já o Beco do Batman tem o ranço típico da Vila Madalena, aquela coisa meio comunista e maconheiro, etc.). Entro na Pompeia pela Rua Apinajés, paro algumas vezes para me alongar e descomprimir os quadríceps (vasto lateral, medial, intermédio e reto femoral) e a panturrilha (gastrocnêmio lateral, medial e sóleo). Acho uma nota de dez reais caída no chão, um dachshund quase me morde quando passo correndo por ele, entro na Rua Havaí, paro no reservatório da Sabesp, me reidrato, sigo a Doutor Arnaldo, sigo a Oscar Freire, sigo ruas por dentro do Jardim Europa, chego em casa. Onze quilômetros em duas horas e dezoito, com as pausas, alongamentos, etc.
LARA LATEX Não a conhecia. Atriz pornô inglesa. Deve trabalhar fora do Reino Unido, já que é proibido produzir conteúdo pornográfico por lá. (Não propriamente proibido, mas altamente regulamentado.) Atualmente Lara tem cinquenta anos e ainda compõe uma figura atraente, corpo esguio e elegante, rosto que mescla artificialidade, estranheza e depravação. (Gozada essa coisa de proibições. Mórmons são proibidos de beber Coca-Cola (cafeína), crentes raiz são proibidos de ver TV (Igreja Pentecostal Deus Inhamô, mulher de saia curta no céu não vai entrar, etc.), judeus são proibidos de comer salsicha, ingleses são proibidos de produzir pornografia, etc.)
DEVO UMA NOTA GORDA Gerald Casale, do Devo, parece estar usando uma peruca estilo o cabelo que ele tinha quarenta anos atrás. (Portanto, é diferente do caso da Anna Muyamiga Muylaert, que usa uma peruca feita de maconha prensada, cabelo de maconha, etc.) Casale é gavião, vive casando com mulheres quarenta anos mais novas, daí a possível explicação para a peruca. (Quando pegava mulheres mais velhas que ele Casale pegou e casou com aquela coisinha gostosa da Toni Basil, que nos anos 1980 fez sucesso com Hey Mickey, que nos anos 1970 não sei o que fez e que em 1969 apareceu em Easy rider, uma das garotas que Peter Fonda e Dennis Hopper pegam no bordel em New Orleans.) O talento musical de Gerald Casale é bem inferior ao de Mark Mothersbaugh, ouçam o disco do Devo em que suas composições predominam, o fraco Shout, de 1984, e tirem a prova. (Nota gorda, ganhe uma nota gorda, era o mote de uma propaganda sensacional do banco Safra, lá por 1977, em que Wilza Carla, banhas eróticas, aparecia fazendo um número burlesco.)
RECONHECENDO PADRÕES, ETC. Lá por 1979 eu reconheci o padrão relógio de zelador. Foi assim: todo zelador, porteiro e vigia noturno com quem eu tinha contato usava relógio Technos, sempre grande, cebolão, sempre com o fundo verde metálico. Assim me parecia, embora crianças tenham uma desvairada imaginação óptica, como dizia Nelson Rodrigues.
COLLOR Muito deprê esse ocaso da vida do Fernando Collor, acabar num presídio que fede a esgoto, cheio de pernilongos, baratas, etc. Ele, que foi um homem bonito, está parecendo um boneco de cera (harmonização facial, etc.). A bem da verdade, é muito deprê tudo que o envolve. (Admito que li a autobiografia da Rosane Malta, mistura da Barbie com a Amelinha, os trabalhos de magia negra no porão da Casa da Dinda, sacrifício de animais, etc.)
CHAT CPT Pedi ao Chat GPT que criasse, usando um aparto teórico de alta cultura, uma crítica musical de Eruption, de Eddie Van Halen. Acho o Eddie um artista superior que, tendo tido sua origem e trajetória dentro da indústria cultural e do universo pop, acabou sendo uma espécie de refém de luxo desse universo, universo esse que sequer tem vocabulário para alguma tentativa de dizer coisas substanciais sobre uma peça como Eruption. Dentre várias respostas surpreendentemente boas do Chat GPT, selecionei o seguinte trecho:
Na escuta fenomenológica, o que nos afeta em Eruption não é a forma, mas a presença. Não há aqui forma musical no sentido tradicional, e sim formas da emergência sonora — aquilo que aparece como fenômeno, mas que já desaparece no instante mesmo de sua constituição. A consciência é posta em estado de aceleração: retentio e protensio (retenção e protensão, as estruturas temporais da consciência, em Husserl) são forçadas ao limite. A peça parece nos escapar — e justamente nisso reside sua força fenomenal.
Etc., etc.
02/05/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
HABEMUS ERVAM! CONCLAVE DE MACONHEIROS LEGALIZA INCENSO PARA FINS RECREATIVOS (Reuters/Roma, quem tem boca vai a) Papa Francisco morreu, um novo papa será eleito, etc. Já vi essa história se repetir algumas vezes nos meus Studio 54 anos de vida – Paulo VI, João Paulo I, João Paulo II, Bento XVI e Francisco. (Papa é aquela criatura sempre a caminho da senectude, que veste umas roupas ridículas, parecidas com uns vestidões, e que vive proferindo frases sábias, ou seja, um monte de banalidades que poderiam perfeitamente ser ditas num chá com bolo por um bando de tias velhas, é necessária a fraternidade ente os homens, a guerra é uma coisa ruim, os ricos devem ajudar os pobres, etc.)
Acho engraçada essa preocupação de que o novo papa venha a ser conservador ou coisa que o valha. Cara, se você não é católico, se você não tem fé de que Jesus ressuscitou no terceiro dia, etc., que diferença faz se o papa condena o aborto, o casamento gay, a camisinha, etc.? Vá procurar sua turma, ô meu. (Aliás, se a ressurreição não aconteceu, se Jesus não é o logos divino, etc., essa história toda de religião é uma palhaçada e o Vaticano deveria ser transformado em resort, cassino, etc.)
(Claro, todo filho da puta quer aparecer na foto com o sujeito que é uma espécie de influenciador digital de um bilhão de seguidores. Pouco importa que o sujeito use aquele vestidão branco e que só diga banalidades, coisas do tipo que aquela sua tia meio burralda diz, a guerra é uma coisa ruim, etc. E os mais filhos das putas entre os filhos das putas não se contentam em aparecer na foto – clamam por uma igreja feita à imagem e semelhança de suas deformidades, etc.)
AS DEUSAS, DE WALTER HUGO KHOURI Revejo, de olhos fechados, As deusas, Walter Hugo Khouri, 1972. Sim, revejo de olhos fechados, só ouvindo o filme. Um homem, uma mulher, uma casa à beira de um lago, outra mulher, a natureza e suas supostas forças anímicas, o conceito junguiano de anima. Frases cercadas por longos silêncios, pessoas cercadas por espaços amplos. Aproximações, afastamentos. Quando começo a me sentir afundado demais em 2025 vejo (ouço) algum filme do Khouri e parece que passei por uma ressurreição.
CANCELAMENTOS Lobão vem publicando uns vídeos breves comentando escritores cancelados de sua preferência. Até agora, publicou Georges Gurdjieff, Monteiro Lobato e Louis-Ferdinand Céline. Tenho curtido as publicações. Marcelo Mirisola fez há alguns anos coisa semelhante em um artigo muito bom para a revista Bula. (A propósito, o livro novo do Mirisola, Espeto corrido, já morreu? Não vi uma resenha, uma crítica, uma entrevista com o autor.)
DANE-SE A PLAYBOY E SUAS CAPAS Três mulheres sensacionais que exibem suas interessâncias no Instagram (talvez em outras plataformas, não sei). Deborah Spanó, uma italiana linda e com jeito de boa atriz, de boa comediante. Madalina Ioana, que é romena, se entendi bem. Ruby Reid, americana do Texas. Não posso dizer qual das três me agrada mais, se eu pudesse levaria as três pra minha casa, casaria com as três, etc. Como dizia Nelson Rodrigues, a simples presença da mulher bonita já é uma epifania.
24/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
DO ARCO DO TRIUNFO AO ARCO DO FRACASSO: AILTON KRENAK PERDE PARA CUPIDO CAMPEONATO DE ARCO E FLECHA! (REUTERS/ACELERA, AILTON) Outro dia meu amigo Búfalo Bill Gates saiu com uma garota de programa de índio e foi extorquido por ela – a mulher arrancou a chave do carro e disse que só devolveria se Bill lhe desse 4% das ações da Microsoft. Depois de uma negociação ríspida e cheia de tensão pré-menstrual, a mulher acabou aceitando as três notas de cem que Bill lhe ofereceu e deu no pé. Bill então me ligou e disse que precisava ir dar uma volta para se acalmar um pouco e arejar as ideias e me convidou para ir junto. Topei. Seguimos pela Anhanguera até Campinas e, sem saber o que fazer por lá, acabamos indo conhecer a reserva indígena Guarani F. C., onde fomos recebidos por sensualíssimas havaianas que dançavam o hula-hula e que botaram em nossos pescoços colares de flores, ou melhor, onde fomos recebidos por umas índias horrendas com as tetas caídas que dançavam o uga-uga e que botaram em nossos pescoços a faixa “Guarani F. C. – Campeão Brasileiro de 1978”. Depois fomos levados à presença de nosso guia turístico e espiritual, o líder indígena e corredor de Fórmula 1 Ayrton Senna Krenak, que fora incumbido por Tupã a nos mostrar as dependências do clube. Tanto eu quanto Bill achamos o clube reserva indígena bem bacanudo, cheio de piscinas, quadras poliesportivas e tabas. Krenak foi muito solícito e gente fina, e nos pagou várias rodadas de cauim, a tal da cerveja indígena feita à base de mandioca, e depois umas rodadas de ayahuasca, a tal da cerveja indígena feita à base de cipó, e depois a saideira, mais cerveja de mandioca, ic!, e depois a saideira da saideira, ic-ic!, e quando já estávamos pra lá de Ji-Paraná, Rondônia, ele acabou arrastando a gente para o maior programa de computador de índio da paróquia, uma palestra ministrada numa oca para um bando de gente com a cabeça oca, onde ficamos vendo durante cinco horas um cacique hacker entoar “u-u-u-u-u”, sacudir um chocalho e ensinar certos princípios cósmicos da sabedoria hacker indígena, tais como “invocando Tupã para um ataque DDos bem sucedido”. Deu no saco, ô meu.
GENI E O LED ZEPPELIN A atriz trans paraibana Geni Lacerda (ex-Genival) foi escalada pela diretora Anna Muylaert para interpretar Ozzy Osbourne na cinebiografia da banda inglesa Led Zeppelin, pioneira do hard rock e do hard forró. Anna Muyamiga declarou, enquanto dichavava os cabelos (sério, o cabelo da mulher parece uma peruca feita de maconha prensada), que a escolha de Geni Lacerda para o papel de seda Bem Bolado de Ozzy não teve outro critério senão o da excelência artística, nada tendo a ver com questões identitárias, de gênero, etc. Segundo fofocas de bastidores, Anna vem tomando a liberdade de incluir trechos ficcionais no filme, como uma parte em que o Led Zeppelin, Ozzy Buarque de Hollanda à frente, toca uma canção chamada She gave the radio away and didn’t even tell me, uma versão hard rock de Ela deu o rádio e nem me disse nada.
ADOLESCÊNCIA NETFLIX Vem dando o que falar a série kitsch Adolescência, do canal kitsch Netflix. A série aborda o dramalhão kitsch dos incels, celibatários involuntários que mal sabem das encrencas de que estão se livrando sendo celibatários (gravidezes indesejadas, divórcios, pensões ou-paga-ou-vai-em-cana, alienações parentais, mulher que engorda 50 kg depois de casar, etc.) O bom é que o diretor brasileiro Fauzi Mansur bolou um lance meio A Rosa Púrpura do Cairo, aquela mistura de planos, o real e o ficcional, e vem dando um alívio para aqueles adolescentes ingleses ressentidos, potencialmente homicidas e, claro, completamente cabaços. "A Kátia me fez parar de pensar em besteira, de querer matar, essas coisas", afima Ronnie Biggs, ex-ladrão mirim que foi preso aos oito anos por roubar um trenzinho de brinquedo na Harrod’s e que depois de cumprir pena foi escolhido para o papel de Ronnie Biggs na série Adolescência. A Kátia a que ele se refere é a personagem do filme Promiscuidade – Os Pivetes de Kátia, direção de Fauzi Mansur, Brasil, 1983, filme em cujos negativos ele e seus amigos incels cabaços têm penetrado, para a felicidade deles e, é claro, da Kátia, aquela coroa safadinha chegada num garotinho. O canal kitsch Netflix ainda não se pronunciou a respeito.
Etc., etc.
20/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ITAIM-BIBI: TESE Soube que tocaram o Teatro Vento Forte pra fora do espaço que ele ocupava no Parque no Povo. O tal teatro estava ali desde cenozóicas eras, quando o que hoje é o parque era um monte de campos de futebol de várzea (Marítimo, Clube do Mé, etc.) e um monte de bocas de fumo. Eu nunca vi o tal teatro funcionando, levando alguma peça, sei lá, Ricardo III, now is the winter of our discontent made glorious summer by this sun of York, etc., essa é a única linha de Shakespeare que sei de cor. O tal do Teatro Vento Forte devia ser um desses teatros que dão aulas de capoeira e que mais parecem centros de macumba. Pra mim não vai fazer a mínima falta. E quer saber? Adorei que tenham metido eles pra fora, sempre acho maior legal ver algum bando de xexelentos tomando no cu. Porque esse pessoalzinho que se acha de esquerda acha que esses teatros de capoeira-e-macumba são uma forma de resistência ao capitalismo, à burguesia ou a seja lá o que for, mas não são resistência a coisa nenhuma, são apenas uma espécie de sistematização da precariedade. Que nem essa história do Raul Seixas, esse falatório todo de que o Lobão supostamente ofendeu o cara dizendo que ele morreu que nem um mendigo, oras-oras, o Raul viveu e morreu como um mendigo, às vezes explicitamente, como quando ele contou no Jô Soares o episódio em que ele comeu lixo em Nova York, em 1974. Raul era a contracultura dos anos 1960 traduzida para a precariedade brasileira, para a fuleiragem, Rock das aranhas é uma das músicas mais constrangedoras, rampeiras e cafajestes que já ouvi e essa coisa de toca Raul é mesmo o fim da picada, o Lobão tem toda razão de protestar.
ITAIM-BIBI: ANTÍTESE Anda uma moda aí de corretoras de imóveis gatas, algumas gatas e arquitetas. Uma dessas beldades que vendem apartamentos, bem parecida com a Lala Deheinzelin quando jovem, disse que o Itaim é bairro para a rapaziada que está enchendo o rabo de dinheiro, a rapaziada que está voando, etc. Estava outro dia passando na Pedroso Alvarenga, num perímetro em que há uns cinquenta anos havia: uma Congregação Cristã (ainda existe), uma casa de massagem chamada Penthouse Club (meu irmão João uma vez ligou pra lá e perguntou, alô, aí é da zona?, e a atendente respondeu, é da zona, meu bem), a Escola Amoreco (onde professoras lésbicas e sádicas puniam os meninos que faziam cocô nas calças fazendo-os vestir calcinha) e uma avícola, que vendia ovos, galinhas vivas, etc. A mendiga (v. “pessoa em situação de rua da amargura”) que morou anos na esquina da Tabapuã com a Clodomiro Amazonas foi chutada dali há uns meses. A mulher era um prodígio de disciplina e organização. Sei lá, fiquei um pouco chateado, a presença dela dava um toque pitoresco ao lugar. Agora é só Eudes (“os colega da firrrma”) e Faria Limer, a rapaziada que, segundo a corretora gostosinha, está voando.
ITAIM-BIBI: SÍNTESE? Um mendigo chamado Trovão, que andava num veículo movido a manivela. (Trovão era meio parecido com o Rogério Skylab, a criatura do ódio de satanás, etc.) Um outro que a gente chamava de o Marisol. O No Legs, um perneta que dava expediente aqui. O Velho das Correntinhas, que na última vez que eu vi estava vendendo as correntinhas dele na Rua Maria Antônia. O Professor de Artes da Nanda (Xuxa), que ficava o dia inteiro desenhando em caixas de papelão com caneta Bic. (Se bobear era um gênio como o Arthur Bispo do Rosário era gênio, etc., etc.) A Ruth Caralho da Porra, que tinha uma pensão ao lado do meu prédio. A Marcinha, piranha de rua, loura oxigenada com a data de validade já meio vencida em 1986, que fazia programas rápidos na Rua Carla. O Lorde, o Barão e o Bigorrilho, garçons do Jig’s. O Sombrancelha (sic), chapeiro do Baby’o. O Cabeça Torta, garçom do Joakin’s. A Dona Mula, dona da padaria da esquina Tabapuã/Iguatemi. O Irmão do Chupeta, que não era muito bom da cabeça e que meio que trabalhava na padaria que a dona Mula vendeu para o Roberto Leal. Etc., etc. O lúmpen todo do Itaim, provavelmente todos mortos hoje, requiescat in pace. Pelos poderes a mim concedidos pela Assembleia dos Coroas Falidos do Itaim e pela banda de rock macumbilístico Exu Cadeira e as Poltronas Amestradas rogo que os ectoplasmas desses lúmpens todos assombrem impiedosamente cada novo prédio besta construído entre a Juscelino, Faria Lima, Nove de Julho e São Gabriel. Cumpra-se, etc., etc.
17/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
QUEM GOSTA DE VELHARIA É ANTIQUÁRIO Luiz Schwarcz, dono da Companhia das Letras (essas velharias existem ainda?, editora, livros, etc.?) em Piauí fala de sua amizade com Paulo Francis. O texto é enfadonho, mas tem uma parte até que divertida em que ele diz que Francis era um daqueles camaradas que quando bebem ficam agressivos e que numa dessas ocasiões ele começou a implicar com um terno de quatro botões que Schwarcz estava usando, por fim chamando-o de rapazola do Bom Retiro (bairro judaico de São Paulo) com esse jaquetão de José Sarney.QUEM GOSTA DE COISA VELHA É MUSEU Meio sacal esse o céu é o limite de Chat GPT, IA, etc. Ter 54 anos te traz a vantagem de saber por experiência que tudo, sempre, acaba virando velharia. Mas a coisa de clonar voz é até que divertida. Clonei a voz do Costinha, Lírio Mário da Costa, e a coloquei para falar um monte de trivialidades atuais. As trivialidades soaram mais triviais ainda. (Divertido também o canal do Instagram O Paraíba de Alagoas, que transforma via deep fake Bolsonaro e Lula numa dupla humorística (v. “Os Três Patetas eram dois: Dedé, Didi, Zacarias e Ringo Starr”).BITOUS Pete Best anunciando em 2025 que está deixando a vida pública. Ué, mas ele não deixou a vida pública em 1962, quando foi demitido dos Beatles e foi viver o que restava da existência dele como um modesto funcionário público em Liverpool? (Não quero ser agourento, mas esse anúncio cheira a Alzheimer, câncer terminal, etc.)2035 Nos próximos dez anos o que ainda resta dos anos 1960 vai ter acabado ou vai estar inviabilizado. Ringo e Paul, se vivos estiverem (faço votos de que sim), terão mais de noventa. Jagger e Richards, por aí também. Woody Allen terá cem (v. “Não é que eu tenho medo da morte, eu só não quero estar lá quando acontecer”). Alguma novidade nisso tudo, decrepitude, falência múltipla de órgãos, etc.? Tudo que é humano acaba indo para o brejo. E la nave va.PUNKS VERSUS AFANÁSIO JAZADJI Tenho em alguma fita VHS que está se decompondo em algum armário aqui de casa dois debates que Sérgio Groisman promoveu quando comandava o TV Mix, Rede Gazeta, 1988. Num deles o debate se deu entre Jacinto Figueira Jr., o Homem do Sapato Branco, e um grupo de hare krishnas. Jacinto foi com a carga toda pra cima da rapaziada, dizendo que tinha ouvido de alguém de dentro da organização a confissão de que era tudo grupo (“Jacinto, é tudo grupo”), que a coisa lá era uma tremenda de uma surubeta, que era todo mundo com todo mundo, etc., ao que um dos hare krishnas começou a dizer, como um possesso, é mentira, é mentira, é mentira, é mentira, é mentira, etc. Noutro o debate foi entre quatro punks – Redson, do Cólera, Tatola Godas, então vocalista do Não Religião, Mao, dos Garotos Podres, um sujeito parecido com o Lagartixa Pré-Histórica (Caio Túlio Costa), editor de uma revista chamada Junkie, e Afanásio Jazadji. Tatola perguntou a Afanásio por que os estúdios de uma emissora de rádio, depois da contratação de Afanásio, passaram a ter cortinas, Afanásio respondeu, é porque eu trabalho pelado, o que mais você quer saber?, se meu carro tem freio a disco? No final, depois de fazer os punks todos botar o galho dentro, Afanásio pediu desculpas ao telespectador por algum excesso, mas reiterou que com aqueles cafajestes que não prestavam pra nada ele não podia ter agido de forma diferente.Etc., etc.CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO FORAM FEITAS NA HORA CERTA Yoná Magalhães foi capa da Playboy em fevereiro de 1986. Pode-se dizer que estava bem para cinquenta anos. Mas, na real, estava meio cafonona, com aquele cabelo pompom que então era moda, etc. Sobretudo, havia algo pesado, sobrecarregado, em sua imagem. Yoná deveria ter sido capa da Playboy dez anos antes, 1976. Vejam as cenas dela em O grito, novela da Globo. Ela está bem magra, coisa que a favorecia bastante, e com o cabelo liso. O.k., estava com um ar meio de Bife Acebolado, mas é inegável que estava linda.14/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
WALTER CASAGRANDE & SENZALA Onda nova, 1983, direção de Ícaro Martins e José Antônio Garcia, estreia em salas de exibição em cópia restaurada, com um apelo de filme proibido pela ditadura, etc. Onda nova deve ter sido exibido umas quinhentas vezes no Canal Brasil desde 1998. O filme é uma porcaria divertidíssima. Numa das cenas Walter Casagrande Jr. é convocado a desvirginar uma fulana. Caberia um comentário jocoso ou irônico do Casão, puxa, que honra, etc., mas ele se limita a ficar com a maior cara de babaleu, humor involuntário, etc. Duvido que o público atual, especialmente as pessoas com menos de quarenta anos, vá entender a picardia, o nonsense e a esculhambação oitentista da dupla Garcia/Martins.
PAPA FRANCISCO CUOCO FUMOU MACONHA NA SESSÃO ESPÍRITA DE YOKO CUOCO Dando uma olhada rápida em algumas entrevistas feitas pela Bruna Lombardi nos anos 1990. A mulher era obcecada pelo assunto drogas, ô gente boa. Se ela fosse entrevistar o papa, uma hora fatalmente ela iria perguntar, e as drogas, sua santidade? (V. Lúcia McCartney, Rubem Fonseca, é, lá-rá-ri, lá-rá-rá, mas foi pega com as tais das bolinhas.)
(Existe alguma coisa que preste relacionada a drogas? Relatos de experiências são sempre monótonos, ouvi a voz de Deus, etc. Papo de gente em reabilitação é insuportável. Papo de gente que toma ayahuasca, etc. É sempre mais do mesmo, é sempre a mediocridade humana e sua pretensão vulgar (e ridícula) de alguma transcendência por via química.)
HOMEOPATIA OBESINAS Por que todo indivíduo que emagrece, sei lá, quarenta quilos sempre aparece nas fotos pra mostrar a perda de peso rindo feito um bobalhão? Podem reparar. (Usem um pouco a criatividade, meu povo. Tirem fotos fazendo caretas, mostrando o dedo médio, etc.)
IGREJA PENTECOSTAL DEUS INHAMÔ Sensacional aquela música de crente que diz olhei pra minissaia e não pude encontrar, poder pra me salvar, mulher de saia curta lá no céu não vai entrar, etc. Está na tracking list do meu Spotfy, Mundo de tristeza, Ereni Miranda. Outras faixas sensacionais da minha tracking list: Ela deu o rádio, do Genival Lacerda, Diário de um detento, dos Racionais MC’s, Se macumba funcionasse, de Ronnie Von Richthofen, Folha de bananeira, de Exu Cadeira & As Poltronas Amestradas.
TECHNOS Acho ultra Eudes (Eudes, “os colega da firrrma”) esse culto bocó à tecnologia dos tempos atuais. Vendo uma entrevista do Dejan Petkovic, ex-jogador do Flamengo, ele falando da vida na Iugoslávia nos anos 1970-80, penso que não hesitaria em trocar nossa vidinha de celulares, Whatsapp e o escambau por um lugarzinho em Belgrado naquela época. Em Belgrado eu teria comida abundante e barata, imóveis idem, muitos livros para ler e um monte de iugoslavas (sérvias, croatas, etc., em geral são lindas) para namorar.
CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Márcia Cabrita, em fevereiro de 1997. Márcia era tão gostosa que até o Miguel Falabella, que não parece ser muito chegado no material, uma vez fez um comentário sobre os peitos dela numa cena de Sai de baixo: peitaria, hem? (Inesquecível o Falabella fazendo o Silveirinha em O sonho não acabou, Sérgio Rezende, 1982, na cena da torre de TV, dirigindo ao José Dumont a fala, ó só a muamba do cara, que quê é isso aí, ô paraíba?)
05/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
CORRE COTIA NA CASA DA TIA Atravesso a Tabapuã, ligo o cronômetro, começo a correr, ativo a cintura escapular, sinto os braços pendularem, pisada neutra, pronada, supinada. Sigo o leve declive até a Cidade Jardim, observo o terreno onde era o prédio da DPZ, demolido, agora a linha reta, Cidade Jardim, Europa, Augusta. Ontem eu subi a Ministro Rocha Azevedo e desci a Joaquim Eugênio de Lima, 8,4 km em hora e oito minutos.
SURFACE AIR MISSILE Povinho chiando nas redes sociais com a escolha dos atores que farão os bitous (v. Johnny e os Moondogs) em quatro filmes que serão lançados ao mesmo tempo em 2028, dirigidos por um tal de Sam Mendes. Por que a surpresa, ô povinho? O cinema acabou em 2014, os últimos filmes feitos foram O lobo de Wall Street e Garota sombria caminha pela noite. Nada mais depois disso. Esqueçam. Aliás, caguei pra cinema, streaming, Kitsch-Netflix , etc. (V. O hino da Igreja Pentecostal Deus Inhamô, olhei para o cinema e não pude encontrar poder pra me salvar, poder pra me salvar, os filmes de cinema lá no céu não vão entrar, por isso é bem melhor assim cantar, etc.)
EXIBIÇÃO ATROZ Vejo no Instagram a história de uma velha demente (Alzheimer, etc.) que mordeu um sabonete, o sabonete grudou na dentadura, ela tirou o conjunto dentadura/sabonete da boca e o guardou dentro de um livro. Admitamos: a coisa tem uma dimensão cômica, e uma dimensão cômica considerável. (Para não dizer surreal, De Chirico, etc.) Eu e meus irmãos ríamos até o maxilar travar quando um parente próximo teve uns episódios de descacholamento (v. Odorico Osório, depois Odorico Paraguaçu) e narrava umas histórias completamente malucas. A vida é um horror mesmo, ao menos deixem a gente rir com o horror (v. Joy Division, for entertainment they watch his body twist, etc.).
VIVA A BURGUESIA Vou com meu velho amigo Roberto Bicelli dar uma volta e tomar um café no Shopping Center Iguatemi. Subimos ao terceiro andar e digo que foi nessa escada rolante que a Helena Ignez deu um monte de chutes na canela do Stênio Garcia, A mulher de todos, 1969, direção de Rogério Sganzerla. Quando o Bicelli cansa um pouco de seus amigos esquerdistas pés de chinelo a gente vem ao Iguatemi para ver mulheres bonitas, bem vestidas, etc.
ROGÉRIO SKYLAB, A CRIARTURA DO ÓDIO DE SATANÁS Numa de suas notáveis intuições (percepção imediata de uma presença) Olavo de Carvalho sugere que, como não temos estatuto ontológico próprio e como não há nenhuma razão para termos sido colocados na existência (v. dasein, Heiddeger, estar aí, e vá lamber sabonete Lux quem complica a tradução), que então só podemos ser criaturas do amor de Deus, ou seja, que Deus nos criou por um puro e livre ato de amor. Em alguns casos, vá lá, admito até que sim. Mas e todos os estropiados? Os aleijados? Os horrendamente feios, sem charme, sem inteligência? Os calvos com cabeça de ovo? Os flácidos? Os obesos? Os débeis mentais? Os que largaram os estudos e que flexionam advérbios (ela é meia chata, etc.)? Criaturas do amor de deus? Sério, você consegue olhar para, hum, o Rogério Skylab e atribuir a ele a definição criatura do amor de deus?
CADÁVER ESQUISITO Eu e meus irmãos jogamos cadáver esquisito desde pequenos. Chamamos o jogo de sorteio. Tenho usado o ChatGPT para sortear as frases, combinações, etc. A propósito, vou fazer agora um sorteio com alguns nomes de amigos mais próximos que estão no Instagram e outros que fazem parte do meu mailing. Não se ofendam, tá? É tudo brincadeira. (Quem não aparecer no sorteio e quiser aparecer é só mandar uma mensagem.)
SORTEIO Roberto Bicelli cagou nas calças no disco voador de Clóvis Bornay. Magali Bragado bebeu água de privada no fuzilamento de Francisco Cuoco. Luciene Lamano jogou pó de pemba no cabelo de lobisomem de Sílvio Santos. Carlos jogou na areia movediça a dentadura de Elisângela. Andrea tocou sanfona na sessão espírita do Reverendo Moon. Toni bateu com a raquete de matar mosquito na assombração de Nelson Ned. Eurico Junqueira cagou o fígado no teleférico de Antônio Marcos. Stella Florence comeu macarrão com barata no exorcismo de Jece Valadão. Marcelo Santos ficou com medo do pneu furado de Moacyr Franco. Roberto Ormond passou com o trator na perna mecânica de Carlos Menem.
Etc., etc.
ENTREVISTAS DA PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Wesley Duke Lee, em janeiro de 1982. Wesley era arrogante, eventualmente rude, mas engraçadíssimo. Figuraça. Imagina só, num meio escamoso como o meio das artes visuais o cara vir à boca de cena e dizer que era a favor da restauração da monarquia no Brasil e que o problema de comunista é que comunista é burro.
02/04/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
JOSÉ ARIGÓ PRESTOU CONCURSO PRA BARNABÉ, ETC. Ouço a Messa d’Oggi, Enrico Intra, 1970, da qual o Zé do Caixão sabiamente usou o melhor trecho, Credo, na abertura de Exorcismo negro, 1974, claro que sem pagar um tostão de direito autoral. (Dizem que o Paul McCartney botou uns capangas atrás do Carlo Mossy pra dar um pau nele, porque Mossy usou sem autorização uma música dos Beatles num filme pornô, etc.) Ouço também a Missa in memorian Itamar Assumpção, Arrigo Barnabé, 2006, que eu tinha achado, sei lá, horrenda numa primeira e rápida audição, mas, não, a coisa é boa, trata-se de um Arrigo bem mais stravinskiano do que, entre aspas, schoenberguiano, e dá pra ver direitinho a presença gingada e malandra do Itamar naqueles breguetes todos, gloria, credo, kyrie eleison, etc. A regência é do Tiago Pinheiro, que em idos tempos (final dos 1980, início dos 1990) comandava o notável (eventualmente esplêndido) Grupo Beijo/Coralusp. Sim, o cara uma vez pegou uma música bizarra de uma fracassadíssima banda de rock brasileiro dos anos 1980 chamada Lado B, Céus do Haiti, e a transformou, via arranjo, numa peça vocal estranhamente tocante. Ouçam: https://www.youtube.com/watch?v=Ue3H1KXkeoU
TE VEJO NA MTV Muito legal a reportagem do Gastão Moreira mostrando como está o prédio da MTV, Alfonso Bovero, 52 (eu morei no 1024, em 1975/76, atualmente tem um Postnet na casa). Apesar de tudo estar preservado, em uso (a Kalunga, que hoje é proprietária do prédio, aluga os estúdios), etc., continuo achando que a MTV envelheceu mal, como envelhece mal todo aquele (tudo aquilo) que se deixa levar pelo mito da juventude (v. nossa linda juventude, página de um livro bom, etc.). (Ao contrário da MTV, ou melhor, do espólio de uma emissora encerrada há doze anos chamada MTV, que envelheceu mal, vejo que a Daniela Barbieri, 56, hoje instrutora de ioga, está envelhecendo bem, bem, muito bem.) Vejam a reportagem do Gastão: https://youtu.be/KgzXxP6hXvg?feature=shared
REX GALLERY Conversando sobre Wesley Duke Lee com um amigo mostro um vídeo que achei, uma festa na Rex Gallery em 1966 (passei ontem em frente ao prédio, Faria Lima, 2523). Meu amigo diz que parece a festa em que o Ratso Rizzo (Dustin Hoffman) rouba mortadela e bate umas carteiras em Midnight cowboy e eu concordo com ele. Então penso na Brenda Vaccaro, que está estupenda no filme. Jon Voight, que está tentando ganhar a vida se prostituindo em Nova York, descola um programa pra fazer com ela. Brenda o leva para casa. O texano Joe Buck falha miseravelmente na hora em que deveria funcionar. Brenda sugere de eles jogarem palavras cruzadas. Joe Buck/Jon Voight soletra mony em vez de money. Brenda faz uma lista de palavras terminadas em ípsilon: faggy (viado)... fay (fada)... gay... A cara de discreto deboche que ela faz chamando quase que diretamente o Joe Buck de bicha é muito engraçada.
CAPAS DA PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Daniela Barbieri, sim, sim, como não?, em junho de 1991. (A propósito, e aquela Tatiana Mancini, que foi da MTV e foi capa da VIP? Nunca mais ouvi falar nela.)
ENQUETE: BEATLES Faz tempo que não tenho mais muito saco pra qualquer coisa que envolva os Beatles, que acho dos quatro aquilo que o Paulo Francis achava, que numa sociedade aristocrática os beatles trabalhariam limpando bosta do cavalo no estábulo, etc., etc. De qualquer forma, no correr das décadas acabei acumulando um monte de opiniões sobre um monte de especificidades dos rapazes de Liverpool. Querem ver? Vamos lá. Meu álbum preferido: o The Beatles, ou Álbum Branco. (Talvez seja o único álbum dos Beatles que eventualmente eu ainda consiga ouvir quase inteiro.) O pior álbum: tirando o Please, please me do páreo, porque bobinho, ingênuo, não propriamente Beatles ainda, acho o Beatles for sale. Minha música preferida: I’m only sleeping. (A música, o arranjo vocal, tudo. Esplêndida.) O melhor álbum solo de um ex-beatle: Ram, do Paul McCartney, 1971. Pffff. Chega. Já deu esse assunto.
31/03/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ESSE FILME FOI PRODUZIDO ORIGINALMENTE EM PRETO E BRANCO Estamos em férias na praia, férias de julho do ano de 1984. A TV, um aparelho Colorado, conectado a um sintonizador UHF, mostra a vinheta da Sessão Coruja, depois a ficha da censura. O filme, O Jovem Frankenstein, começa. Ficamos aloprando o Ivan, um de nossos amigos, dizendo que ele parece o Frankenstein do filme. (Ivan tem onze anos e já está com um metro e oitenta e dois.) A Rua Vitório Morbim está tomada pela neblina. Estão presentes na sala de casa o Juninho (Odorico Paraguaçu bebeu água de privada no suplício de Salviano), Toni (Toni dançou rock’n’roll com a perna mecânica de Inri Cristo), Ivan (Doutor Phibes tocou sanfona no fuzilamento de Ivan), Elton (seu Heitor cagou nas calças no disco voador de Jacinto Figueira Júnior), eu e meus irmãos, João e André.
FECHA A JANELA, JOÃOZINHO Consigo ouvir e achar interessantes alguns trechos do Arrigo Barnabé por não mais que cinco minutos. São Paulo, 31 de dezembro de 1999, falta pouco, pouco, muito pouco pro ano 2000, de Clara Crocodilo, pra mim é o bastante. Tubarões voadores, a faixa, é legal. Ouço-a inteira uma vez a cada dois anos. Orgasmo total, enquanto não entra a banda e aquelas vocalistas com voz de gralha, vai até que bem. Arrigo parece ser um cara bacana, com um senso de humor meio sombrio com o qual tenho afinidade. Suas imitações do Gil Gomes são hilárias. É bastante autocrítico e sabe que grande parte do que compôs não passa de experimentações falhadas. Suas duas missas, para Itamar Assumpção e Arthur Bispo do Rosário, são horrendas.
TATIBITATE A Tati Bernardi até que é bonitinha. Tem cara daquelas nerds mocorongas que um dia você descobre ter umas taras meio incomuns, etc. Um diretor de cinema sacana, canalhão e talentoso podia tirá-la da bolha folha-esquerda-feminismo e colocá-la numa cena como aquela que o Mojica concebeu e dirigiu em Trilogia do terror, a mulherada tendo a roupa arrancada a chicotadas, enquanto um maneta toca bongô. (Sugestão: podiam colocar o Nasi, tomado por algum exu, suando à beça e castigando o atabaque.)
MONGA COEN Monga Coen aparece no meu Instagram mandando um venham-ver-é-sensacional para uma peça sobre Alister Crowley. Tsc, tsc, não adianta. Por mais que mude, se ligue, caia em si, esse pessoal que encheu a cuca de LSD nos anos 1970 em algum momento sempre vai acabar exibindo em público a cabeça batendo pino.
INTERVENÇÃO MILITAR Interessante que Rindu, Martina e o outro cujo nome esqueci, em Blecaute, Marcelo Rubens Paiva, passam a transitar militarizados por aquele mundo estranho em que havia sobrado só eles três. Sim, uma hora eles saqueiam do quartel no Ibirapuera veículos blindados, fardas, armamentos, etc. Noutra parte, um deles pega uma barca da Rota (v. veraneio vascaína vem dobrando a esquina), descobre uma quantidade razoável de maconha no porta-luvas e saí com o carro por aí, procurando algum ******* para esculachar, plantar droga pra forjar flagrante (v. Cê tá pensando que Erasmo Dias é Erasmo Carlos?), etc.
BLECAUTE SALVA NEWTON CRUZ DA CADEIRA ELÉTRICA Não sei se a peça de teatro chegou a ser feita, Blecaute, baseada no romance homônimo de Marcelo Rubens Paiva, mas o Kiko Zambianchi fez uma de suas músicas mais legais, mais bonitas, para a trilha dessa peça. Ouçam: https://youtu.be/c8l8cYQM1zk?feature=shared
(Não adianta, canções modais em modo dórico sempre quebram minhas pernas.)
CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, PORQUE, WELL, SEM CHANCE Wilza Carla, 144 kg, não foi capa de Playboy, mas apareceu nas páginas de uma revista hardcore, Club, Fiesta ou International, em 1982. A seção da revista que mostrou Wilza nua se chamava Banhas eróticas. (Em idos tempos havia uma revista pornô que mostrava mulheres rechonchudas, acho que se chamava Chubby. Ou Cheri, sei lá.)
21/03/2025
TITÃS OU MARCELO RUBENS PAIVA?, por Eduardo Haak
Isso foi quando? Eu diria que anos 1990, no máximo início dos 2000. Uma crônica do Marcelo Rubens Paiva em que ele dizia se sentir um zé-ninguém perto dos Titãs. Em outras palavras, que o que ele mais queria na vida era ter tido a sorte de ter vindo a ser um titã. Que, vá lá, naquela altura dos fatos ele, Paiva, filho de Rubens e Eunice, se daria por contente de ir bater um pandeirinho com Paulo Miklos, Branco Mello e tutti quanti, ainda que com o rosto coberto por uma máscara (sim, pode ser a máscara carnavalesca da Fernandinha Bochechas Eróticas). Descontados os exageros e as hipérboles comuns em textos ficcionais (crônica não deixa de ser ficção), acredito que a inveja de Paiva era real. Os Titãs, para a minha geração, eram como aqueles primos que se dão absurdamente bem na vida enquanto você, bem, você vai levando, de mediocridade em mediocridade (diploma de administração da FMU, inglês intermediário, apartamento financiado em vinte e cinco anos, etc.). É isso aí, bróder. O titã come a Malu Mader (ou a Ângela Figueiredo) enquanto você, eu e o Marcelo Rubens Paiva comemos o pão que o belzebu amassou. (Alguém me contou que viu uma vez o Paiva de madrugada num Burger King xavecando umas barangas, Palácio do Jaburu total, etc.)
Mas também não nos deixemos levar por esse igualitarismo ilusório. Marcelo Rubens Paiva, a despeito da inveja assumida (procurem o conto do Rubem Fonseca que fala sobre o iate maior, etc.) e do xaveco nas barangas, é também, à sua maneira, um daqueles primos que se deram muito bem na vida. Feliz ano velho foi lançado há quarenta e três anos e vende até hoje. O que sobrou das coisas que você fazia quarenta e três anos atrás? Hem? Hem? Pra mim sobrou um adesivo da Fuji Film que grudei numa gaveta e que, espantosamente, continua lá. Só isso.
Isso posto (ou seja, já que estou tratando minhas próprias invejas e rancores e ressentimentos sem muita cerimônia), que tal eu especular se preferia ter sido um titã ou um Marcelo Rubens Paiva?
Lembrei-me outro dia, a bordo do Pinheiros 477A-10 descendo a Brigadeiro, que já vi os Titãs ao vivo. Foi em 1988, no Fico (Festival Interno do Colégio Objetivo), Ginásio do Ibirapuera. Conheci a banda mais ou menos na mesma época que todo mundo, 1984, Sonífera ilha, etc. Era colega de escola, quase amigo, de um primo do Sérgio Britto, o Eduardo Britto. Ele falava da banda do primo, Os Titãs, etc. Talvez eu tenha parado pra prestar atenção em Sonífera Ilha da Fantasia (Tattoo e senhor Roarke chapados de Rivotril, etc.) por causa desse colega. É possível. Evocando agora meus sentimentos pretéritos, nunca senti inveja dos Titãs. Sim, sempre achei legal, um monte de músicas (Dona Nenê, Toda cor, Babi índio, Pavimentação, Autonomia, Tô cansado, etc.), mas pra mim tranquilo participar dos Titãs como mero ouvinte. Uma época até me encheu o saco as poses deles, coreografias, cacoetes, etc. O Marcelo Rubens Paiva, meus sentimentos em relação a ele são/foram um pouco mais complexos. Por um lado, um cara que quero ser assim quando eu crescer. Bonito, charmoso, escritor outsider, entre aspas. (Sim, eu já quis ser escritor. Essa fantasia começou quando vi o Paiva numa entrevista pela primeira vez, acho que a Paula Dip entrevistando, 1988.) Por outro lado, o Paiva é aquele cara cuja simples/mera presença esfrega na sua cara que você nunca vai ter sequer uma fração do charme dele, que você nunca vai ser amado pelas mulheres um centésimo do que ele é, etc. (Será que é um lance comunista dele, dividir igualitariamente, justiça histórica, etc., aquilo de dar moral para as moradoras do Palácio dos Jaburus?)
E aí, o que eu preferia, estar com dezessete anos e ter uma vida inteira pela frente como um titã ou como Marcelo Rubens Paiva? Bem, se eu tivesse dezessete anos, num 1988 hipotético, acho que não teria dificuldade para escolher. Em última análise jogaria cara ou coroa. O que saísse estaria ótimo. Com cinquenta e quatro, e com o senso de que, a despeito da diferença dos caminhos trilhados, estamos todos indo para o mesmo buraco (todos sendo dissolvidos pela mesma entropia), pra mim é indiferente. De certa forma até prefiro ser eu mesmo, pois devo estar mais familiarizado com os declínios do que esses bobalhões todos. Sim, familiarizado com os declínios e os fracassos como um personagem de Walter Hugo Khouri (v. Paulo José em As amorosas falando para a Aneci Rocha que estamos todos destinados ao oblívio eterno, etc.) Sim, um personagem do Khouri. Que baita sorte a minha.
14/03/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
MEIA-NOITE E VINTE E QUATRO, DIA 16 DE NOVEMBRO DE 1978 Na sala de estar de uma casa na Rua Vitorino Carmilo, Barra Funda. (Ou na Rua Carla, Itaim-Bibi.) Estou deitado no sofá, abraçado a uma almofada, ainda vestido (jeans US Top), meus tênis Adidas Viena no chão, ao alcance da perscrutadora ponta de meu pé direito. A mesa de centro da sala tem alguns números de Manchete, sob os quais deixei uma Status (Lívia Mund, etc.). Há um cinzeiro vazio, de plástico, perto do qual há um maço de Luiz XV com quatro cigarros e um isqueiro Cricket. Ao lado do cinzeiro há um carnê a ser pago no Banco Geral do Comércio e cinco notas de cem cruzeiros (Floriano Peixoto) presas com um clipe. A TV está na Globo, canal cinco, e mostra agora a vinheta da Coruja Colorida, a música de John Cacavas (pastiche de romantismo tardio), estrelas girando, meia lua, etc. Sei que há na garagem aqui de casa um Opala Especial 1973, amarelo. (Ou um Fiat 147, azul, parado na rua, porque essa casa, na Rua Carla, Itaim-Bibi, não tem garagem.) Sei que daqui a pouco vou ouvir o apito do vigia noturno, o Paraná (ou Múmia Paralítica). E mais tarde, se eu ainda estiver acordado, a Kombi da entrega de jornais.PERCURSOS Corro pela Nove de Julho do Itaim até o Joelma (seis quilômetros e uns quebrados) num pace de mais ou menos sete. Entro na Rua Santo Antônio (v. “Bichos saem dos lixos”, Titãs) e atravesso-a inteira. Sigo pela Almirante Marques de Leão e chego à Alameda Ribeirão Preto, depois Joaquim Eugênio de Lima, Paulista e Brigadeiro Luiz Antônio.CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVIAM TER EXISTIDO Kathy Valentine, em agosto de 1984. Kathy era/é a baixista das Go-Go’s (v. Vai-Vai, a escola de samba do Robby Krieger). As Go-Go’s eram todas umas graças, mas bonita mesmo ali só a Kathy. (Pesquiso e vejo que a Belinda Carlisle, cantora da banda, foi a capa da Playboy em julho de 2001.)O SOFÁ DO SÍLVIO SANTOS E aí, a comunidade já liberou o acesso ao túmulo do Senor Abravanel? O povão deve estar na maior fissura pra ir lá fazer pedidos, botar bilhetinhos e colar plaquinhas, “Agradeço ao Sílvio Santos pela graça alcançada”, etc. (Na Mad que parodiou Tubarão aparecia na parte de trás de um biquíni a frase sou fã do Sílvio Santos. Como eu ainda não lia direito, 1977, acabei lendo sofá do Sílvio Santos. Ri muito, aos seis anos, imaginando o Sílvio sentando no traseiro da moça, etc.)AGAMENON Descubro, com mais de um ano de atraso, que a Crusoé parou de publicar a coluna do Agamenon Mendes Pedreira. Que agora deve estar curtindo sua aposentadoria a bordo do Monza 88 enferrujado estacionado na Rua da Amargura. (Talvez o Agamenon esteja fazendo Airbnb com o banco de trás do Monza, onde talvez esteja agora hospedado o Voltaire de Souza.)
(Descubro que Voltaire de Souza está sendo publicado em Poder 360. Não sei quem está escrevendo, mas os textos andam bem ruins. Como já dizia o tio Rolf, tudo no comunismo vira uma bosta, etc.)TITÃS Preparo arroz, feijão e acém moído para a Olívia ouvindo o Tudo ao mesmo tempo agora, álbum dos Titãs de 1991. Gosto muito desse álbum. O empresário Manoel Poladian disse numa entrevista razoavelmente recente que os Titãs faliram quando arriscaram uma autogestão acompanhada de discos pouco comerciais como esse e Titanomaquia, de 1994. Diz também o Poladian que foi o Marcelo Fromer quem fez os Titãs voltarem a ser uma empresa lucrativa, quando convenceu os colegas de banda a deixarem de lado a radicalidade artística e virarem fazedores de musiquinhas de palestra motivacional, é preciso saber viver, devia ter amado mais, etc. (Diz ele que o Fromer costumava dizer, talvez meio de gozação, que ele não gostava de tocar, mas de ganhar dinheiro).
Etc., etc.
12/03/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
ASSALTOS LTDA. Meu pai estaciona o Ford Maverick 1974 cor de abóbora com motor seis cilindros numa rua feia (Rua Vespasiano?) repleta de árvores doentes e diz pra gente que volta logo. Ele entra numa casa que tem uma placa com alguma coisa escrita. Como ainda não fui alfabetizado, não sei o que está escrito na placa. (v. “Sorriso do cachorro tá no rabo”, Walter Franco.) Meu pai começa a demorar. A demorar. A demorar muito. Começo a me sentir angustiado. Faço em voz alta a pergunta, será que ele foi assaltado? Meu primo John Entwistle/Ox, que aos quatro anos já tem a malícia e o sadismo altamente desenvolvidos, responde que sim, que meu pai deve ter sido assaltado, por isso está demorando. Eu entro em desespero e começo a chorar. Meu irmão André também começa a chorar. Ox, tentando conter a gargalhada, diz que na placa da casa onde meu pai entrou está escrito Assaltos. Sim, meu pai entrou na tal casa, dirigiu-se à recepção e disse, bom-dia, eu gostaria de ser assaltado. Etc., etc.
FCK CNV A praça ao lado da Assembleia Legislativa, ALESP, está completamente ocupada por banheiros químicos. Olhando assim parece um pouco aquelas concepções visuais surreais do Storm Thorgerson. Uma coisa meio psicodélica, meio trash, efeito de LSD-25 com Corote, Peter Fonda dirigido pelo Sady Baby, gravado em VHS. A Assembleia depois podia votar a mudança do nome da praça para Praça dos Foliões Cagões e Mijões. A Pedro Álvares Cabral podia mudar para Avenida Amônia (por causa da urina, etc.). Fuck carnaval.
REPÚBLICA ARGENTINA Luis Alberto Spinetta nada tem a ver com os estereótipos da cultura hispanoamericana, aquela coisa latinos de sangue caliente, cantoras no cio, Shakira fixada na fase oral, etc. (v. “Se bunda falasse, falaria espanhol.”) (E se minhoca falasse, falaria chinês.) Tampouco Spinetta tem a ver com o estereótipo do argentino, tango, alfajor, etc. (Sua única música em que aparece um bandoneon é Las golondrinas de la Plaza de Mayo.) Rock’n’roll? Sim, mas o vago e frágil conceito de rock argentino é incapaz de esclarecê-lo (Fito Paez e Charly Garcia não lhe chegam aos pés). Ela, a música de Spinetta, é prima em segundo grau (às vezes em primeiro) do Clube da Esquina. E é esplêndida, a música de Spinetta.
A GRANDE ARTE Encontro no meio de A grande arte, Rubem Fonseca, um papel já meio amarelado com uma análise que fiz da harmonia de Diamond dust (Bernie Holland, Jeff Beck, Blow by blow, 1975). A música muda de tom (de modo, na verdade, pois se trata de uma música polimodal) dezesseis vezes. A quem interessar possa: D dórico, D menor melódico, F dórico, F menor melódico, A# eólio, F# lídio, D# dórico, G# dórico, E lídio, B lídio, A# eólio, F# lídio, F eólio, C eólio, A# mixolídio, A eólio.
ICI Descubro com alguns anos de atraso que a Imperial Chemical Industries não existe mais. Aquela foto espantosa usada na capa do disco do Alan Parsons, da Ammonia Avenue, uma via de quilômetros e quilômetros só com tubulações gigantes para o transporte de amônia, numa fábrica da ICI, explica um certo gosto pelo niilismo e pelo humor demolidor sem limites das pessoas que nasceram por volta de 1971, “logo vamos todos para o brejo, mas pensando bem a coisa até que é engraçada”. (v. “Union Carbide dá amostra grátis pra dois mil na Índia.”)
ELEIÇÕES 82 Um repórter diz, minha pergunta é para o candidato Franco Monturo. (Monturo, monte de lixo.) O candidato corrige, meu nome não é Monturo, é Montoro. Etc., etc.
CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM PORQUE ESTAMOS EM 2025 E A REVISTA DO HUGH HEFNER FOI PARA O BREJO Uma atriz espanhola chamada Marta Belmonte. Tremendamente bonita. Não sei se é boa atriz. Parece que fez um papel de sucesso, alguma coisa de lesbianismo, lesbianismo kitsch netflix.
28/02/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
PASSEIO NOTURNO Saio do Madame (ex-Satã), são quase três da manhã. Maga Patalógica olha para a tela do telefone e acompanha o percurso do Uber, Magy Imoberdorf pergunta se não me importo se ela não me der carona hoje. Digo que não, não me importo, mas que preciso encontrar um ponto de táxi, ou ir para um lugar onde haja probabilidade de eu pegar um táxi que esteja circulando (v. “Livre como um táxi”, Millôr Fernandes). Magy atravessa a rua, agora há na Rua Fortaleza dois food trucks. O Uber de Maga Patalógica chega e nos despedimos, Magy passa de carro e não olha na minha direção. Afasto-me do Madame e sigo a Rua Fortaleza até a Rui Barbosa e espero um pouco em frente a um posto de gasolina abandonado que agora serve de lava rápido e estacionamento e nenhum táxi surge. Vou andando até a Conselheiro Carrão e sigo por ela e chego à Rua dos Franceses e vou subindo, e passo em frente a um hospital, e ouço uma espécie de rumor formado de resíduos sonoros distantes, e passo em frente aos prédios do totem, e subo a Joaquim Eugênio de Lima decidindo se vou entrar na Cincinato Braga ou atravessar a Paulista e seguir pela Alameda Santos. Escolho a Cincinato pensando que talvez o sujeito que vi em frente ao pronto-socorro ali na Rua dos Franceses fosse uma assombração, alguém que morreu em 1999 e que às vezes vem passear na Bela Vista, especialmente de madrugada. Passo em frente a padaria com clima de Nelson Rodrigues aonde fui algumas vezes com o Carlos e a Andrea e cogito fazer o percurso todo até minha casa a pé. (Cogito fazer um treino longo de corrida algum dia desses, de madrugada, talvez indo até o Centro.) (V. Depois que todo mundo dormiu, Eduardo Piochi, 1982.) Finalmente vejo um táxi em frente ao Hospital Santa Catarina e vou ate lá e pergunto ao taxista se ele tem troco para uma nota de cinquenta e ele diz que não, então ofereço vinte reais pelo percurso até minha casa e ele aceita e eu subo no táxi.
MIRCEA ELIADE fala bastante sobre mitos não propriamente de origem, mas de inícios. Grandes inícios. Nossos grandes inícios. Nossos primeiros sonhos impressionantes. Nossas primeiras viagens. Primeiras percepções e intelecções. O cheiro de cigarro e bala Frumelo (framboesa, Lacta) do apartamento da minha avó Ida. (Minha avó fumava Minister e morava na Rua Iguatemi, 335.)
(Acho que o fantasma na Bela Vista era o Goulart de Andrade.)
LUÍS CARLOS ALBORGHETTI Vejo um vídeo chamado Alborghetti melhor sequência. O vídeo é de 1992. Alborghetti acende uma vela e fica rogando para que um bandido que está hospitalizado (tiro, etc.) morra. “Vai morrer ou não vai? Vaaai...” A imagem da vela se mescla à imagem de um demônio, com chifres e cara preta. Noutra parte, Alborghetti diz que PC Farias e os “meninos do Comandaço Vermelho” deviam ser fuzilados em praça pública. Depois festa, foguete, chope pra todo mundo, uma carne legal, costelaço, fica todo mundo lá, tomando chope e vendo o sangue (do PC, etc.) escorrer.
TELESP INFORMA Chama-se Rosa Baroli, a dona da voz do serviço de hora certa da Telesp, 1977-1998.
CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Hoje menciono duas: Serena Ucelli, em março de 1985 (“Intestino volta a funcionar: Tancredo já está cagando e andando”) e Emília Caldas, junho de 1987. Serena era proprietária e garota-propaganda do jornal de classificados Primeiramão. Aparecia na TV, toda linda, falando com um delicioso sotaque estrangeiro, que não parecia propriamente italiano. Etc., etc. Emília Caldas era uma das beldades do Afrodite se Quiser. Antes, havia feito uma interessante parceria com seu então marido, Robertinho de Recife (o álbum, Robertinho de Recife e Emilinha, 1982, que botou nas paradas Dominó, dominó, é uma obra notável e esquecida da música pop-popular brasileira). Emília poderia ser a irmã do meio de Vera Mossa e Nicole Puzzi. Como dizia Nelson Rodrigues, a mulher bonita, por si só, já é uma forma de epifania.
Etc., etc.
(Votei no Ricardo Nunes porque achei que ele ia acabar com essa coisa de blocos de rua em São Paulo, etc.)
(V. NEIDE TAUBATÉ, “NÃO É MESMO?) “O povo cerca a gente pensando que somos bi****, nós estrilamos com voz fina, quando eles quiserem tascar, a gente, e mais vocês, se for preciso, põe a maldade pra jambrar e fazemos um carnaval de porrada pra todo lado. Vamos acabar com tudo que é bloco de cr*****, no pau, mesmo, pra valer. Você topa?”, trecho de Fevereiro ou março, Rubem Fonseca.
19/02/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
9 DE FEVEREIRO DE 1985 É meu aniversário de catorze anos. Estou usando temporariamente o quarto que é da minha avó Maria, que está em Santos. Trouxe para cá minha guitarra, discos e aparelho de som. Vejo em sequência, na TV Cultura, Fábrica do Som e Som Pop (v. Tadeu Jungle e Paulinho Heavy). Recebo três amigos – o Tom, que me dá de presente o Born again, do Black Sabbath, o Alexandre e o Boi, que é meu primo. Alexandre e Boi dizem para o Tom que ele se parece com o baterista dos Titãs, o André Jung. Tia Gylka e a mãe do Alexandre, a Cláudia, ficam na sala conversando com minha mãe. Tia Gylka fuma Galaxy Slims e Cláudia fuma Hollywood. Sábado, 9 de fevereiro de 1985. É a primeira vez que não faço festa de aniversário desde que comecei a fazer festas de aniversário.
9 DE FEVEREIRO DE 1984 Estou no salão de festas do prédio. A festa é para comemorar meus treze anos. Uns amigos acabam de chegar – Romano, Terezinha, Cristiane e Evandro. (Romano fuma Pall Mall, Astolfo fuma Arizona, vó Ida fuma Charm, etc.) Evandro me estende uma embalagem da Sandiz. É um disco, o Undercover, dos Rolling Stones. A Tereza, mãe do Elton, vê a imagem da contracapa, uma mulher nua, fotografada de costas, com o dorso inclinado, e faz um comentário engraçado, com alto teor sexual.
9 DE FEVEREIRO DE 1983 É a primeira vez que comemoro meu aniversário no apartamento, não no salão do prédio. Eu e uns amigos estamos no quarto fazendo gravações supostamente engraçadas. O Eduardo Gordinho (v. Yoplait) canta o que ele diz ser Cruel, cruel, esquizofrenético blues, da Blitz. Não sei como ele teve acesso a esse material, também não posso ter certeza se isso que ele está cantando é mesmo a música censurada da Blitz. Na sala, as pessoas estão falando sobre a Karen Carpenter, que morreu hoje, de anorexia.
9 DE FEVEREIRO DE 1986 Num lugar chamado Mil Milhas, em Interlagos, à beira da represa. A toalha da mesa está suja, o que gera constrangimento e mal-estar. (V. A toalha da mesa estar suja como metáfora, etc.)
9 DE FEVEREIRO DE 1987 Estou fazendo uns sons no teclado Korg Poly 800 do Maurício Tartá. Frederico me deu de presente o Magical mystery tour, dos Beatles. Coloco I am the walrus e digo, é essa faixa, ouça. Frederico ouve e diz que não achou nada demais. (À tarde fui trocar um vale-disco numa Hi-Fi do Iguatemi. Peguei o Drama, do Yes.)
9 DE FEVEREIRO DE 1992 Espero mais de duas horas um amigo que disse que viria em casa. Como ele não aparece, vou ao aniversário do meu primo Christian (fazemos aniversário no mesmo dia, etc.). Estou usando uma camiseta polo verde garrafa e uma calça de sarja cinza, meio que imitando o que suponho ser o jeito de se vestir do Stewart Copeland, o baterista do The Police.
9 DE FEVEREIRO DE 1996 Num bar na Rua Tabapuã chamado Anjo Lelahel, evento feito de improviso, convites enviados de última hora. Apesar disso, um monte de gente aparece.
9 DE FEVEREIRO DE 2018 No Madame Satã, na varandinha onde projetam filmes: eu, Roberto Bicelli, Miguel de Almeida, Luciene Lamano, Magali Bragado e um cara que parece o tio Chico da Família Adams, que não sei quem é.
9 DE FEVEREIRO DE 1982 O síndico do prédio, seu Martinelli, entra no salão dando ordens, gritando, dizendo que está na hora de encerrar a festa (v. Por que coronéis reformados do exército tendem a virar síndicos em prédios na Tijuca?). A família toda (Mirandas, Cerveiras, Pasquinellis, Haaks, etc.) vai pra cima do sujeito. Até eu, que estou completando onze anos, participo do quase linchamento. Uma grande, uma gigante catarse de palavrões, termos chulos, copinhos de plástico arremessados. Meu primo Duto, com a palma da mão voltada contra o rosto acuado do síndico, fica repetindo o xingamento seu bosta. O ano de 1982 é um ano muscle car, Opala 4x100, míssil antinavio Exocet, chiclete Bazooka argentino, chão quadriculado de Congonhas, Mário Fofoca.
Etc., etc.
09/02/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
AINDA 1974-75 Faz de conta que interessa a alguém eu dizer que faz nove anos que tenho uma rotina atlética. (“Sim, interessa, manda bala.”) Oh yeah? Oh yeah. (“Oh yeah” era uma expressão que eu usava o tempo todo em meus textos jornalísticos lá por 2008, pretendendo que ela tivesse o efeito do “de leve” do Ibrahim Sued.) Após um longo e nem tão tenebroso assim período de sedentarismo, comecei a pedalar em 2016, tentando vencer os resíduos de uma síndrome do pânico (v. Pânico em SP, Os Inocentes) que me derrubou quando estava prestes a fazer quarenta e um anos (sou de 1971, façam a conta). Cheguei a pedalar 6.000 km em um ano. Afastei-me da bicicleta após sofrer um acidente potencialmente grave, em janeiro de 2022. Percebi o quanto é realmente perigoso trafegar de bicicleta por São Paulo. A corrida acabou entrando no lugar da bike (“I like Ike and bike”) e comecei também a fazer musculação, treino ABC, seis vezes por semana, ingestão de creatina, whey protein, 1,6 grama de proteína por quilo de peso corporal, etc., etc. Como corredor, tenho como padrão correr 10 km, num pace ao redor de 6,5. Quando a tendinopatia me dá um descanso, corro 15, 20 km. Em algum momento notei que os resíduos da síndrome do pânico tinham ido embora. (Os diagnósticos psiquiátricos são tão vagos quanto a descrição do mecanismo de ação dos medicamentos prescritos por psiquiatras. Não sei se o que tive foi realmente síndrome do pânico. Meus sintomas estavam mais para estresse pós-traumático. Tinha o tempo todo a sensação de que estava prestes a desmaiar ou a ter uma convulsão. Durante um período, em 2014, a sensação era como se eu estivesse com uma ressaca alcoólica pesada, o tempo todo, a coisa não passava. Tinha hiperestesia, vertigem, sensação de despersonalização. Posso dizer que vivi à base de oxalato de escitalopram, lamotrigina e benzodiazepínicos de 2012 a 2018.) (Não vou insistir nesse assuntinho pé no saco de doença. Se o assuntinho te interessa, vá ler os livros daquele sujeito, esqueci o nome dele, um deprimido profissional (v. Didi, “Hummm, ele solicita”) com cara de índio de porta de charutaria que escreveu um livro chamado Escuridão ao meio-dia ou coisa que o valha.)
Não gosto de correr em parques, sinto um tédio federal com traçados fixos. Sou um corredor de rua. Costumo fazer o percurso Avenida Nove de Julho, do Itaim até o Centro, aí volto pela Brigadeiro Luís Antônio. Às vezes vou até a Avenida São João, via Anhangabaú, saúdo o prédio do Banespa, viro na Líbero Badaró e volto. Às vezes entro na Rua Santo Antônio, contornando o Joelma (v. Joelma, 23º. andar, direção de Clery Cunha, 1977). Numa dessas vezes em que contornei o Joelma, lembrei-me de uma excursão que fiz como aluno do Externato Meu Xodó, Rua Cajaíba, Pompeia, 1974-75. Fomos conhecer um quartel do corpo de bombeiros. (v. Salve o Corinthians, gravação do Coro do Corpo de Bombeiros do Estado de S. Paulo). Onde, o quartel? Acho que foi no da Consolação, assim minha memória-imaginação me diz. Ali estou eu, aos quatro anos, com as pernas cobertas por uma espuma que um dos bombeiros lançou sobre nós, a gurizada. (Às vezes eu corro até a Pompeia, e entro na Rua Capital Federal, depois na Rua Paris, depois subo a escadaria mal-assombrada que vai dar na Rua Cajaíba, e observo os prédios, e chego a conclusões precisas sobre onde ficava o Externato Meu Xodó, cuja casa original, onde estudei, foi demolida no final nos anos 1970. Às vezes, voltando, o tendão de Aquiles direito já pegando fogo, paro no Cemitério do Redemptor, na Doutor Arnaldo, para encher minha garrafa no bebedouro, e descanso um pouco, e olho para o cemitério, e deduzo, por ele não ser muito grande, que não teria dificuldades para acabar encontrando o túmulo onde foram enterrados os pais e dois sobrinhos de uma amiga da minha mãe, que morreram num acidente na Piaçaguera, a estrada que vai até o Guarujá, em 1979.)
Passado o barato da espuma, somos colocados na caçamba de um carro de bombeiros e, oh yeah!, vamos dar umas voltas por São Paulo. A tragédia do Joelma é bem recente e todos os transeuntes olham em pânico para o carro de bombeiros soando as trombetas do apocalipse (sirene), imaginando que talvez outro prédio esteja pegando fogo (v. Como Cobrar as 13 Almas do Joelma por Alguma Graça Não Alcançada, de Jade Pynchon). Eu sinto como se todos transeuntes estivessem olhando para mim e isso me deixa muito excitado. Eu, Carlos Zeduardo, sou um eufórico carro de bombeiros, vermelho, com quatro metros de comprimento, escada Magirus-Deutz, sirene ligada, a caminho de algum feito heroico, enquanto uma multidão de Flávios Migliaccios completamente fodidos, espremidos nas calçadas, se limita a me olhar com admiração impotente. (Extra, extra! Donald Trump regrava sucesso da banda punk brasileira Olho Seco, “Você devia de proibir a migração do povão, a Praça Princesa Isabel já virou clube de camping”.) Estamos em 1975. Meu ego de quatro anos e uns quebrados está nas alturas.
30/01/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
DEU CHINELADA NO DENTE DE CHINA Vejo-me (evoco-me) num extinto mezanino do Shopping Center Iguatemi, em 1991, degustando uma lata de Diet Coke (contém fenilalanina, etc.). Talvez haja sobre a mesa de granito branco uma sacola da extinta Livraria Siciliano, onde talvez haja um exemplar do Manual de redação e estilo do Estadão. Talvez eu esteja prestes a rir de algo que acabei de ler, uma lista de termos pejorativos vetados pelo jornal, palavras que alegadamente agridem raças, nacionalidades, orientações políticas, etc. – china (como sinônimo de chinês), vermelho (como sinônimo de comunista), carcamano (como sinônimo de italiano), etc. É bastante possível, também, que eu esteja sob efeito de uma cena que vi em Wild at heart, direção de David Lynch. Assisti ao filme por esses-aqueles dias, talvez num cinema aqui nesse shopping, o Iguatemi. A cena é aquela em que o Nicolas Cage enfia a mão no meio do traseiro de uma mulher que está subindo uma escada. Etc., etc. Todos fumam o tempo todo no filme (v. Nicotina, Os Replicantes). David Lynch morrerá nos primeiros dias de 2025, de nicotina, enfisema, DPOC e alguma praga rogada pelo doutor Drauzio Varella. A cena da escada me acompanhará vida afora.
EMPREGADA É SUGADA PELO RALO DA PIA DA COZINHA O Externato Meu Xodó (“que falta me faz um xodó”, etc.) foi a primeira instituição de ensino que frequentei, entre 1974 e 75, Rua Cajaíba, Pompeia, etc. Ainda tenho a primeira Bíblia que folheei, que era da minha avó Maria (Scarpini Haak). Embora ainda não soubesse ler, em 1974-75, sabia reconhecer analogias e semelhanças. Quando vi que a Bíblia tinha um livro chamado Êxodo, fiquei intrigado, tentando imaginar o que aquele livro caindo aos pedaços contava sobre a minha escola – Êxodo, xodo, xodó, meu xodó, Externato meu Xodó. Em 1974-75, por um breve período, minha constituição física adquiriu uma absurdidade plástica que o Salvador Dalí aprovaria. Basicamente, eu passei a enxergar através de minhas mãos, que eram vazadas por uma forma circular com, hum, cinco centímetros de diâmetro. Noutra ocasião, idem 1974-75, meu primo Boi me falou que a Dete, a empregada da minha tia, tinha sido sugada pelo ralo da pia da cozinha. Eu disse que queria ver. Subimos em duas cadeiras e nos debruçamos sobre a pia. Sim, a Dete estava lá, presa no ralo, gritando o nome da minha tia, pedindo que alguém a tirasse de lá. Passei a morrer de medo de olhar para dentro de ralos.
OLHE FIXAMENTE PARA OS PEITOS SENSACIONAIS DA PATRICIA ARQUETTE David Lynch foi um surpreendentemente bem sucedido mestre de cerimônias de um tipo particular de show de horrores. Apesar das firulas de sofisticação, dá pra ver que Lynch tinha uma mentalidade trash. Lembro-me quando ele esteve aqui fazendo palestras sobre meditação, hipnose, etc. Só puxa-sacos ao redor dele. Um desperdício. Por que não o apresentaram ao Sady Plauth? Por que não exibiram para o Lynch o filme No calor do buraco, talvez seu filme mais radical? Certeza que o Lynch iria adorar e, se bobear, iria transformar o Sady num cineasta internacionalmente conhecido.
(E aí, seus panacas, já compraram as bandeirinhas de festa junina (v. Alfredo Volpi) verde e amarelas para torcer por Ainda estou aqui? Não quero ser estraga prazeres, mas acho que tanto o Mauricinho Lírico quando a Fernandinha Bochechas Eróticas vão levar fumo. Sentemo-nos e aguardemos.) (Aguardemos é o caralho. No dia do Oscar vou me encher de Rivotril pra não correr o risco de escutar os inteligentinhos da zona oeste (v. Luiz Felipe Pondé) soltando rojões se a Fernanda ganhar.)
CAPAS DE PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, TALVEZ PORQUE A HUSTLER TENHA CHEGADO ANTES A fulana que tem as nádegas apalpadas pelo Nicolas Cage em Wild at heart. A mulher é linda e não consegui descobrir o nome dela. Acho que não está creditada no elenco. De qualquer forma passados trinta e quatro anos hoje ela deve ser uma velhusca toda estropiada, cheia de botox, etc., etc.
28/01/2025
ALÔ, ALÔ, CHAMANDO, por Eduardo Haak
MOB RULES “Pó e putaria, coisas que dão muito dinheiro nesse país esfuziante”, assim diz José Zakkai, vulgo Nariz de Ferro, futuro CEO do Escritório Central, holding congregadora de um blend de negócios lícitos (de fachada) e ilícitos (pó, putaria, etc.), isso tudo no romance A grande arte, Rubem Fonseca, 1983. Walter Salles fez um filme medíocre, homônimo, baseado no livro. O filme é de 1991. Nele, o Mauricinho Lírico, herdeiro do banco que nem parece banco (v. Marcelo Camisola), atenua o “tá tudo dominado”, os negócios dos antigos bacanas do eixo Rio traço São Paulo, então descapitalizados e decadentes, sendo irrigados por “pó e putaria”. Transforma Peter Mandrake, Édipo trágico de outra maneira, porque no livro ele revela que certas esfinges são mesmo indecifráveis, num fotógrafo (clichê ultrabatido) gringo deslumbrado com o suposto exotismo do Rio, fotógrafo esse interpretado por Peter Coyote. (Coyote está a cara do Iggy Pop no filme. Giulia Gam, hum, digamos que está até que gostosinha desfilando com uma minissaia preta de couro, apesar da cara de nhoque ao sugo.) Em relativa defesa de Walter Salles posso dizer que ele não foi o único que leu muito mal o livro do Rubem Fonseca. A quem tivesse olhos para ver, todo nosso futuro já estava ali, nesse livro, numa síntese imaginativa soberba. Seria tão difícil assim ler A grande arte, olhar o mundo ao redor e constatar que um universo todo havia sido descortinado? Bem, talvez fosse impossível. Lembro-me bem do que era o imaginário, as crenças e as superstições do brasileiro médio (ou mesmo do supostamente superior) de 1983. Era uma mistura de espiritismo (“Leia Kardec”), Programa Flávio Cavalcanti e algum disco de piadas do Ari Toledo. (Há outras possibilidades de mistura, igualmente péssimas.) A divisa do Brasil, em vez de ordem e progresso, deveria ser mob rules ou o ruim predomina ou tudo que é bom estraga e tudo que é podre prospera nessa merda de país. (Olavo de Carvalho diz uma imensa bobagem quando afirma que os últimos livros de literatura ficcional que captaram de modo abrangente o que era o Brasil foram Quarup, de Antônio Callado, e Pessach: a travessia, de Carlos Heitor Cony. Comparados ao livro de Rubem Fonseca, esses não passam de dois livrecos provincianos e ingênuos.)
BOTA UM PONTA, TELÊ Admito que, aos onze anos, fui um espectador apaixonado da Copa de 82. Hoje, revendo gols no YouTube, até acho os lances bonitos (o gol do Sócrates contra a Itália), mas o tom histérico da narração do Luciano do Valle, aquela gritaria toda, a musiquinha ufanista herdada da Copa de 70, noventa milhões em ações ao portador, etc., me dão uma sensação de pesadelo revivido. (Em episódios recentes, Arthur Moreira Lima foi homenageado na sede do Fluminense F. C. e Marcos Valle fez um vídeo cantando e tocando com a camisa do Botafogo F. R. Em algum momento o futebol deixou de ser o ópio do povo e vestir a camisa, literal e metaforicamente, se tornou quase que uma obrigação, um indicador de sensibilidade social, Lula corintiano, etc. A meu favor posso dizer que faz mais de quarenta anos que torço para que o futebol acabe.)
CAPAS DA PLAYBOY QUE NÃO EXISTIRAM, MAS QUE DEVERIAM TER EXISTIDO Márcia Bulcão, em dezembro de 1984. Márcia era uma das vocalistas da Blitz, ao lado da Fernanda Abreu. As duas eram lindas, mas Márcia fazia bem mais o meu tipo. Certamente elas receberam na época propostas para serem fotografadas, e se não rolou deve ter sido por alguma cláusula contratual da Blitz. (A propósito, estava me lembrando outro dia que o Evandro Mesquita foi garoto propaganda dos cigarros L&M nos anos 1990, “te encontro na sessenta e seis”. E que o Ricardo Petraglia, Dick Petra, fez propaganda eleitoral para o Paulo Maluf, também nos 1990s.)
11/01/2025